Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O Globo levanta o véu

Uma boa reportagem gera subprodutos que às vezes ficam pairando em torno das pautas do dia a dia e podem ser desdobrados a qualquer momento. É o caso da matéria “O dono de Angola”, de Chico Otávio e Aloy Jupiara. Mereceu duas páginas do Globo num domingo (18/12) e outra no dia seguinte. Traça o sucesso empresarial de Valdomiro Minoru Dondo, hoje um dos dez mais importantes empresários de Angola, onde tem como sócios altas autoridades.

Eis algumas – entre muitas – informações sugestivas, seguidas ou não de comentários.

1. “Minoru é também o terceiro maior acionista do BNI, banco que tem na composição societária novamente o ex-ministro José Pedro de Morais, o ex-chefe de Estado-Maior e general do Exército João de Matos e o presidente da Assembleia Nacional, Paulo Kassoma, representado pela filha, Kanda. Há oito anos, José Pedro de Morais e o ex-governador do Banco Nacional (o Banco Central daquele país) Amadeu de Jesus Castelhano Maurício (demitido em 2009) foram favorecidos com 21 remessas do Trade Link Bank (uma offshore nas Ilhas Cayman), procedentes do Brasil, no valor total de US$ 2,7 milhões. Pelos extratos bancários obtidos com a quebra do sigilo bancário da Trade Link nos Estados Unidos, durante as investigações sobre o valerioduto, a offshore fez 20 remessas no valor aproximado de US$ 2,6 milhões para contas de Morais entre 2003 e 2005. As remessas variaram de US$ 76 mil a US$ 360 mil”.

Uma investigação (valerioduto) pode tangenciar outra (Minoru e ministros angolanos).

2. Um retrato de “uma nova elite econômica da África. Gente como os Dondo, que souberam fazer fortuna ao sabor do milagre angolano alavancado pelo petróleo (salto de 0,1% do PIB nos anos 1990 para uma previsão de 10,5% em 2012)”.

Os poderosos da África descolonizada; a “maldição do petróleo”; quem mais no Brasil tem negócios em Angola?

3. “Ao descrever o que faz, Minoru Dondo disse […] que promove anualmente o ‘Dia da Amizade’, espécie de ‘Brazilian Day’, em parceria com a Rede Globo”.

Repórteres não precisam ser mais realistas do que o rei, podem mencionar parcerias do próprio grupo onde trabalham com alvo de denúncias.

4. “Além do mundo empresarial, o sobrenome Minoru circula no meio das escolas de samba do Rio – dominado pela cúpula do bicho e dos caça-níqueis. É como mecenas que Valdomiro Minoru e sua filha, Daniela, são vistos por quem os conhece nos bastidores do samba”.

   Sem comentários.

5. “Embora no mundo do samba prevaleça a ideia de que a Unidos da Tijuca não mantém relação com os barões do jogo do bicho, o sigilo das contas da escola de samba está quebrado por determinação da Justiça Federal. A medida é um dos desdobramentos da Operação Furacão, que revelou em 2007 as ligações dos bicheiros com autoridades do Poder Judiciário”.

   Sem comentários.

6. “Com mais de 20 empresas em Angola, cinco no Brasil (no ramo de importação e exportação) e residências no Rio, Luanda e Miami, Minoru não gosta de perder tempo em aeroportos. Com cidadania angolana, não precisa de visto em Luanda. É amigo do presidente José Eduardo dos Santos e oferece apartamentos para reuniões ministeriais. No Rio, amizades na Polícia Federal e no mundo do samba lhe garantem regalias e discreta notoriedade. Ao desembarcar, não entra em fila”.

Quem é José Eduardo dos Santos, sucessor de Agostinho Neto, herói da independência de Angola e presidente entre 1975 e 1979?

A quantas andam as necessárias investigações da Polícia Federal sobre as denúncias que dizem respeito a integrantes da corporação (várias outras são mencionadas no texto)?

Quem mais tem regalias em aeroportos brasileiros sem ser autoridade?

7. “O escândalo mais recente, divulgado pelos meios de comunicação independentes, atingiu a Midras, unidade do grupo VMD (a holding de Minoru) para a área de medicamentos”.

  O que é a mídia independente em Angola?

8. “Investigações da Polícia Federal, iniciadas em 2004 com base em relatório do Banco Central, revelaram que a empresa DS & HA Logística, Importadora e Exportadora, da qual Minoru fora sócio, captava empréstimo no BNDES, a juros subsidiados, para atender a encomendas feitas pelo governo angolano. Parte deste dinheiro, contudo, seria desviada para contas em paraísos fiscais, com a provável conivência das autoridades angolanas.

“O relatório sigiloso do Banco Central, de 2004, apontou indícios de superfaturamento e lavagem de dinheiro em operações da DS & HA, do Banco Rural e dos ministérios da Saúde e dos Transportes de Angola. De acordo com as investigações, o BNDES financiou com juros subsidiados R$ 18,7 milhões dos R$ 42,8 milhões amealhados pela empresa com as exportações para Angola entre 2001 e início de 2004. As transações entre Banco Rural, DS & HA e os ministérios da Saúde e dos Transportes angolanos estão sendo investigadas pelo Ministério Público Federal.”

As investigações do STF sobre o mensalão vão partir do momento em que Roberto Jefferson denuncia o esquema (2005) ou vão retroagir até a época da montagem do circuito, que, como se sabe, envolveu o Banco Rural? Notar que a primeira denúncia não foi a de Roberto Jefferson, mas a do jornalista Carlos Chagas na Tribuna da Imprensa(fevereiro de 2004), seguida pela do deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ) ao Jornal do Brasil(outubro de 2004).