Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalista ou escrevinhador?

Não é o novo valor do salário mínimo. Tampouco é a crescente taxa de desemprego. Senhoras e senhores, a preocupação do povo brasileiro é o hábito de ‘bebericar’ do presidente da República! Ao menos, foi o que garantiu o repórter Larry Rohter em sua matéria do New York Times de 9 de maio. Boatos e trechos de discursos e colunas constroem a narrativa de um Lula trapalhão e ébrio, cujo comportamento supostamente inquietaria todos os brasileiros.

Ao longo do texto de Rohter, a palavra ‘especulação’ e variações aparecem três vezes. A construção ‘Se Mr. Da Silva realmente tem ou não um problema com bebidas (…)’ ratifica o teor da matéria como pertencente ao campo das idéias. Ali tudo é hipotético. As situações descritas, que revelariam uma ‘postura alcoólica’ de Lula, não têm dados que as comprovem. Sem precisão, a reportagem se distancia do factual.

Quem estuda Jornalismo aprende a estrutura fundamental da notícia. O lead deve responder às perguntas ‘o quê?’, ‘quem?’, ‘quando?’, ‘onde?’, ‘como?’ e ‘por quê?’. Lamentavelmente, Rohter parece ter cabulado as aulas na faculdade. Ele afirma que há ‘várias gafes’ nas quais Lula já se envolveu. Entre elas, a ocasião em que ‘chamou uma cidade de ‘fábrica de gays’’. Onde? Que cidade? Quem leu isso nos Estados Unidos provavelmente pensou: ‘É o Rio de Janeiro’.

Rohter também escreve que ‘brasileiros vêem os flertes de Lula com atrizes atraentes’. Esqueceu-se de contextualizar. Não deu nome aos bois, perdeu credibilidade. Não só com a primeira-dama, Marisa Letícia da Silva, mas com todo leitor que tenha bom senso. Além dos fatos (?) que apresenta, ele se valeu de fontes restritas e ‘indiretas’ (discurso de Brizola e colunas de Mainardi e Cláudio Humberto). Qualificou o presidente como ‘homem de apetites e impulsos fortes’. Tudo isso tornou seu texto fraco e nada objetivo.

Pior foi a correlação que fez entre álcool e política. Segundo Rohter, o período de instabilidade, que levou ao golpe de 1964 e 20 anos de ditadura militar, foi iniciado com a renúncia de Jânio Quadros. Esta se deu graças aos excessos de bebida do presidente da vassoura. Daí decorreria a preocupação dos brasileiros com Lula! Ora… Como acreditar num texto que mais deforma que informa?

Os mais atentos podem até encontrar uma mensagem subliminar na associação falaciosa álcool–política-ditadura. Se Lula não se comportar (em relação ao álcool ou à Alca?), os Estados Unidos vão invadir o Brasil! A fim de instaurar uma nova ditadura. Dirão que é para exterminar o terror da área. Não a violência do Rio, mas o alcoolismo do líder nacional!

A reportagem de Rohter revoltou os brasileiros. ‘Achamos que foi correta’, defendeu o New York Times. Tão correta quanto 73 matérias publicadas por Jayson Blair, demitido do NYT em maio de 2003. Na época, descobriu-se que grande parte do que Blair escrevera para o jornal era fruto de sua imaginação.

Assim, a ‘estória’ que nos conta Rohter talvez fosse um bom roteiro para cinema ou TV. Obra de ficção. O que ele fez não se parece nada com jornalismo. Portanto, cancelar seu visto, decisão do governo respaldada pela lei, não é atentado contra a imprensa. Afinal, um indivíduo como Larry Rohter não é jornalista. Como sua historieta evidencia, ele ainda não passou do risco e rabisco.

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Repórter