Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalista é mensageiro?

Para Veja jornalista é mensageiro. Por isso, a revista se permitiu transmitir, com grande estardalhaço, a mensagem que o banqueiro Daniel Dantas mandou a Lula: de que dispõe de documentos suficientes para chantagear o presidente da república. Lula reagiu com ‘o mais destemperado ataque verbal já desferido contra um órgão de imprensa desde a democratização’. Segundo a publicação da Editora Abril, Lula e seus auxiliares se comportaram como velhos selvagens: ‘Em vez de apurarem o conteúdo da mensagem insurgiram-se contra o mensageiro’.

O novo imbróglio é mais um desastrado equívoco a exibir as entranhas doentes do país. O Brasil renunciou aos valores morais e éticos. Esses valores costumam servir de máscara para fariseus, é verdade. Não por eles em si, mas por seu mau uso, por sua deturpação, por sua desnaturação. Um país não evolui sem essa base de símbolos. Se não os cultiva, cada vez mais se reduz a uma confraria de animais irracionais, ou racionais conforme seus próprios interesses, que excluem o universo de terceiros.

O que mais me impressiona no esforço dos Estados Unidos para superar a crise desencadeada pela quebra da bolsa de Nova York, em 1929, através do grande acordo (o new deal) de Franklin Roosevelt, foi o senso de dignidade que pessoas empobrecidas, famintas e sem horizontes visíveis ainda mantiveram. A busca do pleno emprego, com as orientações keynesianas da equipe do governo liderada por Hopkins, só deu certo porque os necessitados rejeitaram a caridade. Aceitavam o prato de sopa como o passo inicial para conseguir um trabalho decente. Não queriam, porém, mendigar.

Os símbolos morais e éticos estão sumindo do mercado corrente de valores dos brasileiros. Quem procura manter o senso de decência, dignidade, honra e respeito é vilipendiado com a etiqueta de ‘udenista’, De fato, muitos dos líderes das cruzadas morais da velha UDN usavam títulos de aluguel, bandeiras de fantasia, verdades com validade apenas da boca para fora, só para compensar a falta de votos. Não significa, entretanto, que só ‘levar vantagem’ seja o que importa.

A primeira conta

Jornalista não é menino de recados, nem mensageiro da verdade alheia. Cabe-lhe trazer para a sociedade o que de relevante circula pelas ruas, pelos gabinetes, pelos plenários. Mas não é um boneco, um robô, um mero intermediário. É deplorável que na vitrine em que a vida se transformou, a exibir mínimos eus inflacionados pela arrogância e a prepotência, o jornalista seja mais importante do que os fatos. Ele deve ser suficientemente profissional para não se deixar seduzir pela troca da função de coadjuvante pelo estrelato. Às vezes adquire importância e proeminência a despeito de sua vontade, mas sempre tem que procurar não conduzir os acontecimentos.

Não é por isso que deve carimbar e mandar em frente os assuntos sem verificar se a assinatura confere, se o conteúdo tem consistência, se o tema é de interesse público. Veja tinha todo direito de tratar do produto da espionagem contratada pelo banqueiro Daniel Dantas, dono do grupo Opportunity, envolvido em alguns dos mais escabrosos escândalos do mundo financeiro nacional.

Mas se tinha razões para recear pela validade dos papéis produzidos, a revista não podia colocar a matéria na capa, dar-lhe o enorme espaço que ela ocupou e deixar que o provavelmente falso tivesse a mesma hierarquia do provavelmente verdadeiro. A esse exercício de leviandade pode permitir-se uma publicação de segunda linha, mas não a quinta revista de informações de maior tiragem do mundo.

Quando não encontra o seu lugar, uma publicação jornalística perde o lugar que ocupava até se desorientar. E Veja, seguramente, perdeu a orientação da seriedade, da verdade, do jornalismo. Atribuindo-se o papel de mensageira, pode ter o triste destino dos mensageiros das más notícias, algumas que, além de serem ruins, não são nem mesmo verdadeiras. Sofre a sentença de morte tanto nas mãos dos tiranos quanto dos injuriados. Mas quem acaba pagando a primeira conta – ou a única – é o repórter.