Em 2012, segundo dados da Associação Nacional de Jornais (ANJ), havia 727 diários impressos no Brasil.
É razoável? É pouco?
Pouquíssimo: deveríamos ter, no mínimo, o dobro – 1454. Sem contar os digitais, os bissemanais e trissemanais. Com 5.570 municípios, deveríamos alcançar ao menos a média de um veículo jornalístico por município.
O fenômeno da concentração da imprensa não se resume ao número reduzido de grandes empresas de comunicação e à forte tendência para a formação de oligopólios regionais. O mais grave são os vazios, os bolsões de silêncio, as manchas cinza, ocas, espalhadas entre as 727 ilhas do Arquipélago Gutenberg.
Proativo e cobrador
O jornal diário impresso ainda é uma referência básica para efeitos estatísticos, sociais e políticos. Portais digitais, rádios, repetidoras de TV e emissoras comunitárias são importantes fontes de informação, mas cuja identidade, periodicidade, alcance e volume são mais difíceis de ponderar. Pelo menos com os recursos de que dispomos agora.
Quando o megainvestidor Warren Buffet, hoje convertido em guru da imprensa comunitária, afirma que ela é a única efetivamente indispensável, está se referindo ao seu poder de catalisar interesses vitais e oferecer um repertório de notícias essenciais (ver aqui a entrevista de Buffet ao Observatório da Imprensa na TV).
O jornal local é, além disso, um formidável acionador de trocas e de circulação de riqueza. Qualquer que seja o seu modelo estatutário (sociedade não lucrativa ou comercial), o diário comunitário fala com todas as partes daquele universo comum. E cria um tipo de leitor com níveis de exigência muito maiores do que o metropolitano, geralmente mais distraído, sujeito a pressões e interesses diversificados.
O leitor da imprensa local é focado, proativo, cidadão mais consciente, respondente, cobrador. Lidar com ele é mais complicado e mais gratificante. Razão pela qual no currículo de muitas estrelas da grande imprensa americana encontra-se sempre uma temporada de exercícios na pequena imprensa.
O novo poder
A capilaridade do sistema democrático se sobrepõe à capilaridade combinada das audiências da pequena imprensa formando um contingente que, ao menos teoricamente, é mais sólido e menos vulnerável ao caciquismo. Esta a razão pela qual designamos o projeto do Instituto Projor (entidade mantenedora deste Observatório) como a Grande Pequena Imprensa.
Seu primeiro evento público (ver aqui) desvendou um formidável elenco de oportunidades para associações dos jornais locais com ONGs, movimentos sociais, OAB, Ministério Público, universidades, empresas públicas e agências de fomento.
“Small is beautiful” era o slogan algo nostálgico dos anos 1960. Agora, na era dos chips, pode-se dizer “small is powerful”.
Em busca do pluralismo
Comunicação de Alberto Dines ao painel “O papel do jornalismo local – Como estruturar uma operação sustentável” do seminário Grande Pequena Imprensa (São Paulo, 8-9/11/2013)
Imagino que me enquadro na antiga definição sobre jornalistas: especialistas em ideias gerais. A última profissão romântica fez da imprensa uma formidável ferramenta para a transmissão de conhecimentos.
Fomos treinados para dirigir grandes organizações, mas no fundo acalentamos o mesmo sonho de dirigir um pequeno jornal numa sossegada comunidade interiorana. A fantasia parece bucólica, mas exprime o desejo de fazer jornalismo numa escala humana.
A primeira vez em que me envolvi com a chamada “pequena imprensa” foi no início dos anos 1960, quando o Jornal do Brasil começou a planejar o seu crescimento. Ao lado da melhoria do jornal, eu pretendia uma cadeia de jornais-satélites acompanhando os eixos rodoviários que chegavam ao Rio. Vivíamos os primeiros efeitos da explosão rodoviária iniciada nos anos JK.
De volta ao tema que nos reúne aqui, queria compartilhar com vocês um segredo profissional que procuro adotar há algumas décadas: na dúvida, a melhor solução será sempre aquela que resolve ao mesmo tempo mais de um problema. Dificuldades não existem isoladas na Natureza, são encadeadas. Ao trabalhar com propostas mais amplas, não apenas evitamos efeitos colaterais como também criamos dinâmicas espontâneas, convergentes. No mundo multidisciplinar em que vivemos, a solução distendida e ampliada, além de mais eficaz, tem a vantagem da maior durabilidade.
Como começar
As novas tecnologias não resolvem tudo. Os velhos valores não podem ser oferecidos apenas às pequenas elites. Novas ferramentas combinadas aos valores permanentes é uma solução holística.
O processo informativo deste início do século 21 é simultaneamente fragmentado e concentrado. As novas mídias digitais favorecem a pulverização e a dispersão, mas o sistema informativo como um todo continua tendente à concentração das empresas em grandes grupos, num processo que vem se consolidando há quatro séculos. Reverter repentinamente a concentração dos meios comunicação através do uso da violência – como está sendo tentado na Argentina – significa colocar em risco a própria estrutura democrática. Não se chega ao pluralismo com golpes de força.
E o que nos reúne hoje aqui é essencialmente a busca do pluralismo. Pela via mais natural possível. Tentando equacionar binômios e, se possível, trinômios.
Um país com as dimensões e as desigualdades do Brasil necessita de mais vozes e mais eco, maior participação e melhor entendimento. Em outras palavras, mais jornais e melhor imprensa.
Por onde começar? Criando artificialmente novos e poderosos grupos jornalísticos? Com que recursos e para atender quais mercados? Convocar os governos para construir uma nova imprensa cuja tarefa primordial será a de vigiar livremente futuros governos? Impossível.
Foco na democracia
Ao iniciar o nosso projeto na Universidade de Campinas (Unicamp), no início dos anos 1990, sob o comando do seu reitor Carlos Vogt, pretendíamos introduzir um novo item na agenda nacional: o debate sobre a imprensa. Não exigimos leis, estatutos ou códigos. Optamos por algo mais simples e mais orgânico. Sabemos que ao observar um fenômeno intervimos nele – então, ao observar a imprensa, estimulamos um movimento por mudanças. Interno, endógeno.
Começamos como media watchers, mas o media watching não é um fim em si mesmo, é um meio de buscar a excelência e excelência não pode ser alcançada por decreto. A excelência é uma solução para diversos problemas conjugados.
Nosso projeto de estimular a ocupação dos grandes vazios informativos do interior do país tenta reproduzir o que foi feito nos Estados Unidos no início do século 19, quando junto com o trem vieram os serviços e o serviço mais elementar é a troca – troca de mercadorias, troca de informações. Conhecimento.
Mercúrio era na antiguidade o deus do Comércio; Mercúrio foi o nome dos primeiros jornais em muitos países (Inglaterra, França, Portugal, Chile). Um jornal é um motor de trocas que faz circular riquezas. E a circulação de riquezas faz circular o poder.
O primeiro veículo jornalístico a circular sem censura no Brasil era escrito e impresso em Londres quando éramos uma colônia portuguesa. No Brasil ou em Portugal, seria desmantelado pela Inquisição. Em apenas 14 anos, aquele mensário que levava 90 dias para trazer as primeiras notícias até aqui dava a partida ao processo que culminou com a nossa emancipação.
A pequena imprensa é uma grande solução: comunidade e comunicação são substantivos com a mesma raiz, communis. Rigorosamente afins. A comunidade se forma através da comunicação, a comunicação só floresce onde há uma comunidade.
Para iniciar o nosso projeto, em abril deste ano fui a Omaha, Nebraska, para entrevistar a extraordinária figura de Warren Buffett, o megainvestidor que acredita na força da pequena imprensa e continua comprando pequenos e médios jornais. No fim da entrevista contei-lhe que um dia lançaremos uma campanha com o seguinte slogan: “Faça como Warren Buffett, compre um jornal”.
Ele deu uma gostosa gargalhada e disse algo assim: comprem jornais, criem jornais, mas não misturem imprensa com poder político. Pensem apenas na democracia. Esse é o nosso desafio.