Nestes dias entre feriados, os principais jornais de circulação nacional chegam esquálidos aos seus leitores, recheados apenas com a minguada cota de textos e imagens suficientes para completar os cadernos regulamentares. Há poucos anúncios, alguns dos principais colunistas aproveitam para tirar férias e as corriqueiras tempestades de verão, que costumam apanhar milhares de turistas nas estradas, preenchem o espaço das páginas de papel e o tempo dos meios eletrônicos.
No noticiário político, a falta de acontecimentos interessantes faz aumentar ainda mais a já elevada taxa de declarações, mas neste início de verão nem mesmo a troca de ministros é capaz de produzir animação. A imprensa apenas encaminha especulações ou registra nomes cogitados ou confirmados, sem avançar em análises sobre o perfil do futuro governo.
Por baixo dessa modorra geral pode-se observar que a capacidade de criar uma agenda coletiva, principal trunfo que transformou o jornalismo em atividade básica da modernidade, está murchando junto com a relevância dos meios tradicionais.
Observando os jornais deste período entre o Natal e o Ano Novo, pode-se ter uma ideia de como está mudando o papel da imprensa, e não apenas a imprensa de papel. Há sinais em profusão de que a mídia tradicional perde influência sobre a sociedade e que só mantém a capacidade de pressão sobre as instituições porque elas estão tomadas por indivíduos incapazes de reconhecer a nova circunstância que favorece uma relação mais dinâmica entre a sociedade e seus representantes.
Veja-se, por exemplo, o movimento iniciado pelo economista Roberto Giannetti da Fonseca, que foi durante dez anos, até 2013, diretor de Relações Internacionais da Fiesp, contra as manobras que permitem ao atual presidente da entidade, Paulo Skaf, manter-se indefinidamente no comando da federação das indústrias paulistas.
Em artigo publicado na edição de terça-feira (23/12) da Folha de S.Paulo, Giannetti criticava a passividade dos dirigentes de sindicatos da indústria, que aceitaram uma mudança nos estatutos, que permitirá a Skaf continuar usando a entidade para alimentar seu projeto político (ver aqui).
Boneco de ventríloquo
No entanto, o que ele chama de “golpe na Fiesp” ganhou apenas uma curta repercussão no outro jornal paulista de circulação nacional, O Estado de S.Paulo, e mais nada. Nenhuma reportagem adicional, nenhuma pesquisa entre empresários, nem um estudo sobre a passividade bovina da outrora pujante indústria que foi um dia a locomotiva da economia nacional. Principalmente, chama atenção o fato de que nenhuma voz se levantou entre os representantes do setor para referendar ou desafiar a acusação do economista.
Em outro campo do noticiário, onde se publicam e analisam os nomes que virão a compor o futuro ministério, a ênfase da imprensa se limita ao ajuste de interesses entre as chamadas tendências do Partido dos Trabalhadores e as agremiações que fazem parte da aliança que venceu a eleição de outubro.
Aqui e ali podem-se anotar reparos à conveniência de dar ao governador do Ceará, Cid Gomes, o Ministério da Educação, ou de deslocar o ministro de Esportes, Aldo Rebelo, para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Exceto por algumas citações em blogs especializados, nada se lê na mídia tradicional sobre planos estratégicos ou definição de políticas públicas para esses dois setores fundamentais da estrutura do Estado.
Há oportunidade, por exemplo, para relacionar as dificuldades da indústria, cuja importância na economia nacional encolhe ano a ano, e o uso político da Fiesp, à nomeação de um parlamentar comunista para o ministério que mais afeta o setor. Ainda que seja discutível considerar que Aldo Rebelo não tem perfil para o cargo por causa de sua orientação ideológica, o que surpreende é que sua indicação não causa estranheza a uma imprensa habituada a fazer muito barulho por nada.
O futuro ministro certamente tem ideias para o novo papel que lhe será dado, mas em vez de instigá-lo a dizer que ideias tem, principalmente para estimular nossa anêmica capacidade de inovação, os jornais preferem fazer especulações fora de contexto, aqui e ali. É como se a imprensa tivesse encarnado o boneco de ventríloquo que estrela a propaganda do jornal O Estado de S.Paulo, e que vive repetindo: “Se eu tivesse um cérebro…”
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