Pode ser antiético falar de um ambiente de trabalho quando não se está mais nele. Mas nem sempre são dadas as condições de expressão quando se está empregado. Num ambiente centralizador, as ideias contrárias caem na vala comum da oposição rabugenta e digna de desprezo. Evitamos “lavar a roupa suja” fora de casa, mas há situações em que isso se torna inevitável.
Começo com um desabafo: como é difícil ser jornalista! Você tem que estar muito bem informado para poder informar, viver na gangorra do tempo, ser ágil, versátil, colocar suas ferramentas de trabalho (texto, voz, expressão, conhecimento) a serviço do imprevisível, já que notícia não escolhe hora pra acontecer. Além disso, gasta seu suor em elaborar a notícia, que vira um castelo de areia, ou seja, desmorona assim que o jornal vai para o ar. Exercício de desprendimento diário, porque seja qual for a qualidade do trabalho em TV, ele ficará apenas na lembrança do telespectador, ou no arquivo de reportagens da emissora. Até aí, nada tão diferente. Cada profissão tem seus ossos. O pior mesmo é lidar com as contradições.
Você tem como princípio da profissão o senso crítico, a capacidade de desconfiar das respostas prontas, a obrigação de ver sempre os vários lados da história e não se conformar com o que está explícito, afinal muito se revela ao jornalista para fazer uma cortina de fumaça sobre o que interessa saber e divulgar. Mas, quem está na chuva…
O maior desafio, a meu ver, é voltar para a redação e enfrentar o oposto, em relação ao que se faz fora dela. O senso crítico, que permeia todo o fazer do jornalista, deve ser guardado no bolso para que as regras sejam cumpridas. Podem achar: não é bem assim, existe espaço para a discordância… Sim, existe, desde que não ultrapasse certos limites. Aí também nada de novo. Então, o que incomoda? Onde está o problema? O problema está em desprezar a discordância, porque afinal de contas, quem nunca ouviu dizer: jornalista dá muito trabalho, não se conforma com nada, está sempre insatisfeito.
Toda insatisfação tem uma razão. Lembro de um exercício que apliquei com a redação, quando fui chefe, em que cada setor relatou, por escrito, seus problemas internos e em relação aos outros departamentos. Fizemos uma reunião com todos eles e problema por problema foi lido em voz alta. Muitos acharam constrangedor, mas muitos parabenizaram a iniciativa pela transparência e aproximação da realidade. Não estou aqui para dar fórmulas. Meu prazo de validade venceu quando vi que estar entre a cruz (funcionários) e a espada (empresa) é tarefa para quem nasceu pra isso, ou recebeu uma formação adequada na área de gestão. Mas penso também que não é possível se conformar com a centralização e falta de diálogo com os “contrários” numa imprensa que se diz defensora da liberdade e democracia. É hora de olhar para o próprio umbigo.
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Hebe Rios é jornalista com grande experiência em redações de televisão, atuando como apresentadora e editora-chefe de vários telejornais.