Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Beraba

‘Volto ao tema do jornalismo de celebridades provocado por um novo episódio. O ‘Estado de S.Paulo’ e a Folha publicaram, na quarta, uma foto do compositor Chico Buarque à tarde, no mar do Leblon, no Rio, beijando uma mulher.

A Folha editou a foto na coluna ‘Mônica Bergamo’, na Ilustrada, mas a retirou quando 20% da edição (cerca de 60 mil jornais) já havia sido rodada. As edições que recebi no Rio (a Nacional e a São Paulo) não tinham a foto.

O ‘Estado’ publicou a mesma foto na primeira página, pequena, e internamente. O texto da primeira: ‘Personalidade. É só uma amiga, diz Chico após o beijo. Compositor está na capa da revista ‘Quem’, fotografado no mar do Leblon’.

Achei a publicação do flagrante despropositada. Como não tinha visto a foto na Folha, comentei apenas o caso do ‘Estado’ na Crítica Interna: ‘O ‘Estado’ se rende à onda do jornalismo de celebridades e publica hoje (…) foto do compositor Chico Buarque beijando uma mulher na praia do Leblon. A justificativa jornalística é a de que a foto está na capa de uma revista de celebridades’.

Na mesma quarta, o ‘Diário de S.Paulo’, do grupo que edita ‘O Globo’ do Rio, também publicou o flagrante e foram para as bancas duas revistas com as fotos originais, ‘Quem’ e ‘Contigo’. No dia seguinte, o ‘Agora’, diário da Empresa Folha da Manhã que também edita a Folha, reproduziu as fotos com o nome da amiga de Chico e a informação de que seria casada.

Enviei um e-mail para o ‘Estado’ e recebi do editor-executivo Roberto Gazzi a seguinte justificativa: ‘Entendemos que Chico Buarque, por sua história, é e será sempre um grande tema jornalístico. E no caso, sendo uma figura pública e fotografado num local público, não consideramos que tenha ocorrido invasão de privacidade’.

A Folha justificou a publicação com os mesmos argumentos. E por que retirou a foto no meio da impressão? A explicação é da secretária de Redação Suzana Singer: ‘Decidimos tirar a foto quando recebemos a informação de que a mulher, casada, tem filhos pequenos. Entre atender a curiosidade pública e expor crianças a possíveis situações vexatórias, optamos pela não publicação. A intenção não foi proteger Chico Buarque’.

Achei correta a decisão do jornal de suprimir a foto. E continuo questionando o interesse de jornais como a Folha e o ‘Estado’ em casos como esses em que não existe qualquer relevância, exceto a curiosidade.

Duas observações sobre este assunto.

1 – É certo que cabe ao próprio Chico Buarque zelar por sua privacidade e a de sua companheira de banho. Ao se dispor a namorar numa praia, no meio da tarde, é claro que estava sujeito à curiosidade das pessoas e ao flagrante da imprensa. Acho compreensível que publicações que vivem do acompanhamento de artistas e celebridades se interessem pela foto.

2 – Mas, e jornais que se pretendem sérios, formadores de opinião, como a Folha e o ‘Estado’, como devem se comportar? Não é uma resposta fácil. Primeiro, porque os próprios jornais reconhecem que estão chatos, pesados, e precisam mudar. Em que direção? Segundo, porque precisam ampliar e renovar seu leitorado e têm de disputar o jovem com as TVs, a internet e as revistas de entretenimento. Terceiro, porque há uma pressão cada vez maior por esse tipo de cobertura considerada leve e inconseqüente.

A propósito, há uma frase boa no ‘Estado’ de sexta. Ao comentar a situação dos jornais ingleses, que se mexem para não perder mercado, o editor Robert Thomson, do ‘The Times’, brincou: ‘O público para o jornalismo sério está aumentando, mas o jornalismo sério é seriamente caro’.

Não tenho uma posição purista a respeito da cobertura de famosos, escândalos e futilidades. Acho que há espaço em jornais como a Folha para este tipo de notícia. Desde que seja uma história que valha a pena contar. Não vi isso nas fotos de Chico.’

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‘‘Também gosto de frescura’’, copyright Folha de S. Paulo, 6/3/05.

‘Foi uma quarta-feira de reclamações contra a imprensa.

No Uruguai, segundo relato da Folha na edição de quinta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ‘se mostrou aborrecido’ quando lhe perguntaram sobre suas declarações a respeito de corrupção no governo Fernando Henrique. ‘Um dia vou perguntar para a imprensa o que ela acha da repercussão sobre o assunto’, disse. Para o ‘Estado de S.Paulo’, o presidente respondeu ‘irritado’; para ‘O Globo’, ele ironizou.

Na mesma quinta, os jornais publicaram a reação do ministro Gilberto Gil (Cultura) às reportagens que o incluíam no rol dos que reclamaram contra os cortes no Orçamento para este ano. Na Folha, o título de quarta-feira foi ‘Gil, Rossetto e Dutra reclamam do arrocho’; na quinta, ‘Gil diz que imprensa é manipuladora, mas volta a criticar corte orçamentário’.

Entrevistei o ministro na própria quinta. Ele fala da imprensa e faz um curto comentário sobre a publicação da foto de Chico Buarque de Holanda.

Ombudsman – O senhor reclamou nesta semana que os jornais manipularam uma entrevista sua. O que ocorreu?

Gilberto Gil – O jornalista me pergunta sobre os cortes do Orçamento: ‘O senhor está reclamando?’. Eu digo: ‘Não, não estou reclamando’. E sai uma reportagem com manchete dizendo que estou reclamando. Eu não estava reclamando. Eu estava dizendo como o corte afeta o Minc e como todo processo orçamentário tem problemas.

Ombudsman – Mas as suas observações posteriores não continham um inconformismo com o corte?

Gil – Tudo bem, mas botem as minhas declarações. Se eu estou declarando que não estou reclamando, vocês que julguem se faz sentido dizer na manchete que estou reclamando. A primeira frase que eu disse aos repórteres foi: ‘Não estou me queixando de nada’. Há reclamações com relação ao Orçamento? Há. Vários ministros estão nesta situação, mas eu não sou um deles. Estou sendo sendo realista apontando os problemas causados pelos cortes.

Ombudsman – Como o sr. entende o trabalho da imprensa?

Gil – É difícil dizer. A imprensa, como qualquer outro segmento no mundo da informação, está submetida a várias lógicas. A lógica da política, do mercado, dos interesses, dos espaços ideológicos. Por mais que ela queira um distanciamento absoluto, e é compreensível que ela queira, não é possível ter. Os jornais tem donos, as redações tem pessoas, cidadãos, há subjetividades políticas, culturais.

Ombudsman – E ela é boa?

Gil – É boa. No geral. Não é pior, com certeza, que o conjunto da imprensa mundial.

Ombudsman – Recentemente o senhor se deixou fotografar pela Folha sendo depilado. Alguns leitores criticaram o jornal por ter publicado a foto na primeira página…

Gil – E alguns criticaram a mim mesmo.

Ombudsman – Como o senhor analisa esse caso?

Gil – Isso é da minha liberdade. Era do meu direito deixar ou não. E se eu me deixei fotografar, era do direito de quem fotografou publicar. E ponto. Como Caetano, eu também gosto de um pouco de frescura.

Posso ser ministro, mas também sou um cidadão, também sou desse mundo da subjetividade. Eu formo a minha própria identidade. Estar sendo depilado na festa do carnaval também tinha um contexto. Estava na festa.

Ombudsman – Alguns jornais publicaram uma foto do Chico Buarque na praia do Leblon beijando uma amiga.

Gil – Aí eu já acho que é voyeurismo e intromissão. Ainda que suave. Mas é diferente de mim, que fui solicitado por uma repórter a ser fotografado na minha intimidade e admiti. A intimidade você abre ou não abre. É uma opção sua. No caso do Chico, não. É uma outra história.’