Quanto tempo ainda durarão os jornais diários em papel? Pode-se dizer, sem exagero, que hoje os jornalistas se dividem entre os que apostam na perenidade do jornal em versão de papel e os que prevêem seu total desaparecimento.
No mundo inteiro os interessados especulam sobre o fim da imprensa escrita diária, seja em seminários universitários, em artigos de jornais (ainda em papel) ou em encontros de profissionais da imprensa. Não são poucos os que predizem para breve o fim da imprensa no suporte tradicional. Segundo esses profetas, num futuro próximo restará apenas a versão online dos atuais cotidianos.
Arnaud Lagardère é um deles. Em entrevista ao semanário Journal du Dimanche (17/9), o riquíssimo industrial francês sustentou que a imprensa diária tem dez anos diante de si. Mais uma década e os atuais jornais impressos desaparecerão. A tinta e a textura do papel ficarão para publicações mais sofisticadas, de periodicidade semanal ou mensal, como as da imprensa feminina, de decoração ou automobilística.
Mas o que confere a Arnaud Lagardère autoridade para opinar sobre o assunto? A experiência de quem é dono de um império de comunicação, o grupo Hachette Filipacchi Médias (HFM), o maior editor de revistas do mundo, com 260 títulos (entre eles Paris Match e Elle), além do próprio Journal du Dimanche (262 mil exemplares) que, como o nome diz, circula apenas no domingo em todo o território francês. Last but not least, Lagardère é acionista do jornal Le Monde e da empresa que fabrica os aviões Airbus, além de artefatos de guerra.
Novo suporte
Perfeitamente adaptado às novas tecnologias, o herdeiro de Jean-Luc Lagardère lê todas as manhãs os jornais… na tela de seu computador. E não tem nenhuma dúvida de que a tecnologia digital vai dominar o futuro da informação, já que os custos de produção da mídia em papel se tornarão insustentáveis. “O fututo é a desmaterialização do suporte tradicional como no cinema, onde a película já cede lugar progressivamente ao digital”, garante Lagardère.
O presente, segundo Arnaud Lagardère, tem na revista Mood uma história exemplar. Mood era uma revista de psicologia dirigida a um público adolescente, criada recentemente por Jean-Louis Servan-Schreiber, associado a Lagardère. Baseada no sucesso da revista Psychologies de Servan-Schreiber, Mood foi lançada em papel nas bancas mas não decolou e teve sua publicação interrompida. O site, em compensação, é um enorme sucesso e continua de vento em popa. Ela vem somar-se aos veículos exclusivamente online, sem versão papel.
A web, essa nova forma de fazer jornalismo, segmentado ou de informação geral como os diários, é, segundo Lagardère, o suporte do futuro.
Doações para salvar o Libération
Na segunda-feira (25/9), o Libération informou seus leitores de que criara a Société des lecteurs de Libération com o objetivo de “reunir pessoas na defesa da independência editorial de Libération, isto é, do diário Libération e do site internet liberation.fr, e para contribuírem para seu desenvolvimento”.
Esta sociedade poderá vir a fazer parte no capital da sociedade que edita o jornal, juntamente com os assalariados que já estão reunidos na Société civile des personnels de Libération, o segundo maior acionista do título. Para tornar-se membro da sociedade de leitores, a cotização mínima é de 15 euros. Para pessoas jurídicas, o montante é de 100 euros. A partir de uma doação de 150 euros, a pessoa torna-se membro-doador – uma categoria especial de integrante dessa nova sociedade.
Numa atitude franca e inédita, o jornal Libération publicara, em 14 de setembro, um texto de duas páginas endereçado a seus leitores e intitulado “Uma página difícil na história de Libération”. No antetítulo, o jornal não escondeu a gravidade da situação: “Explicações sobre uma situação interna inédita e uma crise financeira sem precedente”. O tom do texto é dramático, em consonância com o momento mais difícil que o jornal já viveu. Ao mesmo tempo é uma constatação e um pedido de socorro. O leitor é chamado a se manifestar: “Precisamos saber que não somos os únicos a lamentar esse desaparecimento lento, silencioso, de uma imprensa livre e independente”.
O texto – assinado pelos representantes eleitos da Société Civile des Personnels de Libération, pelos representantes eleitos dos redatores e pela direção da redação – traça um histórico dos últimos acontecimentos que marcaram a vida do jornal: a entrada de Edouard de Rothschild, em abril de 2005, como maior acionista e a saída do fundador e diretor do jornal, Serge July, imposta este ano pelo magnata depois de ver o Libé fechar o ano de 2005 com perdas acumuladas de 15 milhões de euros.
A análise é a que se conhece: os jornais gratuitos e a internet lançaram os cotidianos impressos numa crise nunca vista. Os gratuitos roubaram receitas publicitárias dos jornais pagos e a alta do custo do papel só fez agravar o quadro.
Mas a história da decadência dos jornais é progressiva e já vem de muito antes. Em 1946, havia 28 jornais diários na França, que vendiam mais de 6 milhões de exemplares. Hoje eles são apenas 11 e o total das vendas diárias não passa de 2 milhões de exemplares.
O maior desafio
Segundo o texto do Libé, a crise é mundial mas é mais aguda na França, onde os custos de fabricação, de impressão, de transporte e de distribuição são mais elevados. Para piorar o quadro, 400 bancas de jornal foram fechadas pois o negócio deixou de ser lucrativo para pequenos empresários.
Apesar de se inscrever dentro de uma crise maior, a situação de Libération é mais aguda que a dos outros diários franceses. Simplesmente porque o jornal – que começou a circular em 1973 lançando uma subscrição para o financiamento de “um órgão diário inteiramente livre” – é um dos poucos que não fazem parte de um grande grupo industrial.
******
Jornalista