Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Lugar de repórter é na rua

Quem trabalha em qualquer tipo de mídia engana-se ao pensar ser a redação o lugar ideal para receber informações. A notícia está na rua. Um passo a mais de onde nos encontramos, seja em casa ou na redação. Esse recurso de valorizar o telefone, blogs, jornais online, em síntese, a internet no lugar do contato pessoal, da entrevista, da anotação e observações diretas de certos detalhes, é um equívoco.

A notícia está na rua. Nada substitui o que se possa saber lá fora. Para se conseguir aquilo que espera o público, causa primeira de quem pratica jornalismo, não há ciência. O que se exige é experiência, intuição, curiosidade, interesse e disposição de cair em campo. É só atravessarmos a rua que do outro lado pode estar o que desejamos: uma boa fonte de informação. Comodismo e falta de disciplina não levam a nada. O repórter deve ter um treinamento em que se exija dele o máximo, entregue nas mãos de um jornalista experiente. E, isto, para chegar à essência da notícia.

Essas surradas e indesculpáveis justificativas quanto à falta de informação são desinteresse pelos fatos desprezo pelos acontecimentos.

A reportagem é a grande escola do jornalismo. É através do seu aprendizado que nascem os bons cronistas, articulistas e editorialistas. São raríssimos os casos daqueles que conseguem sucesso no comentário sem passar pela redação. Hoje há quem começa por onde se terminava. Uma inversão que nem sempre dá certo. Aprendia-se, progressivamente, passando pelas seguintes atividades: foca, revisor, reportagem, redator, secretário, editor, até a autonomia e competência para se chegar a vôos mais altos, como cronista ou outro tipo de matéria assinada.

Profissão de risco

O repórter é um profissional da maior importância na redação. É ele quem faz o jornal chegar ao público de massa. Lamentamos que hoje não tenhamos a grande reportagem e, conclusivamente, o grande repórter. Mas já tivemos… Nonato Masson trabalhando numa província foi um grande repórter. Deu um furo internacional, sobre a passagem de Perón por São Luís, entrevistando-o. Mudou-se para o Jornal do Brasil. Experiente, mandaram-no para o exterior e cobriu a Copa do Mundo. O senador José Sarney foi repórter de polícia, hoje é escritor e cronista do JB. O outro José, o Louzeiro, também saiu do seu estado, o Maranhão, perseguido por motivos políticos, e como repórter continuou na função no Rio. Destacou-se no setor policial. Transformou-se num autor de livros de sucesso, que viraram filmes. Lago Burnett, depois de passagem pela reportagem, incorporou-se à equipe de copidesques e editorialistas do JB. Ferreira Gullar e Odylo Costa, filho, poetas, inovadores e bons de texto. Gullar, em 2007, ganhou o Prêmio Jabuti pelo seu livro de crônicas, Resmungos. E assim, muitos outros por este Brasil afora.

O bom repórter tem intuição, persistência, coragem e senso de oportunidade. Passa 24 horas pensando no furo, onde e como encontrar a notícia, sem medo de buscá-la. Eis o caso de Tim Lopes, Rio de Janeiro, da TV Globo. Morreu em situação de risco, ao denunciar a exploração sexual de menores em bailes promovidos por bandidos nos morros, onde rolava muito tóxico. Aconselhou certa vez Assis Chateaubriand ao repórter Joel Silveira (1918-2007), que partia para cobrir a Segunda Guerra Mundial: ‘Volte vivo que repórter não é para morrer’. Eis uma profissão de risco. Só em 2006, segundo o Instituto da Imprensa Internacional foram assassinados no mundo cerca de 70 jornalistas.

Do outro lado da rua

O bom repórter é aquele que mais ouve do que fala. Guarda a sete chaves as fontes de informação. Neste particular, a lei o protege. Tem responsabilidade e não se deixa enganar. Checa os fatos e não faz condescendência. São tais detalhes que lhe facilitam o êxito em missões delicadas. É o repórter quem abre caminho à polícia, ao Ministério Público, à magistratura e ao parlamento, ao detectar casos delituosos.

A reportagem de denúncia incomoda o poder, que reage com ameaças de criação de dispositivos autoritários. Iguais aos existentes na Venezuela e Cuba. Não adianta. Em outros tempos, tivemos grandes oradores, grandes panfletários, grandes articulistas e editorialistas, capazes de derrubar ministros, secretários de Estado e governos.

Hoje, esse papel cabe à reportagem. É assim que deve caminhar o jornalismo do século 21. Cabe a cada um cumprir a missão. Sem se esquecer que a notícia está do outro lado da rua. É lá que se sabe quem nasceu e morreu, quem roubou e deixou de roubar, quem é ‘Ali Babá’ e onde se encontram os quarentas ladrões do Congresso Nacional, quem corrompeu e foi corrompido, quem deu e recebeu. Lugar de repórter é na rua e de bandido na cadeia.

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Jornalista