A presença de pessoas negras entre jornalistas no Brasil cresceu de 23% em 2012 para 30% em 2021, num provável reflexo das políticas de ação afirmativa no acesso ao ensino superior. O dado foi aferido pela pesquisa “Perfil dos Jornalistas Brasileiros (2021)”, que contou com a participação de mais de 7 mil profissionais. O estudo constata novamente que jornalistas no Brasil são majoritariamente mulheres (58%), brancas (68%), solteiras (53%), com até 40 anos, um perfil que mudou pouco em relação ao levantamento de nove anos antes. A mudança mais significativa foi o incremento de pessoas negras na profissão, resultante da combinação entre cotas nas universidades, ações por mais diversidade no mercado e autoidentificação impulsionada pelo avanço das lutas antirracistas na sociedade na última década.
A profissão continua majoritariamente feminina, embora a participação de mulheres tenha se reduzido em seis pontos em comparação ao estudo anterior (64%): a presença masculina cresceu de 36% para 42%, revertendo em parte o movimento de feminização da profissão constatado nas pesquisas realizadas pelos Programas de Pós-Graduação em Sociologia e Ciência Política (PPGSP) e em Jornalismo (PPGJOR), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A presença de jovens (30% têm entre 18 a 30 anos, outros 30%, entre 31 e 40 anos) ainda é muito significativa, mas o estudo alcançou maior participação de trabalhadores/as acima dos 41 anos, o que favorece um retrato mais preciso da passagem do tempo na profissão e corrige viés da pesquisa anterior. Têm entre 41 a 50 anos 18% da categoria, mesmo percentual da faixa entre 51 e 64 anos. Mais de 64 anos são 5% dos jornalistas.
O jornalismo paga pouco a profissionais de formação elevada. A renda mensal de 60% dos jornalistas é inferior a R$ 5,5 mil por mês e apenas 12% recebem acima de R$ 11 mil. O dado contrasta com a escolaridade das/os jornalistas brasileiros: 42,3% têm ensino superior completo, outros 28,6% fizeram especialização (pós-graduação lato sensu), além de 14,7% que têm mestrado.
Quando se mapeia a distribuição de jornalistas por tipo de atividade, os dados sugerem uma nova geografia do mercado no país. Para fins do estudo, a categoria foi dividida em três setores:
a) na mídia (imprensa, veículos de comunicação, arranjos alternativos de mídia, mídia independente, startup jornalística e/ou produção de conteúdo jornalístico) – 58% dos respondentes;
b) em docência (formação superior de jornalistas ou outras áreas de conhecimento) – 7,4% dos respondentes; e
c) fora da mídia, em outras atividades que utilizam conhecimento jornalístico (assessoria de imprensa ou comunicação, produtoras de conteúdo para mídias digitais ou outras ações) – 34,9% dos jornalistas.
Essa distribuição indica menor presença de jornalistas atuando fora da mídia (eram 40% no levantamento anterior); isso tanto pode indicar uma redução da autoidentificação profissional com o jornalismo de pessoas que atuam nesse segmento, como sugerir que a crise econômica posterior a 2015 levou à redução no número de organizações desse segmento. Uma terceira possibilidade é que a distinção entre mídia e fora da mídia esteja se diluindo, com maior entrelaçamento de atividades em organizações que antes operavam mais separadamente. Houve um importante crescimento dos “arranjos alternativos e independentes às corporações de mídia hegemônicas” (segundo a pesquisa “Atlas da Notícia, 2020” entre 2019 e 2020 foram criados 1.170 novos veículos digitais de jornalismo), mas eles envolvem cerca de 10% dos profissionais que atuam em mídias.
Precarização do Trabalho e Indicadores de Saúde
Os dados indicam que a precarização do trabalho jornalístico avançou significativamente a partir de vários indicadores. Nos tipos de contratação, caiu o volume de vínculos CLT (de 60%, em 2012, para 45,8% no atual estudo), um provável efeito da reforma trabalhista, e as formas precárias chegam a 24% (frilas, prestação de serviços sem contrato, PJ e MEI).
Outro dado alarmante vem da jornada de trabalho: o percentual de jornalistas com carga diária superior a 8h permanece elevado (42,2%) e 3,2% dos respondentes afirmaram trabalhar mais de 13h/dia. Considerando que 60% dos jornalistas brasileiros têm menos de 40 anos, esta é uma “bomba relógio”, que certamente produzirá efeito futuro sobre a saúde laboral. Aliás, todos os indicadores de saúde confirmam a deterioração das condições de trabalho, que produzem efeitos nocivos sobre jornalistas, em especial o nível de estresse e a disseminação das formas de assédio moral. Destacamos alguns indicadores:
a) 66,2% se sentem estressados/as no trabalho (enquanto 33,8% responderam “não”);
b) 34,1% já foram diagnosticadas/os com estresse (contra 65,9% que responderam negativamente);
c) 20,1% já foram diagnosticados com algum transtorno mental relacionado ao trabalho e outros 31,4% receberam indicação para tomar antidepressivos;
d) cerca de 20% têm diagnóstico de LER/DORT; e, por fim, e) 40% dos profissionais afirmaram já ter sofrido assédio moral e 11%, assédio sexual.
A realização da pesquisa foi do Laboratório de Sociologia do Trabalho (Lastro/UFSC) e da Rede de Estudos sobre Trabalho e Identidade Profissional dos Jornalistas (RETIJ/SBPJor), contando com uma equipe de 17 pesquisadoras e pesquisadores – todas/os voluntárias/os. O plano amostral contempla 3.100 respondentes, representativos de todos os estados da Federação (mais o DF). O estudo teve o apoio institucional de seis entidades do campo jornalístico: Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo (ABEJ), Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), Associação Profissão Jornalista (APJor), Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) – mais de 30 sindicatos filiados – e a Associação Nacional de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJOR). Os dados do Sumário Executivo podem ser acessados aqui.
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Samuel Pantoja Lima e Jacques Mick são professores e pesquisadores do PPGJOR/UFSC.