Morreu na sexta-feira (25/11), aos 85 anos, o jornalista americano Tom Wicker. Autor de 20 livros, Wicker, que ganhou notoriedade na cobertura do assassinato do presidente John Kennedy, foi chefe da sucursal de Washington e colunista político do New York Times por 25 anos. Segundo sua mulher, Pamela Wicker, o jornalista sofreu um ataque cardíaco.
Wicker era um relativamente desconhecido correspondente do New York Times na Casa Branca em novembro de 1963 – havia trabalhado para quatro jornais menores e escrito alguns romances sob pseudônimo. Tinha 37 anos no dia em que Kennedy foi morto em Dallas; era o único repórter do jornal acompanhando a carreata presidencial na viagem ao Texas.
Wicker relatou detalhadamente os acontecimentos daquele dia de uma cabine telefônica – suas notas preencheram duas colunas da primeira página e a segunda página inteira do jornal, e ele ganhou relevância jornalística da noite para o dia. Nove meses depois, sucedeu o lendário jornalista James B. Reston como chefe da sucursal de Washington, e dois anos mais tarde herdou a coluna “In the Nation” de Arthur Krock, que se aposentava.
Segundo o obituário publicado no New York Times, Wicker, ao contrário do conservadorismo de Krock e do jornalismo cavalheiresco de Reston, levou à sua coluna uma perspectiva liberal e civil-libertária mais dura. Seus artigos foram publicados duas a três vezes por semana na página editorial do jornal de 1966 até sua aposentadoria, em 1991.
Críticas para todos os lados
Em 1964 e 1965, Wicker elogiou o presidente Lyndon Johnson e o Congresso americano pela aprovação do Ato de Direitos Civis e do Ato de Direitos ao Voto, mas criticou o governo por ampliar o envolvimento do país no Sudeste Asiático. O presidente Richard Nixon foi criticado por secretamente bombardear o Camboja, e no caso Watergate foi acusado de criar o começo de um “estado policial”. Wicker entrou na “lista de inimigos” de Nixon – que acabou tendo que renunciar diante do escândalo.
Todos os outros presidentes receberam duras críticas ao longo dos anos: Gerald Ford, por continuar a guerra no Vietnã; Jimmy Carter, por contemporizar diante da crescente inflação e da crise dos reféns do Irã; Ronald Reagan, por “cochilar” durante o escândalo Irã-Contras; e George Bush, por dar mais valor à Guerra do Golfo do que aos problemas de educação e saúde nos EUA. Wicker também não poupava as grandes empresas, os membros do Congresso, os sigilos dos governos, os líderes trabalhistas corruptos, as condições prisionais, a televisão e a mídia em geral. Bastava dar motivo, ele estava de olho.
Ativismo
Na década de 1970, o papel de colunista havia tirado de Wicker as restrições jornalísticas óbvias à defesa de causas, e ele era frequentador assíduo de programas de TV e palestras em universidades. Em Harvard, em 1971, chegou a defender que os estudantes adotassem a desobediência civil nos protestos contra a guerra do Vietnã. “Já tiramos um presidente do poder, e talvez possamos fazê-lo de novo”, afirmou a seu público na ocasião.
Com posições tão firmes, Wicker colecionava inimigos. Era atacado por conservadores e liberais, empresários, líderes trabalhistas e até por jornalistas, que criticavam seu ativismo exacerbado e a violação dos limites entre observador e participante das notícias. Ele não se abatia e suas colunas e discursos continuavam a adotar o mesmo tom.
Em setembro de 1971, Wicker participou do que talvez tenha sido o maior episódio de envolvimento com um evento noticioso de sua carreira: uma rebelião de 1.300 prisioneiros que tomaram 38 guardas e funcionários da penitenciária de Attica, no estado de Nova York. Como havia escrito uma coluna solidária ao militante negro George Jackson, morto durante uma tentativa de fuga na prisão de San Quentin, Wicker foi chamado pelos rebeldes de Attica a se juntar a um grupo de observadores externos para inspecionar as condições da penitenciária e monitorar as negociações entre os presos e as autoridades policiais. Com o jornalista, também entraram o advogado radical William Kunstler e o presidente do Partido dos Panteras Negras, Bobby Seale, e os observadores acabaram assumindo o papel de mediadores.
Wicker descreveu em uma coluna a noite que passou com os rebeldes, com direito a fogo em barris, presidiários armados com bastões e canos de ferro, homens com os rostos escondidos por capuzes ou capacetes de futebol americano amontoados em colchões atrás de barricadas de madeira. “Este é um outro mundo”, escreveu. “Assustador para os de fora, mas imponente em sua singularidade – por trás de muros grossos, nesta escuridão murmurante, sob o poder temporário, mas real, de homens desesperados”.
As negociações chegaram a um impasse diante das demandas dos presos por anistia e pela saída do então comissário do sistema carcerário, Russel Oswald. O governador Nelson Rockefeller refutou os apelos dos observadores para que fosse até Attica, e depois de quatro dias de impasse a força policial invadiu a penitenciária. Dez reféns e 29 prisioneiros foram mortos durante a invasão, e três presos foram assassinados por outros rebeldes, que também espancaram um guarda até a morte.
Em 1975, Wicker escreveu um livro sobre a revolta, chamado A Time to Die (Tempo de morrer, na tradução livre). Grande parte da crítica concordou que aquele era seu melhor livro, mas o jornalista também foi bastante criticado por simpatizar com os prisioneiros. O episódio foi contado no filme Attica, feito para a TV pela rede ABC em 1980. Wicker foi interpretado pelo ator George Grizzard.
Livros
O jornalista escreveu 20 livros: 10 romances – alguns sob o nome Paul Connolly – com histórias de assassinatos e thrillers políticos, e 10 obras de não-ficção que examinavam os legados de ex-presidentes, as relações raciais nos EUA e a imprensa.
Sua primeira não-ficção, em 1964, foi Kennedy Without Tears: The Man Beneath the Myth (Kennedy sem lágrimas: o homem por trás do mito, tradução livre). Depois veio JFK and LBJ: The Influence of Personality Upon Politics (JFK e LBJ: a influência da personalidade na política, sobre Kennedy e Lyndon Jonhson).
On Press (Sobre a imprensa), de 1978, tratava de antigas queixas sobre a atividade jornalística: o mito da objetividade e a dependência de fontes oficiais e anônimas.
Em 1991, pouco antes de se aposentar, Wicker publicou One of Us: Richard Nixon and the American Dream (Um de nós: Richard Nixon e o sonho americano), sobre o presidente que tanto havia desdenhado 20 anos antes. Em 2001, ele escreveu On the Record: An Insider’s Guide to Journalism, uma espécie de guia jornalístico com base em suas próprias experiências na profissão, e, até 2006, publicou livros sobre Eisenhower, Bush e Joseph McCarthy.
Jornal da escola
Thomas Grey Wicker nasceu em 18 de junho de 1926 na Carolina do Norte e decidiu ser jornalista depois de trabalhar no jornal da escola. Formou-se na Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill em 1948, depois de servir na Marinha na Segunda Guerra Mundial. Na década seguinte, foi repórter e editor em diversos jornais do estado, até se tornar correspondente em Washington do Winston-Salem Journal.
Em 1949, o jornalista casou com Neva Jewett McLean, com quem teve dois filhos – Cameron e Thomas. O casal se divorciou em 1973 e, no ano seguinte, Wicker casou com Pamela Hill, produtora de documentários para a TV.
Mais colunista do que chefe
Entre 1957 e 58, ele foi bolsista da prestigiosa Nieman Fellowship em Harvard, e no ano seguinte tornou-se editor do jornal Nashville Tennessean. Em 1960, James Reston o contratou para a sucursal de Washington do New York Times, onde cobriu o Congresso e a Casa Branca de Kennedy.
Wicker foi nomeado chefe da sucursal em 1964, escolhido pelo próprio Reston. O jornalista não parecia interessado, no entanto, na parte administrativa do trabalho – continuou a cobrir a capital e a escrever análises e artigos. Em 1966, ocupou o espaço da coluna deixada por Krock.
Dois anos depois, sob queixas de editores em Nova York de que Wicker dedicava tempo demais a suas colunas e pouca atenção à chefia, o dário anunciou que ele seria substituído por James Greenfield, ex-repórter da revista Time. Wicker e alguns colegas viram a mudança como um esforço de Nova York para controlar a relativa independência do bureau, e se opuseram a ela. O publisher Arthur Ochs Sulzberger acabou tirando a indicação de Greenfield e nomeou Max Frankel no lugar. Wicker tornou-se editor associado, título de manteve até sua aposentadoria. A partir de 1972, passou a escrever sua coluna de Nova York.
Além dos artigos opinativos e livros, Wicker também escreveu contos e textos como freelancer publicados em veículos como The Atlantic, Esquire, The New Republic, New York Review of Books, New Yorker, Playboy, Rolling Stone e Vogue. Ao longo dos anos, ele recebeu diversos prêmios e títulos honorários de dezenas de universidades. Sobre artigo de Robert D. McFadden [The New York Times, 26/11/11].