Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Liberdade ou bandalheira?

O episódio com o jornalista Larry Rohter, do New York Times, expulso do país por escrever reportagem fortemente ofensiva ao nosso presidente da República, suscita reflexões políticas sobre questões mais amplas. Poucos incautos negam que grassa no mundo moderno uma guerra de informações e contra-informações, em que se digladiam grandes interesses econômicos. Esta guerra também está presente nas ideologias e contra-ideologias que estão em conflito o tempo inteiro em nosso espírito. A maioria das gentes diz hoje que não tem ideologia. ‘Quero é ganhar meu dinheiro, poder cuidar bem de minha família etc’, dizem, negando qualquer ideologia. Estes são os mais fanáticos idólatras dos valores burgueses.

Alguns poucos se dizem socialistas, mas olham com rancor a simples aproximação de um outro sobre seus pertences. Confunde-se ainda a inveja pela propriedade alheia com o espírito socialista. Por outro lado, boçais cúpidos e ambiciosos autoproclamam-se capitalistas, enquanto se afundam em dívidas ou, no caso de um burocrata do Ministério da Fazenda, nos afunda a todos nós. Há ainda aqueles que botam uma argola no nariz, ou lêem um livro anarquista de 200 anos atrás, e saem por aí gritando e pichando anarquismo barato fake. Estão vendo a confusão?

A única maneira de vencer esta confusão é apelando para aquela velha, sábia e audaciosa amiga da humanidade: a filosofia. E não vamos nem confundir nossa cabeça com filósofos duvidosos pós-modernos. Sejamos clássicos e vamos direto à fonte grega, ao fundador do pensamento ocidental, aquela figura grandalhona, esquisita, desajeitada, vigorosa, amável, cínica e alcoólatra: Sócrates! Aquele cuja honestidade lhe valeu a vida, pois foi acusado de corromper a juventude e preferiu se defender em público, sabendo que seria irrevogavelmente condenado à morte, a fugir sorrateiramente para o exterior, como o faziam todos os outros filósofos. Pode-se dizer que Sócrates foi o primeiro grande subversivo da história ocidental.

Pois é, Sócrates foi o primeiro a aplicar a dialética de forma racional. Está certo, Heráclito também havia escrito coisas magníficas sobre a dialética, mas foi Sócrates quem criou o método. A dialética é uma tecnologia revolucionária de análise da realidade, e não foi por outra razão que Hegel e depois Marx mergulharam nela para daí extrair a filosofia e a política modernas.

Revolta interior

Depois desta introdução filosófica, volto a falar do episódio da reportagem ofensiva a Lula, que culminou com o cancelamento do visto temporário do jornalista. E gostaria de relacionar este fato à iminente viagem de Lula à China. Para isso, apelaremos a nossa poderosa ferramenta: a dialética. A irritação profunda do presidente Lula contra a imprensa americana, somada a sua indignação contra a invasão e a ocupação do Iraque (indignação esta repetida à exaustão em seminários e conferências internacionais) determinarão um estado de espírito peculiar na delegação brasileira que desembarca, dentro de algumas semanas, no gigante do Oriente. Dialeticamente, o ódio de Lula à prepotência dos políticos e jornalistas norte-americanos se converterá em amor pela revolução maoísta chinesa, que agora se abre ao mundo, não mais como uma flor bela e frágil (como era talvez na primeira vez em que Mao tentou abrir a China ao mundo, nos anos 60), e sim como uma indestrutível e poderosa cidadela de aço.

A velocidade com que a China cresce anualmente, provendo emprego para quase 2 bilhões de pessoas, e sobretudo a quantidade de dinheiro chinês que vem desembarcando em nossos portos e aeroportos, pelo pagamento da soja, do minério-de-ferro, aviões, madeira etc. faz com que a política externa brasileira em relação à China mereça não só atenção, mas o carinho e o amor de toda cabeça pensante deste vasto Brasil.

A dialética é linda. E é científica, pois é comprovada pela química, pela física e pela matemática. E nem me venham com papo de física quântica, que isso é outro assunto. A Guerra no Iraque, por exemplo. É a maior tragédia humanitária dos últimos 100 anos. Daqui a uns cinco ou seis anos os historiadores e cientistas sociais concordarão que o número de vítimas da guerra, não apenas em conseqüência dos combates, mas sobretudo pela fome, as doenças, a criminalidade, causadas pela instabilidade da guerra, pode ser superior ao Holocausto judeu na Segunda Guerra Mundial. Quer dizer, ao longo de cinco ou seis anos mais de 6 milhões de iraquianos devem perder a vida em conseqüência desta guerra.

A dialética, contudo, mostra a outra face desta tragédia. A toda tese corresponde uma anti-tese, ensinava Hegel, o primeiro moderno a resgatar a dialética em toda sua vitalidade e pujança. As trevas da guerra provocaram, em todo o planeta, as luzes do movimento pacifista, o primeiro grande grito coletivo da humanidade. Creio que foi em 11 de março de 2003 que milhões de pessoas em todo mundo saíram às ruas para pedir paz.

Ou seja, a Guerra no Iraque provocou mudanças na ordem geopolítica mundial no sentido de todos os países do mundo agora estarem conscientes da necessidade do fortalecimento dos organismos internacionais. Entretanto, é muito mais que isso. A injustiça da guerra incendiou em milhões de pessoas de todo mundo esta revolta interior tão maravilhosamente humana e que se liga aos valores mais nobres e mais antigos da humanidade. O amor, a fraternidade, a paixão pela paz.

‘Bin Laden é bonito’

A reportagem doentia do jornalista americano, destilando seu veneno contra a maior liderança da América Latina, talvez de todo o Terceiro Mundo ocidental, e que recentemente foi eleito pela revista Time como um dos ‘100 homens mais influentes do mundo’, revela não apenas preconceito, como também forte dose de maquiavelismo barato e tipicamente americano. Típico do New York Times, este jornal fariseu que tentou abafar com todas as forças a magnitude das grandes manifestações contra a guerra, e que sempre acreditou ou fingiu acreditar nas deslavadas e ridículas mentiras do governo para atiçar o ânimo sombrio da guerra na opinião pública americana.

Pois bem, o repórter foi expulso do país e muito bem expulso. Liberdade de imprensa não é bandalheira. Um correspondente brasileiro em Londres não pode publicar no Globo uma matéria dizendo que a rainha é uma piranha que ‘dá’ para todo o palácio, além de viciada em drogas. O New York Times é (infelizmente) um dos jornais mais lidos do mundo e a reportagem agride profundamente a imagem do Brasil. Se o jornalista fosse brasileiro e trabalhasse para um jornal brasileiro seria processado por calúnia e difamação; mas, como é estrangeiro, usou-se a lei cabível que determina o cancelamento do visto.

Os fariseus que pregam a liberdade de imprensa a qualquer preço esquecem que se houvesse liberdade total então teríamos uma total anarquia (que delícia, não?!). Mas aí teríamos que liberar tudo, tudo. Não existiria mais propriedade privada, nem polícia, nem juízes, nem governo. Quiçá nem família.

Além disso, que espécie de careta puritano é este jornalista? Vale aquele ditado, ‘macaco, olhe seu rabo’. Os EUA praticando a mais horrenda e bestial tortura em prisões do Iraque e o NYTimes preocupado com a caipirinha de Lula? Tanta coisa importante acontecendo no Brasil, e ele faz uma reportagem sobre Lula se baseando em artigo do Diogo Mainardi na Veja? Diogo Mainardi, o mais ridículo fariseu da história da imprensa brasileira, com seus aristocráticos e mau-cheirosos artigos vindos diretamente da Itália?

Felizmente, Lula soube dar uma resposta rápida e eficiente. Cancelou o visto do repórter. Tantos milhares de brasileiros não têm o visto de entrada nos EUA cancelado pelas mínimas coisas? Caetano Veloso não quase perdeu o visto por ter comentado um dia que bin Laden é bonito (coisas de caetano…)?

Viva Mao!

O repórter demonstrou inconcebível desrespeito por uma carismática liderança nacional, além de ser mais uma prova do péssimo jornalismo que vem sendo praticado pela imprensa americana. Há anos o pior nos EUA não é Bush ou os republicanos, mas sua imprensa vendida e suja. Contudo, é triste, mas inevitável, constatar que a estupidez jornalística é resultado de um triângulo de idiotas. Um espertinho escreve, um vendido publica e um estúpido acredita no que lê.

Voltando à China. Nunca jamais um país latino-americano enviou uma delegação tão numerosa à China. Uma comitiva de quase 1.000 brasileiros, entre políticos, empresários e jornalistas estará acompanhando o presidente e seus ministros. Lula viaja com uma saudável postura de caixeiro-viajante, pois tem consciência da quantidade de empregos que pode gerar (ou proteger) com esta viagem. Mesmo assim, o fator geopolítico ainda consegue ser mais importante, pois Brasil e China, como maiores representantes políticos do mundo em desenvolvimento do Ocidente e do Oriente, estão formidavelmente alinhados nas grandes discussões da Organização Mundial do Comércio e da Organização das Nações Unidas.

O problema do desemprego no Brasil poderia ser resolvido com alguns bons contratos com a China, mas é preciso também ter cuidado com o gigante, que tem seu lado agressivo, pois não deve ser fácil ao governo comunista dar emprego a 1,7 bilhão de chineses.

Não esqueçamos que a prosperidade chinesa atual é resultado da revolução de Mao, que conseguir livrar a China das garras usurpadoras de todas as potências ocidentais, inclusive dos EUA. A abertura ao capital estrangeiro é uma estratégia política do Partido Comunista para modernizar o país e aumentar a qualidade de vida do cidadão chinês, e não uma capitulação aos valores burgueses, como capciosamente se afirma por aí, tentando desmoralizar a credibilidade revolucionária do governo comunista chinês. Viva Mao! Viva a China!

Um link para um moderno website chinês muito importante para quem quer notícias e opiniões daquelas bandas de lá (www.atimes.com). É em inglês, mas vale a pena o esforço.

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Colaborador da Novae, editor do site Arte & Política e colunista político do VoteBrasil