Nas profundezas das rochas sob as montanhas da Sierra Diablo, no Texas, Jeff Bezos está construindo um relógio de US$ 42 milhões. Com uma altura de 61 metros, ele soará uma sequência diferente de tons a cada dia durante 10 mil anos. Um ponteiro de séculos avançará uma posição a cada 100 anos e um cuco saudará cada milênio.
É, diz o fundador da Amazon: “um símbolo, um ícone do pensamento de longo prazo”. Após meses de análise, Bezos anunciou nesta semana um investimento de US$ 250 milhões que muitos acharam ainda mais excêntrico: ele comprou um jornal.
Sua aquisição do “The Washington Post” provocou um pandemônio entre os jornalistas dedicados a decodificar o simbolismo. O pioneiro do e-commerce é sem dúvida o empresário de internet mais bem sucedido nos EUA, com uma fortuna de US$ 26 bilhões. O que poderia o inventor do Kindle ver numa empresa que depende pesadamente de impressão em papel, tendo em vista sua queda de receitas, pessoal e influência?
É uma medida do autoquestionamento do setor que novos operadores sejam recebidos com suspeita e esperança. Qual é a agenda de Bezos, perguntaram os repórteres ao checar suas doações políticas, e indagaram se ele iria usar o “Post” para fazer lobby em defesa de menores impostos sobre vendas na internet.
Outros saudaram-no como um messias digital. Bob Woodward e Carl Bernstein, estrelas grisalhas das investigações de Watergate pelo Post, falaram de um renascimento da reportagem. “Suponha que alguém chegue e diga, vamos dobrar, vamos triplicar, vamos hiperinvestir”, disse Woodward animadamente.
Paparicando leitores
Tanto os temores como as esperanças são provavelmente exagerados. Bezos repetiu Eugene Meyer, que comprou o Post em 1933, ao dizer que o dever do jornal era o compromentimento com os leitores e não com seu dono. Bezos insistiu em que não tem respostas mágicas para os problemas digitais do setor.
Meyer é lembrado como fundador benevolente de uma grande dinastia. Sua filha, Katharine Graham, defendeu o “Post” durante a crise de Watergate; seu neto, Don Graham, preside a The Washington Post Company, e Bezos diz que vai manter Katharine Weymouth, da quarta geração de publishers.
Mas Meyer, um multimilionário em Wall Street quando comprou o falido “Post” durante a Grande Depressão, tinha sua própria agenda. Sua mulher escreveu que o jornal iria proporcionar “uma grande oportunidade para E(ugene) ser uma influência dominante neste período formativo da nova América”.
Os jornais hoje mancham reputações mais do que as lustram, basta perguntar a Sam Zell ou a Brian Tierney sobre o “Chicago Tribune” ou “The Philadelphia Inquirer” e seu caminho da aquisição à falência. Ao pedir a outros que assumam os problemas, os Graham estão seguindo as lendárias famílias jornalísticas, como os Chandler, os Pulitzers e os Knight.
Poucas famílias proprietárias de jornais permanecem no comando: os herdeiros de William Randolph Hearst são protegidos por terem uma companhia de capital fechado e por uma diversificação razoável em empresas como a ESPN, ao passo que os Sulzberger, protegidos por ações com direto especial de voto no “The New York Times”, venderam mais “prata da família” neste fim de semana. Os US$ 70 milhões que receberam pelo “Boston Globe” foi US$ 40 milhões a menos do que seus compromissos assumidos em relação ao pagamento de pensões.
Aqueles que saíram antes – os Thomson, que venderam “The Times” para Rupert Murdoch, ou os Bancroft, que recebeu US$ 5,7 bilhões de Murdoch pela Dow Jones – agora parecem gestores mais espertos das fortunas de suas famílias. Murdoch, porém, continua buscando adquirir jornais, e uma nova geração de empresários está fazendo o mesmo que ele.
Alguns têm interesses locais, como John Henry, dono do Red Sox que comprou “The Boston Globe”. Alguns têm motivações políticas – como os Koch, os conservadores irmãos bilionários de olho no “ Los Angeles Times “. Outros talvez desejam o prazer e a fama que os jornais ainda proporcionam. (Bezos, que não gosta de conversar com a imprensa, não é conhecido por um ego desmesurado, mas poucas outras aquisições da ordem US$ 250 milhões chegam à primeira página do “Post” complementadas por cinco páginas internas).
Warren Buffett, que investiu na The Washington Post Company em 1973, quando seu valor de mercado era de US$ 80 milhões, foi o recente comprador de ações mais entusiástico. Os lucros da Berkshire Hathaway proveniente de jornais quase certamente diminuiriam, disse ele bem-humorado a investidores, mas assegurou que os investimentos seriam rentáveis. Suas aquisições no fundo do poço aconteceram a preços tão favoráveis que ele praticamente não tem como sair perdendo. (Note, porém, que ele não superou a proposta de Bezos na compra do “Post”, cujas ações tiveram seus preços fixados em supreendentes 17 vezes o lucro).
Alguns, na contramão da opinião majoritária, ousaram testar novas ideias para tornar as notícias lucrativas. Aaron Kushner, no “The Orange County Register”, está contratando 350 funcionários extras, engordando as edições impressas em 70% e transformando os leitores que contrataram assinaturas em “associados”, com mordomias, como ingressos para os jogos de beisebol do Anaheim Angels.
Foco prioritário
Descobrir um novo modelo de negócio não será fácil, mesmo para Bezos, mas as receitas digitais dos Kindle e de outros aparelhos já estão crescendo e, com a paciência, recursos e a vontade de experimentação de Bezos, a missão não parece impossível.
O que deve fazer Bezos parar para pensar é o fato de que a nostalgia manifestada nesta semana não foi devida às quedas nas margens do “Post”, mas em relação às décadas de glórias editoriais do jornal. Após anos de complacência e contenção, renovar a ambição de publicar reportagens corajosas que no passado fizeram do “Post” uma leitura obrigatória e levantar o moral contagioso de uma equipe editorial vencedora será o maior desafio do recém-chegado. “Tudo começa com a esperança”, diz Kushner”.
Em 10 milênios, os Graham e os Bezos poderão, ambos, ser esquecidos. Mas se o novo proprietário do “Post” deseja em 80 anos inspirar os sentimentos que Meyer e seus herdeiros inspiraram esse é o lugar onde ele deveria concentrar sua atenção. Mesmo em um relógio de 10 mil anos, o tempo se esgota.
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Andrew Edgecliffe-Johnson é editor de mídia do Financial Times