Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Manuel Pinto

‘O leitor António Lourenço Silva, de Ermesinde, endereçou uma longa carta ao provedor do leitor deste jornal para defender os pergaminhos daquilo a que chama ‘a nação azul e branca’, ou seja, o Futebol Clube do Porto, e, ao mesmo tempo, alertar o JN para o risco de dar guarida a ‘provocações’ ao ‘grande clube das Antas, ao seu presidente, sócios e adeptos em geral’.

A carta, perpassada de uma defesa estrénua dos ‘Dragões’ – o que não é raro noutras missivas que o provedor regularmente recebe – coloca, no entanto, alguns problemas muito interessantes e pertinentes, que interessa aqui analisar.

Começa por formulá-los desta maneira

‘Como se sabe, o JN é, neste momento, um dos jornais mais vendidos em Portugal, se não mesmo o mais vendido e, por que não, o mais lido. Apesar de pertencer, actualmente, a um grupo económico, conservou, de modo geral, as características de jornal popular da cidade do Porto. Por isso, os resultados das suas vendas são, em grande parte, devidos à preferência que os nortenhos, em geral, e os habitantes do Grande Porto, em especial, mantêm em relação ao jornal’.

Ao mesmo tempo, acrescenta António Lourenço Silva, se, nesta mesma região, ‘60 a 70 por cento dos adeptos de futebol são sócios ou adeptos dos ‘Dragões’, compreende-se a revolta que se sente com alguns comentários infelizes e deselegantes, com expressões rasteiras a roçarem mesmo o tom provocatório, pouco consentâneo com a grandeza e prestígio do JN’.

Os comentários do leitor dirigem-se em particular aos escritos de um colunista deste jornal, assumidamente adepto do Benfica e que, segundo me informa o editor de Desporto, enquanto tal, aqui escreve há alguns anos.

O provedor pode desejar – e deseja – que os colunistas, analistas e comentadores que escrevem no JN (incluindo o próprio provedor) sejam fundamentados e razoáveis nos seus juízos, mas não pode intrometer-se naquilo que é uma das conquistas da democracia, que é a da liberdade de opinião. Por conseguinte, o referido colaborador tem todo o direito de exprimir os seus pontos de vista e, como leitores do JN, só podemos congratular-nos de que a opinião, neste jornal, não afine por um só diapasão. De resto, se acompanhássemos a lógica e os cálculos do leitor, ainda restariam 30 a 40% de adeptos que são aficionados de outros clubes e que também têm direito a ver os seus pontos de vista expressos no diário que lêem.

Mas o leitor prossegue a sua reflexão com argumentos que dariam para um interessantíssimo debate sobre a relação entre o desporto e a política. A sua hipótese – que formula como tese – é que, até ao 25 de Abril, o regime centralista e protector da lógica do ‘centro’ alimentava os grandes clubes da capital (e era, de algum modo, alimentado por eles), em detrimento de clubes importantes da ‘província’. Esta voragem da capital vê-a António Lourenço Silva não apenas no futebol mas no sector bancário, nos seguros, nas grandes empresas e na comunicação social ‘os jornais deixaram de ser de gente do Porto, cidade que não tem uma rádio nacional. A nossa terra não tem um canal de televisão, pois até o projecto NTV foi por água abaixo e passou para as mãos da RTP, sedeada em Lisboa’. E conclui: ‘Pois bem, o que é que ainda não foi centralizado? Foi o FCP’. O facto de o FCP ‘ter ganho tudo o que há para ganhar, a nível europeu, nacional e mundial, depois do 25 de Abril, não deixa de ser uma vitória da democracia’. Os êxitos do clube, ‘não só no futebol, mas também nas outras modalidades desportivas, têm levado a uma descentralização desportiva com o aparecimento de clubes de fora da área metropolitana de Lisboa a ganharem títulos nacionais’. Não creio que seja boa estratégia alimentar guerras e fantasmas entre o Norte e o Sul ou entre o Porto e Lisboa. Não serei ingénuo ao ponto de não admitir que o centralismo continua viçoso no nosso país e que nos encontramos longe de uma situação de equilíbrio entre as várias regiões, a vários níveis. Mas o combate às assimetrias passa, em grande medida, por se fazer em cada região o que compete a cada um e a cada instituição, da forma mais justa, eficiente e profissional possível. Incluindo no jornalismo. Seria preocupante que, em nome da afirmação de uma região face a outra, por exemplo, se gerasse ou alimentasse, no interior dessa região, fenómenos hegemónicos tendencialmente totalitários. Traduzindo em miúdos: a envergadura e o prestígio de um clube como o FCP, que ninguém pode deixar objectivamente de reconhecer, não é ameaçado, antes alimentado, pela diversidade de perspectivas. Neste quadro, o jornalismo não tem de ser nem ‘hostil’ nem ‘simpatizante’, mas sempre independente e crítico.’