‘Eram 11 horas do dia 23 de agosto de 1944 quando um piloto do 60.º Esquadrão da RAF flagrou a cena ao sobrevoar o que parecia um grande acampamento, a 8 quilômetros do pólo petroquímico da I. G. Farben em Monowice, na Polônia.
Do alto, via-se uma grande massa de fumaça destacar-se na paisagem do sudoeste polonês. Sem querer, o militar acabava de registrar uma imagem única: as cinzas do Holocausto. De fato, nenhuma outra foto mostra o coluna cinzenta tantas vezes relatada pelos sobreviventes de Auschwitz-Birkenau, o maior complexo de extermínio montado pelos nazistas na 2.ª Guerra Mundial.
Essa fotografia poderia provar a veracidade dos relatos de Rudolf Vrba e Alfred Wetzler, dois prisioneiros que escaparam de complexo e revelaram aos aliados a dimensão do genocídio. Por muito tempo se discutiu o que o Ocidente podia fazer e não fez para salvar do extermínio milhares de pessoas desde que recebeu as primeiras informações sobre o Holocausto. Bombardear o complexo de Auchwitz chegou a ser discutido, mas a idéia foi abandonada.
A imagem, no entanto, existia. Mas, desconhecendo os relatos dos fugitivos do complexo, os responsáveis pela análise das fotos do reconhecimento aéreo aliado não sabiam dizer o que eram essas imensas instalações vizinhas do complexo onde a I. G. Farben produzia borracha e gasolina sintética, usando mão-de-obra escrava dos campos.
Para chegar até lá, aviões vindos da Inglaterra deviam percorrer 750 milhas ou 700, caso decolassem da Itália. Os pilotos tiraram essa foto quando se dirigiam para marcar o verdadeiro alvo das bombas aliadas: a indústria cuja destruição era prioritária.
Durante 60 anos, essa e outras cenas ficaram esquecidas. Feitas pelo reconhecimento aéreo da RAF, elas foram catalogadas em computadores pela Keele University, a pedido do arquivo nacional britânico. Durante a guerra, nenhuma operação era possível sem a preparação do alvo feita pela central aliada de análise das fotos, em Medmenham, na Inglaterra.
A RAF fez 5,5 milhões de imagens que, nos últimos dois anos, a universidade digitalizou a fim de tornar possível o acesso aos arquivos por meio da internet (www.evidenceincamera.co.uk). Em breve será possível a um neto ou filho buscar por meio de coordenadas as fotos dos locais onde seus parentes viveram ou combateram na Europa. Foi esse trabalho de organização que fez surgir descobertas, como a foto de Auschwitz-Birkenau – há imagens do complexo feitas pela aviação americana, mas as britânicas só foram divulgadas agora.
Húngaros – A ampliação da foto mostra Birkenau, o campo 2 de Auschwitz (atual Oswiecim). Lá está a entrada da estação dos trens que descarregavam a carga humana para as câmaras de gás. Vê-se o campo das mulheres, abaixo da rampa ferroviária, e os campos dos ciganos, dos homens e das famílias, além do campo de quarentena.
Aparecem na imagem as quatro câmaras de gás e fornos crematórios que os nazistas destruíram entre outubro de 1944 e janeiro de 1945, à medida que o Exército Vermelho avançava sobre Birkenau. O uso do gás (Zyklon-B) no complexo começou em 1941, quando o comandante de Auschwitz, Rudolf Hoess, decidiu testar o método em prisioneiros de guerra russos. Perto das câmaras, vê-se o setor conhecido como ‘Canadá’, onde eram depositados os objetos pessoais roubados das vítimas – a maioria descia do trem e era executada sem nem mesmo ser registrada como prisioneira do complexo, que fez 1,1 milhão de mortos.
A fumaça da foto é, provavelmente, o resultado da cremação dos corpos de judeus húngaros. Naquele verão, as câmaras de gás matavam a uma tal velocidade que os fornos não conseguiam cremar todas as vítimas. Os nazistas resolveram o problema queimando os corpos em fossos, a céu aberto. As cinzas caíam sobre os prisioneiros, aqueles que os nazistas mantinham quase mortos-quase vivos no campo e os que chegavam por meio da ferrovia que ligava a Aústria à Polônia.
Os arquivos da Keele University mostram ainda imagens dos campos de concentração de Bergen Belsen e de Dachau, ambos na Alemanha. Na foto do primeiro é possível distinguir uma quadrado formado por prisioneiros. Há ainda campos de prisioneiros de guerra identificado pelas iniciais P.O.W, pintadas nos tetos da cabanas para evitar ataques aéreos.
Os pilotos da Royal Air Force (RAF) flagraram também os combates da guerra, como a luta dos americanos ao desembarcarem em Omaha, na Normandia, em 6 de junho de 1944, o Dia D. Foi uma imagem deles que iniciou a perseguição final ao encouraçado alemão Bismarck, afundado pelos ingleses em maio de 1941. O navio está em um fiorde norueguês acampanhado pelo cruzador pesado Prinz Eugen.
Por fim, as fotos mostram uma série de alvos antes e depois dos bombaredeios aliados, como Colônia, na Alemanha, e o lugarejo de Peenemünde, a mais secreta instalação militar alemã. A inteligência aliada recebeu em 1943 de agentes em terra informes sobre a existência do lugar onde eram produzidos os foguetes V-1 e V-2. Foi o reconhecimento aéreo que confirmou a suspeita.
As bombas vieram mais tarde. E tudo foi registrado pelo pilotos da RAF.’
AMÉRICA LATINA NA MÍDIA
‘O Haiti podia ser aqui’, copyright Direto da Redação (http://www.diretodaredação.com/), 5/03/04
‘É lamentável a maneira como a opinião pública brasileira se informa sobre as crises políticas nos países da América Latina e do Caribe. Enquanto a superterça nos Estados Unidos mereceu a cobertura de uma penca de correspondentes brasileiros, não existe um jornalista daqui em Porto Príncipe ou Caracas para ajudar na compreensão do que se passa nos dois países conflagrados. Com isso, prevalece a visão norte-americana dos fatos, parcial e, muitas vezes, ignorante, espalhada pelas agências de notícias e compradas sem maiores questionamentos.
Não é preciso dizer que as distorções que isso acarreta nas páginas dos jornais e revistas brasileiras são tremendas. O presidente haitiano Jean Bertrand Aristide foi apresentado como um ditador qualquer e chegou a ser comparado a Somoza, Noriega e Saddam Husseim, o que além de injustiça é um equívoco histórico. Aristide é um religioso progressista que foi eleito democraticamente em 1991, após o fim de três décadas da dinastia tirânica dos Duvalier. Reconhecido internacionalmente como esperança de transformação de um dos mais pobres países do mundo, o padre Aristide acabou deposto por um golpe militar após cinco meses de governo.
Os Estados Unidos não davam a Aristide o apoio que prestaram a Papa e Baby Doc e seus tonton macoutes, responsáveis pelo assassinato de milhares de haitianos e assaltos milionários, em dólares, aos cofres públicos. Baby Doc vive hoje confortavelmente em Miami e já está pondo as asinhas de fora na tentativa de recuperar o poder perdido. Mas o êxodo de refugiados após o golpe militar haitiano forçou Clinton a apoiar a volta de Aristide ao poder em 1994. Apesar de um governo limitado por exigências do FMI, Aristide voltou a ser eleito, em 2000, com 92% dos votos, que refletiam o apoio popular a um programa de reforma agrária e campanhas de alfabetização.
Assim como ocorre com Chávez, na Venezuela, Aristide sofreu na mão da mídia local e não teve apoio americano. A elite haitiana, incluindo a mídia e setores do comércio e indústria, provocaram a desestabilização do país, com conflitos entre governistas e oposicionistas, como os que se vêem agora nas ruas de Caracas. O resultado foi a convulsão total e a saída, até agora mal explicada, de Aristide do poder. O presidente haitiano, em sua primeira entrevista após a saída, disse ter sido vítima de um golpe de Estado por pressão dos EUA e que os soldados americanos o teriam forçado a entrar no avião que o levou para a República Centro-Africana. Os EUA negam, mas se achavam que fariam intervenção rápida no Haiti já estão enfrentando problemas com o líder rebelde Guy Philippe, que não está disposto a entregar as armas. Enfim, mais um golpe na triste história do primeiro país da América Latina a declarar sua independência.
Se no Haiti a história era pouco conhecida, na Venezuela conhecemos mais o enredo. O caos em que se encontra o país é gerado pelas mesmas forças conservadoras que atuaram no Haiti e a mídia continua alimentando a instabilidade, apesar da lição histórica que sofreu na primeira tentativa de golpe contra Chávez. Agora, com a Justiça Eleitoral não reconhecendo a legitimidade das assinaturas para a convocação de um referendo sobre a permanência de Chávez no poder, a situação tende a se agravar. Chávez tem o apoio das Forças Armadas e dos setores mais populares. Os oposicionistas têm a mídia, a classe média e o apoio americano. O país está dividido e, mais do que nunca, se justificava a presença de jornalistas brasileiros lá para transmitir toda a complexidade do conflito.
Na leitura dos jornais brasileiros sobre os dois países, Chávez e Aristide aparecem como vilões. Para uma opinião pública mal informada, como a brasileira e a americana, o que a mídia diz acaba como verdade. Seria como se Lula, caso tivesse um governo mais de enfrentamento, passasse a ser apresentado como uma esperança popular que virou corrupto. A comprovação seria a cobrança de propinas a um bicheiro feita por um integrante do palácio do Planalto, ligado à Casa Civil, onde está o mais importante e influente ministro do governo petista. Simples, no mamita?’