A encrenca do presidente Lula com a diretoria da mineradora Vale ganhou manchete de capa em três dos maiores jornais – Folha de S.Paulo, Globo e Brasil Econômico – na sexta-feira (16/10). Segundo o Globo, o presidente da empresa, Roger Agnelli, revelou estar assustado com a pressão oficial, ‘Para ele’, registrou o jornal, ‘setores do governo querem tomar conta da Vale’.
A pressão começou há meses, quando a companhia, diante do agravamento da crise internacional, decidiu demitir 1.300 funcionários no Brasil e no exterior, 2,1% de sua mão de obra, e intensificou-se quando foi anunciada, em maio, a redução de investimentos previstos para 2009 – de US$ 14,23 bilhões para US$ 9,03 bilhões.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também havia pressionado a Embraer, quando a empresa cortou 4 mil empregados para se ajustar à redução das encomendas. Não se aventurou a uma cobrança semelhante quando outras grandes indústrias, a começar pelas montadoras de veículos, começaram a dispensar pessoal, no trimestre final do ano passado.
As montadoras demitiram muito mais do que a Embraer e a Vale, mas acabaram ganhando, em vez de bronca, incentivos fiscais para aumentar as vendas. Entre outubro e dezembro do ano passado, 4.900 pessoas foram para a rua. Nos seis meses seguintes, mais 7.300 perderam o emprego, mas a redução do imposto foi mantida. Nenhum jornal mencionou, nos últimos meses, o contraste entre a ajuda prestada ao setor automobilístico e as pressões sobre a Vale e a Embraer.
Talvez por isso ninguém tenha procurado o motivo da diferença. Vale e Embraer são empresas privatizadas. Será essa a explicação?
Jogo complicado
A fabricante de aviões foi finalmente deixada em paz, mas não a mineradora. O noticiário sobre as pressões continuou aparecendo, mas de forma esparsa na maior parte dos jornais. A Folha de S.Paulo manteve uma cobertura mais constante e foi a primeira a noticiar, há meses, manobras no Palácio do Planalto para derrubar o presidente da Vale, Roger Agnelli. Foi a primeira, também, a mencionar a movimentação contra dois diretores nomeados quando os tucanos estavam no poder.
O Globo avançou no assunto, na edição de 16/10, citando informações atribuídas a uma fonte do Bradesco, importante acionista da empresa e responsável pela indicação de Agnelli. Segundo essa fonte, o banco estaria ‘disposto a sacrificar duas das cinco diretorias executivas da companhia a fim de dar uma resposta à insatisfação do governo com o executivo e apaziguar os ânimos’. O Bradesco também teria declarado ao presidente Lula a intenção de não vender suas ações.
O empresário Eike Batista havia sondado o banco e sua investida foi interpretada como parte da manobra do governo para recompor o bloco de controle e assumir o comando da empresa. Eike Batista contribuiu para essa interpretação, repetindo, em entrevistas à Folha e ao Estado de S.Paulo, as críticas de Lula à gestão de Agnelli. Com o destaque dado à sua tentativa pelos jornais, o empresário recuou e anunciou haver abandonado, ‘no momento’, a idéia de comprar uma grande participação na Vale.
Com ou sem intenção, a imprensa acabou mais uma vez interferindo – apenas com a informação – no andamento de um complicado jogo político, um dos mais interessantes dos últimos meses.
Para valer
O Brasil Econômico, recém-chegado, publicou, também no dia 16, cinco páginas sobre o assunto, além de grande chamada na primeira página. Tentou explicar por que o governo tenta interferir nas decisões da Vale e como a empresa poderia contribuir para a redução do preço do aço e do custo dos equipamentos necessários à exploração do pré-sal.
O raciocínio, obviamente baseado nas fontes consultadas, pode ser discutível, mas a matéria ajuda a entender como vem sendo formulada no Planalto uma política industrial vinculada, em grande parte, ao atendimento das novas necessidades da Petrobras.
A manchete sobre a Vale foi a mais forte do Brasil Econômico desde o lançamento do jornal, na semana anterior – sua primeira interferência, para valer, num assunto de grande interesse público. Um sinal animador.
******
Jornalista