‘Cotidiano’ é nome de restaurante ou seção de crônicas literárias? ‘Metrópole’ é nome de hotel duas estrelas ou de filme expressionista alemão? Os dois títulos designam os cadernos de cobertura local dos dois jornalões paulistas. Condenados à insignificância, de repente transformaram-se em carros-chefe de uma semana para não esquecer.
Enquanto as notícias internacionais ou financeiras são recolhidas em cadernos com cognomes diretos (‘Mundo’ e ‘Economia’, por exemplo), o noticiário da cidade na imprensa paulista é desterrado para uma terra-de-ninguém, vaga e envergonhada.
Anunciantes não gostam de ver os seus reclames misturados com notícias sobre desastres e tragédias e, para agradá-los, os marqueteiros das empresas jornalísticas paulistas tudo fazem para disfarçar o teor de um noticiário intolerável para aqueles que detestam as realidades da vida urbana. Já o Globo nasceu vespertino, isto está nas suas veias, registrado no seu DNA. O jornal carioca assume ostensivamente que é dependente do noticiário local – e cuja retranca não poderia ser mais direta e dolorosa: ‘Rio’.
Uma das saídas dos jornalões paulistas foi forçar a introdução nas páginas locais de material tipo ‘variedades’ para agradar o ‘público feminino’ e o ‘segmento jovem’, truque denunciado por este Observatório da Imprensa em diferentes oportunidades.
Outra saída foi colocar nos cadernos locais o noticiário sobre violência oriundo do Rio de Janeiro, artifício também denunciado por editores cariocas em diversas emissões do Observatório na TV [ver remissões abaixo].
Desta forma mundana e deletéria processou-se nos grandes diários paulistanos – e na imprensa hebdomadária deles dependente – uma insensibilização para o noticiário sobre a violência local que, por certo, não desagradou as autoridades nem os ‘segmentos’ de leitores que se procurava atrair. PCC era uma sigla distante, parecia partido nanico, logo seria neutralizado pelas ONGs, pela ‘comunidade’ e pela ‘cidadania’.
Reformas periódicas
Então entra o Marcola, aliás Marcos Willians Herbas Camacho, e muda tudo. Rearruma os jornalões, refaz as hierarquias, estabelece novas prioridades. Marcola é o responsável por uma das mais importantes e rápidas intervenções nas entranhas dos jornalões paulistanos realizadas nas últimas décadas. A partir de Marcola a cobertura local dos jornais paulistanos jamais será a mesma.
Qualquer que seja o nome do caderno onde doravante ficará hospedado o noticiário gerado na Paulicéia & adjacências, a verdade é que os publicitários e marqueteiros já não poderão esconder debaixo do tapete o que se passa nas ruas.
É inevitável: os repórteres de polícia voltarão a ter espaço e os de cidade, visibilidade. A realidade ficará menos charmosa, menos parecida com a de Manhattan, mas o leitor não será pego desprevenido novamente. E como o mimetismo na mídia tem duas mãos, pode-se esperar que o exemplo prospere na imprensa regional.
É certo que as reformas no visual dos jornais continuarão a ser feitas periodicamente, e em intervalos cada vez menores, sempre cosméticas e sempre sob a supervisão de consultores internacionais que nada entendem de jornalismo.
Marcola entende.