Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marina Silva encostou
o jornal contra a parede

Escondidinha no pé da Primeira Página da edição da Folha de S.Paulo de segunda-feira (6/7), uma pequena chamada para o artigo semanal de Marina Silva. Como sempre tranqüilo, sossegado e carregado de energia, pedia o licenciamento imediato de José Sarney da presidência do Senado.


Fato inusitado, verdadeiramente extraordinário, escancara a insensatez da decisão de manter o senador José Sarney como articulista do jornal depois de eleito para presidir o Senado novamente.


Senadora como Sarney (PMDB-AP), Marina Silva (PT-AC) escreve às segundas-feiras no mesmo espaço ocupado pelo colega às sextas. Ex-ministra e campeã na defesa do meio ambiente, Marina Silva cuida geralmente da especialidade que a tornou admirada em todo o mundo.


Sarney, ao contrário, é obrigado a escrever (ou assinar) platitudes porque se usar a coluna para defender suas posições como congressista ou chefe do Legislativo arrisca-se a ser demitido por justa causa.


Episódio derradeiro


Ao justificar a discrição com que apresentou o artigo da senadora a direção da Folha poderá alegar que está abrindo suas páginas para um debate democrático. Não é verdade: Sarney pode ser atacado na página onde escreve, porém não pode defender-se. Já Marina Silva, que deveria ocupar-se exclusivamente das questões ambientais, não pode ser punida pela direção do jornal porque o caso ganharia proporções incontroláveis. Por outro lado, Marina Silva está sendo solidária com os seus humilhados companheiros de partido impedidos de seguir os compromissos com a sociedade.


A esta altura, depois de tantos escândalos envolvendo diretamente o seu dileto colaborador, a Folha está de mãos atadas: não pode afastá-lo ou sequer licenciá-lo. Se o fizer vai empurrá-lo abertamente para o precipício. Poderia tê-lo feito antes com alguma elegância – oportunidades e pretextos não faltaram –; não quis, preferiu a opção bonapartista e está pagando um preço altíssimo por ela: ofereceu ao concorrente o protagonismo da cobertura da crise política, coisa que não acontecia há anos. E o Estadão está mostrando que tem fôlego para muito mais.


O derradeiro episódio da biografia política do imortal Sarney tem algo trágico: começou insignificante e, ao longo de cinco longos meses, esparrama-se com persistência em várias direções, contaminando todos os que nele se enredam. Os clássicos gregos jamais teriam imaginado um enredo tão calamitoso e empolgante: o próprio mensageiro – um jornal – emudecido pelo cego confronto de ambições que deveria relatar.


***


A Folha de S.Paulo já teve colaboradores ilustres, inclusive candidatos à presidência da República. Apoiada em seus códigos de conduta, ganhou o respeito dos leitores ao dispensá-los no momento em que assumiam suas candidaturas ou aceitavam cargos públicos. Nunca, em toda a sua história, enrolou-se em tamanha desgraça. O artigo de Marina Silva, entre outros méritos, mostrou que o jornal está rigorosamente sem saída. Ou melhor: todas as saídas são igualmente ruinosas.


Resta perguntar: por quê?