Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Folha-shit”, a invenção genial

Front page (em inglês), la une (francês), primera plana (espanhol), primeira ou capa (português) designam o espaço mais nobre de um jornal. Proscênio, altar, janela, fisionomia, marca de identidade, mesmo na imprensa popular a primeira página sempre foi envolvida por uma aura de respeitabilidade.

Neste reino da avacalhação, na última década as primeiras páginas começaram a ser sistematicamente desmoralizadas num conluio entre agências de publicidade desejosas de exibir sua pseudo-ousadia e departamentos comerciais interessados apenas em atender as metas de faturamento e ganhar o seu bônus.

O vale-tudo começou paradoxalmente na chamada grande imprensa reunida sob a égide e as benções da Associação Nacional de Jornais (ANJ). A prostituição do lugar de honra dos jornais foi primeiro experimentada na Paulicéia Desvairada, depois se estendeu ao resto do país. Inicialmente sob a forma de sobrecapas publicitárias ocupando metade das primeiras páginas e, depois, diante da ausência de protestos, a ocupação passou a ser integral.

Ajuda extraordinária

Fundadores de jornais-monumentos certamente reviravam-se em suas veneráveis tumbas quando debaixo de cabeçalhos que ajudaram a glorificar penduravam-se ofertas de liquidificadores, linguiças e nabos. Virgindade perdida, na fase seguinte foi fácil aos fabulosos criativos das agências sugerir brincadeiras com capas ditas “promocionais” ou disfarçadas de “informes publicitários”, conspurcando não apenas o veículo, mas a sua relação com os leitores.

Na segunda-feira (20/6), a Folha de S.Paulo vendeu-se a uma franquia de cursos de inglês chamada Red Baloon. Inventou uma capa inteiramente escrita em inglês com o mesmo design e teor da capa verdadeira. Genial?

Estúpido! Inglês macarrônico, capenga, burlesco, traduzido ao pé da letra, incompreensível para anglo-saxões porque os pobres tradutores foram obrigados a manter o tamanho dos títulos e a própria organização das frases em português.

Com a inestimável ajuda da Red Baloon, a Folha criou na última segunda-feira do outono uma caricatura idiomática chamada Portinglês e uma nova retranca – a “Folha-shit”.

 

Leia também

Jornalismo e propaganda, fronteira arrombada – Wladir Dupont

Aspargos em Marte, promiscuidade na Terra – A.D.

Na capa, todo cuidado é pouco – Carlos Eduardo Lins da Silva

Folha e Estado optaram pela indiferenciação – A.D.

Retrato de uma imprensa às vésperas dos seus 200 anos – A.D.