O escritor britânico Chesterton dizia que ‘a pressa tem a desvantagem de nos fazer perder demasiado tempo’. Desde as últimas décadas do século 20 tomamos conhecimento do Movimento Devagar (Slow Movement). Os princípios eram em direção a um ritmo menos acelerado da vida: não à comida preparada em minutos (McDonald, China-in-box e centenas de outras mais), não ao tempo desperdiçado em várias coisas a um só tempo (dirige/atende celular, assiste televisão/escuta mp3, faz esteira/escuta áudio-livro), não ao turismo ‘se é quinta-feira então estamos em Haifa, mas se estamos em Jerusalém é porque hoje é sábado’.
O movimento não é contra as modernidades nem o progresso. O movimento é a favor de uma maior qualidade de vida, de uma vida em harmonia com o meio ambiente e em que as horas são mais valorizadas que os minutos e estes que os segundos. Como entender este conceito num mundo em que tudo parece ter que ser feito mais rápido que imediatamente?
Porque, de repente, rápido passou a ser sinônimo de eficiência, de ser melhor, de passar para os outros a imagem que somos muito mais espertos do que realmente somos. Fazemos compras em supermercado correndo feito loucos pelas gôndolas e em poucos minutos somos que atraídos para a fila do caixa que, ao chegar nossa vez, parece que já somos empurrados por outro cliente em nossa cola e, quando atentamos, estamos literalmente no meio-fio, cheios de compras em busca do carro. E às vezes ainda nem pagamos e já temos o cliente seguinte em cima de nós. Tudo é apressado, tudo é acelerado e como o dia tem o número de horas prefixado há muito tempo o jeito é ir enfiando cada vez maior número de coisas para se fazer entre o amanhecer e a noite.
Luz amarela
Apostei nesse movimento ainda em 1994. Lembro que fazia cada coisa dentro do tempo certo e aos poucos deixei de, ao sair de casa, anotar antes as coisas que iria… esquecer! A verdade é que continuamos impelidos a levar a vida no ritmo próprio de quem tem apenas mais 24 horas de vida e então trocentas coisas têm de ser realizadas no limite do tempo que se esvai; e, finalmente, desperdiçamos cada instante mais pela ansiedade do que deixa de ser feito que fruindo do que está em execução. E é assim que a vida avança para a terceira dimensão fazendo desta uma espécie de filme em 3D.
Êpa, tenho que voltar ao assunto porque até agora nenhuma linha atende aos nossos exigentes leitores do Observatório da Imprensa. Está faltando responder onde está a crítica da mídia. Vamos lá. Tenho observado que em meio à crise que enferma nosso jornalismo impresso, feito com papel e tinta, se firma a sensação de que essa espécie de vazio de ‘suporte físico’ é preenchido crescentemente pela internet. Nossos jornais e revistas, nossas emissoras de tevê e de rádio, todas elas, têm seu domínio virtual bem demarcado. Os profissionais de um e de outro parecem interagir ao longo do dia.
O que me faz acender a luz amarela é a percepção de que as notícias que leio na internet são sempre pela metade, como se esta última frase pudesse ser lida – e entendida – assim: ‘O que me faz a luz a é a per que as no na in são sem pe me’. Resumindo: tudo pela metade, tudo truncado, tudo esperto demais de forma que deixar de entender o que está escrito parece ser normal, muito normal.
Décimos de segundo
Ler mais devagar para entender melhor. Estas palavras deveriam fazer parte de qualquer campanha para atrair novos leitores, seja de livros, seja de jornais. O tempo da tal leitura dinâmica pode até ter servido em algumas situações, mas aquilo que fica mesmo é o que conseguimos reter, uma vez entendido o pensamento de seu autor.
Em algum lugar do planeta há que se criar um Movimento Leia e Entenda Sem Pressa (MLESP). Do contrário temos o que temos: reportagens, além de mal escritas, ininteligíveis, fracionadas, segmentadas, deformadas, amputadas. Algumas vezes a notícia inteira que lemos no computador está exposta nas cinco ou sete palavras da manchete. E o corpo da matéria? Burocraticamente informa que ‘acesso permitido apenas aos assinantes’ ou a repetição da manchete de forma mais esparramada, se é que me entendem…
A internet começa a passar por seu teste de fogo – cadê a notícia bem apurada? O advento da internet por si só não teve – e nem terá – a força de obliterar o conceito básico de que uma matéria jornalística para se por de pé tem de responder ao menos cinco dessas questõezinhas: o que?, quem?, quando?, como?, onde?, quanto? e por que?
O resultado é mais ou menos este: somos informados de muitas coisas, mas não as entendemos por completo e nem sabemos como reproduzir o que lemos alguns minutos depois. O jornalismo continuará exigindo trabalho, esforço, dedicação e, se possível e não for pedir muito, talento. Observo também que ao invés de os ciberjornalistas se espelharem em seus colegas do ‘mundo real’, o que acontece é exatamente o contrário: os jornais impressos abrem cada vez mais espaço para dar notícias no estilo apressado de seu similar virtual.
Isto não quer dizer que a totalidade do noticiário existente na internet sofre desses males, mas que são influenciados por estes, são! O que facilita a assimetria é a facilidade de o noticiário virtual ser apagado em fração de segundos, de uma notícia ser ‘aumentada’ no mesmo décimo de segundo, enquanto as que usam papel como suporte trazem consigo o sentimento de permanência: do jeito que foi impresso, fica. Alterações serão possíveis apenas em sua próxima edição diária ou semanal.
Futuros leitores
Isto porque complicamos o simples. E esquecemos que o simples nada mais é que um equilíbrio entre o rápido e o lento. Simples é deixarmo-nos parar, permitir-nos sentir o nosso próprio ritmo, e não o ritmo que a sociedade nos impõe. Ler é algo simples para quem sabe ler. Óbvio, claro cristalino. Mas ler exige tempo e esforço e não é aconselhável ler texto com vinte ou trinta linhas pulando cinco a cada três lidas.
Se o espaço é cada vez mais diminuto ou escasso – seja no noticiário impresso ou no televisivo, por exemplo – há que se dar preferência ao ‘mais importante’ em relação ao que é apenas ‘importante’. E fugir da corrida alucinada por notícias pouco apuradas, sem ouvir os dois ou cinco lados antes de ser publicada. Assim como sabemos do necessário alinhamento dos planetas em nosso sistema solar precisamos lutar para que haja um seguro alinhamento de ideias sempre que um jornalista ou um internauta se planta ante um terminal de computador e se dispõe a contar uma história. Ideias interrompidas, longe de cativar o leitor, o afasta. E depois, como aprendi em Nova Déli, quem não entende um olhar está longe de entender uma explicação.
Até para aprender há que haver tempo e a pressa, além de antipedagógica, é de todo inútil. As crianças (e por que não os jovens e os adultos?) necessitam ser incentivadas a relaxar para ordenar de maneira estável e criativa as suas idéias. Sou favorável a um ensino mais lento, pausado, baseado em aprender a pensar e a estabelecer conexões, pois acredito com convicção genuína que isso acarreta resultados mais positivos do que devorar informação para logo despejá-la em uma prova. E são essas crianças de hoje os leitores de jornais e revistas de poucos anos mais a frente, os telespectadores e os ouvintes de rádio. Sem estabelecer as conexões na época certa… Afinal, educar é ensinar a viver.
***
Em tempo: Outra constatação: cada vez aprecio menos o novo formato do autodesignado jornal do futuro, a Folha de S.Paulo. O corpo das fontes aumentou, houve mais espaçamento entre os intertítulos e talvez até os espaço entre linhas aumentou. Se gostei disso? Claro. Quem não gosta de ler palavras, vamos dizer, aumentadas? O que não gostei mesmo foi que o conforto visual existiu em detrimento do conforto intelectual. A Folha de S.Paulo diminuiu o conteúdo de cada abordagem ou estes ficaram com aquele gosto de reclame publicitário, tudo muito rápido, comprimidos em poucos caracteres et cetera e tal. Na falta de outras opções, fiz algo que julgava ser impensável até alguns anos atrás: passei e ler o Estado de São Paulo. Eu que farejava algum aroma de naftalina no jornal dos Mesquita vi que era preconceito juvenil e, como todo preconceito, algo quando não irracional, idiota mesmo. Pois bem, estou gostando do jornalismo ora praticado no Estadão e, excetuando-se seu perfil político-partidário, sou brindado com matérias bem escritas, de gente que sabe sacrificar no que for possível para apresentar um bom jornal diário e que dispensa fazer algo que atente contra a inteligência do leitor.
******
Mestre em Comunicação pela UnB e escritor; criou o blog Cidadão do Mundo; seu twitter