O presidente francês Nicolas Sarkozy entrou no turbilhão de um ‘Sarkozygate’?
Desde segunda-feira (13/9), quando o jornal Le Monde publicou uma matéria de capa assinada por Sylvie Kauffmann, diretora da redação, sob o título ‘Affaire Woerth: o Eliseu violou a lei sobre o segredo das fontes jornalísticas’, o ‘caso Bettencourt’ que se tornou ‘affaire Bettencourt-Woerth’ pode se transformar em ‘affaire Bettencourt-Woerth-Sarkozy’ por conta das novas revelações do jornal. Ou, simplesmente, ‘Sarkozygate’, como já o chamam alguns políticos da oposição.
‘O Eliseu utilizou o serviço de contra-espionagem para identificar uma fonte do Monde.’ Sem meias palavras, o jornal de referência da França acusa o Palácio do Eliseu de ‘ter empregado métodos que infringem a lei de proteção das fontes jornalísticas’ quando ordenou aos serviços secretos (Direction Centrale du Renseignement Intérieur – DCRI) uma investigação dos telefonemas dados e recebidos por pessoas que, em julho, haviam tomado conhecimento do depoimento de Patrice de Maistre, administrador da fortuna da dona da L’Oréal, Liliane Bettencourt.
O depoimento, que colocava o atual ministro do Trabalho Eric Woerth em situação difícil, foi comentado no dia seguinte pelo Le Monde em matéria exclusiva, assinada pelo jornalista Gérard Davet. A versão de Patrice de Maistre desmentia a de Woerth sobre o emprego de sua mulher, Florence Woerth, pela empresa que administra os bens da proprietária da L’Oréal.
Apoio incondicional
Daí à caça a possíveis responsáveis pelo ‘vazamento’ foi um pulo. Os serviços de espionagem tiveram acesso às ligações telefônicas dos ‘suspeitos’ e revelaram que um magistrado, David Sénat, assessor especial da ministra da Justiça Michèle Alliot-Marie, teve contato com o jornalista que assinou a matéria.
O Palácio do Eliseu desmentiu qualquer interferência na espionagem do Le Monde. Mas, grande coincidência: o magistrado Sénat foi transferido em agosto para Caiena, capital da Guiana Francesa.
Punição? De modo algum, nega o porta-voz do ministério da Justiça. O magistrado queria voltar a trabalhar ‘sur le terrain’, deixando os gabinetes da burocracia administrativa. Foi mandado para a Guiana para implantar um tribunal. Por acaso, mas isso é apenas uma coincidência, era lá que, no passado, os antigos prisioneiros faziam serviços forçados.
O Le Monde informou que instruiu seus advogados a ajuizar uma ação na qual o réu é desconhecido, que no direito francês corresponde a ‘déposer une plainte contre X’ [apresentar uma queixa contra X].
No affaire Bettencourt-Woerth há suspeitas de financiamento ilegal da campanha de Sarkozy para presidente, uma Legião de Honra concedida ao administrador da fortuna da proprietária da L’Oréal (recomendada por Woerth), um cargo importante na empresa que administra essa fortuna dado à esposa do ministro (em troca da Legion d’Honneur?), evasão fiscal de muitos milhões de euros na Suíça da fortuna de Liliane Bettencourt, entre outros escândalos.
Até hoje, o presidente e seus ministros tentaram formar um cordão de proteção a Eric Woerth negando todas as acusações e garantindo o apoio incondicional ao ministro. Jornalistas americanos e ingleses entrevistados pela televisão foram categóricos desde o princípio do caso: tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra, Woerth não seria mais ministro há muito tempo.
Financiamento ilegal
O editorial de primeira página da segunda-feira (jornal datado de 14 de setembro) se intitula ‘Le Monde, l’Elysée et la liberté d’informer’ (Le Monde, o Eliseu e a liberdade de informção). O texto lembra que foi sob o governo Sarkozy que o segredo das fontes jornalísticas foi reforçado por uma lei que diz : ‘O segredo das fontes dos jornalistas fica protegido no exercício de sua missão de informação do público’.
No texto assinado por Sylvie Kauffmann, o jornal lembra que a lei afirma expressamente que ‘é considerado como um atentado indireto ao segredo das fontes o fato de tentar descobrir as fontes de um jornalista através de investigações dirigidas a qualquer pessoa que, por suas relações habituais com um jornalista, pode deter informações permitindo identificar as fontes’. Kauffmann lembra, ainda, que jornalistas podem manter o silêncio sobre suas fontes mesmo interrogados no contexto de uma investigação judiciária.
O affaire Bettencourt começou com uma denúncia da filha da milionária de que o fotógrafo François-Marie Banier abusava da fragilidade psicológica de Liliane Bettencourt. Segundo a filha de madame Bettencourt, sua mãe já havia doado ao amigo gay – que ela chegou a pensar em adotar como filho – o equivalente a 1 bilhão de euros.
Em pouco tempo, as investigações em torno das doações da milionária apontavam para financiamento ilegal da campanha de Nicolas Sarkozy, via Eric Woerth, que de tesoureiro do partido do presidente (UMP) se transformou em ministro do Planejamento e, atualmente, do Trabalho.
O Sarkozygate está apenas começando.
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Jornalista