Este confronto entre o presidente Lula e a imprensa é artificial, não somos a Venezuela nem a Argentina. Este confronto é na realidade um confrontóide, parafraseando a semelhança fato-factóide.
Na sexta-feira (24/9) em Porto Alegre, ao lado da sua candidata, o presidente pregou o exercício da humildade para lidar com o noticiário que desagrada. Foi taxativo:
‘Quando a matéria dos jornais sai falando mal da gente, ninguém gosta. Quando fala bem, o ego cresce. Precisamos de humildade para nem ficar com muito ego quando se fala bem nem ficar com muita raiva quando se fala mal.’
A mudança de tom foi devidamente registrada pela Folha de S.Paulo e pelo Estadão, no sábado com razoável destaque. Mas no dia seguinte, domingo (16), a Folha publicou um raro editorial na primeira página com uma violenta contestação ao presidente pelos ataques contra a imprensa.
Ora, se no dia anterior Lula levanta a bandeira da humildade e sugere uma pacificação, por que insistir no clima de guerra? Aqueles que tomaram a decisão de soltar o petardo não leram a notícia por eles publicada sobre a mudança no ânimo do adversário?
Fora do expediente
Uma imprensa incapaz de perceber as sutilezas da política está evidentemente tão radicalizada e delirante quanto aqueles que denuncia. Na verdade, este pseudo-embate, confrontóide, está sendo agravado porque a mídia abriu mão de seus atributos e resolveu juntar-se ao presidente num palanque no qual nenhum dos dois deveria freqüentar.
O presidente Lula comete um erro quando se compara à imprensa – como o fez indiretamente na entrevista ao portal Terra, divulgada na quinta-feira (23/9). Se jornais e revistas não podem exercer o papel de fiscalizadores e críticos do governo – como alega – ele, presidente, não deveria funcionar como cabo eleitoral ostensivo, em tempo integral.
O próprio Lula havia prometido há poucas semanas que só faria campanha depois do expediente e nos fins de semana, quando não tem compromissos oficiais. A Presidência da República é cargo full-time, a promessa é capciosa, e além disso, não está sendo cumprida.
Exaltação generalizada
O eleitor que reside além dos limites do estado de S. Paulo não tem condições de ouvir no seu horário eleitoral um autêntico jingle radiofônico protagonizado pelo presidente e seus dois candidatos ao Senado. Não interessa se este tipo de atuação do chefe da nação é legal ou não, o que interessa é que este engajamento escancarado fere os protocolos, ritos e símbolos de uma democracia.
Tão enfezada como os seus detratores, a imprensa não sabe identificar tais transgressões e advertir a Justiça Eleitoral. Prefere aderir à exaltação generalizada. Esquece o seu poder irradiador.
Com um pouco mais de jornalismo e menos panfletagem, o presidente seria obrigado a ser mais presidente.
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Frases
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Sobre a imprensa, o presidente Lula disse o seguinte na entrevista ao portal Terra (segundo a Folha de S.Paulo, sexta, 24/9, ‘Especial Eleições’, pág. 4):‘A imprensa brasileira deveria assumir categoricamente que ela tem um candidato e tem um partido. Seria mais simples, mais fácil. O que não dá é para as pessoas ficarem vendendo uma neutralidade disfarçada.’
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Sobre a sua função de magistrado, disse na mesma entrevista ao Terra (segundo o Estado de S.Paulo, sexta, 24/9, pág. A-12):‘Não é possível o presidente da República agir como magistrado.Tenho lado. Tenho um partido e tenho candidato.’
Questionado se não tem interferido no processo eleitoral ao adotar tal comportamento [de cabo eleitoral], disse:
‘Deveria ser cobrado quem perdeu. Quem não conseguiu fazer o sucessor porque [fazer] o sucessor é uma das prioridades de qualquer governo para continuidade a um programa no qual você acredita.’
Algo de muito sério está acontecendo nesta campanha eleitoral: não se lêem os textos, apenas os títulos.
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Íntegra
Veja a íntegra da entrevista do presidente Lula ao portal Terra, em três blocos.