Há algum tempo iniciou-se uma forte migração de jornalistas para o segmento literário, num processo bem sucedido, como os casos de Laurentino Gomes, autor do livro 1808, e de Leandro Narloch, de o Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil. Isto sem falar no trabalho consagrado de Eduardo Bueno. Todos enveredados pelo segmento da história e deixando carreiras bem consolidadas para seguirem de mãos dadas com a literatura, em casamentos perfeitos e muito bem sucedidos.
Na última semana de maio ocorreu a terceira edição do Festival da Mantiqueira – Diálogos com a Literatura, em São Francisco Xavier, distrito de São José dos Campos, que serviu para constatar a força deste movimento migratório. Além dos dois colegas citados, estiveram no evento novos nomes que ingressaram neste meio, entre eles o diretor-geral do Observatório do Livro e da Leitura, Galeno Amorim. Este último um ex-repórter do Estado de S.Paulo que apresenta pesquisas interessantíssimas, nas quais é mostrada uma reversão positiva nos níveis de leitura do país. O Brasil está lendo mais.
Mas a grande dúvida é se esse processo de jornalistas-escritores é sazonal ou realmente existe algo dentro dos jornais que tenha facilitado o surgimento de uma nova classe? Ou esses estão sofrendo processos de exclusão pelas novas estruturas editoriais?
A notícia virou calhau
Evidente que a complexidade do fato extrapola esses questionamentos. Mas também é fato que essa questão acaba por conflitar com a própria crise instalada nos jornais pela queda crescente no número de leitores de periódicos. Que descompasso é esse que rege o aumento na leitura dos livros e a diminuição no interesse por jornais e revistas? A questão não seria o conteúdo, o que se oferece ao leitor?
Para ilustrar o conflito do momento, o editor-chefe de um dos grandes jornais do interior de São Paulo disse, em palestra proferida num curso de Jornalismo na mesma época em que mais de quatro mil pessoas participavam do Festival da Mantiqueira, que ‘para ser jornalista não é preciso escrever bem, isto é para escritores. A única coisa que o profissional de imprensa precisa é fazer com que o leitor entenda a notícia’. E isto não foi uma constatação, foi uma afirmação!
Temo que isto esteja se consolidando como verdade dentro do cenário profissional. Pois tal orientação editorial tem se tornado lugar-comum no conceito das reengenharias jornalísticas. Para a prática atual, particularmente no âmbito do impresso, tem se adotado cada vez textos mais curtos e superficiais, num reducionismo abjeto, cuja função é transformar a informação num acessório de uma grande peça publicitária. Em poucas palavras, a notícia virou calhau.
Profissão perde a autocrítica
Então é mais fácil ser honesto com o público e dizer quais são as reais motivações das empresas de comunicação. Mas poupem a escrita, pelo menos isto! Vale lembrar que o premiado Ferreira Gullar – e que também esteve no festival serrano arrastando multidões – atuou por mais de quatro décadas em redações de jornais. Ou seja, fez carreira dentro do jornalismo e isto levou sua literatura para outro status, como o ocorrido na obra de Gabriel García Márquez, de Julio Ramón Ribeyro, George Orwell e de numerosos casos espalhados por todos os cantos do mundo.
Infelizmente, a ‘mediocracia’ instalada na imprensa nacional está transformando até o ato de escrever bem em algo descartável, como se isto fosse obrigação apenas de escritores. Chegou-se ao ponto de já existirem jornalistas sendo dispensados por escreverem de maneira elitizada demais para os novos leitores. Realmente esta profissão está perdendo tanto a autocrítica como a própria identidade.
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Jornalista, pós-graduado em jornalismo científico, curador do espaço literário Cassiano Ricardo (São José dos Campos, SP) e escritor