Revelação da maior importância no cenário jornalístico brasileiro, mas apresentada de forma serena, profunda e equilibrada. Sem grampos, dossiês secretos e nem arapongagem.
A matéria de capa da última Época (nº 400, de 16/1/06) sobre a Opus Dei é um marco. Vai fazer história. Sua importância não é teológica ou doutrinária, como à primeira vista pode parecer. Das 12 páginas da reportagem, apenas duas (e quase no fim) são relevantes para a nossa imprensa. Mas arrasadoras, valem por uma retumbante manchete.
É o primeiro flagrante da estratégia da Opus Dei para dominar nossos meios de comunicação e conquistar os corações e mentes dos brasileiros. É também uma contundente resposta às piruetas do colunista Diogo Mainardi de Veja, que só consegue enxergar a fantasiosa infiltração comunista nos meios de comunicação mas fecha os olhos às evidências concretas de um processo de controle da nossa mídia em curso há mais de uma década.
A Opus Dei é uma confissão ou ordem religiosa mas é, principalmente, um projeto ideológico para conquistar o poder através da lavagem cerebral de seus adeptos. Isso fica evidente no trecho intitulado ‘Ligações poderosas’ (págs. 70-71), no qual Carlos Alberto Di Franco, representante da Universidade de Navarra (Espanha), dono de uma consultoria para projetos jornalísticos, responsável pelo programa de capacitação Master em Jornalismo e um dos ‘numerários’ mais influentes da Opus Dei no Brasil, admite em cândida entrevista que já foram doutrinados 200 editores brasileiros.
Não são estudantes, estagiários ou jornalistas iniciantes. São duas centenas de editores, portanto chefes, gente que decide o que sai, como sai ou deixa de sair nos jornais, revistas, rádios e televisões brasileiras. São os famosos gatekeepers, porteiros das redações, fiscais da notícia.
Que serão carinhosamente acompanhados ao longo de suas vidas e conseguirão belos empregos nos veículos ligados à Opus Dei.Platitudes periódicas
A entrevista-confissão é uma preciosidade em matéria de cinismo. Quando o repórter pergunta a Di Franco por que não se identifica como ‘numerário’ da Opus Dei ao pontificar sobre imprensa ou cultura, o professor de Ética Jornalística responde simplesmente: ‘Não acrescentaria nada. Na mídia todo o mundo sabe’.
Mas ‘todo o mundo sabe’ que Navarra, o Master e a empresa de Di Franco estão associados a uma consultoria de Miami, a Innovación (agora transformada em Innovation) agarrados à SIP (Sociedad Interamericana de Prensa) e à ANJ (Associação Nacional de Jornais)?
‘Todo mundo sabe’ que Di Franco, além de porta-voz das verdades jornalísticas da Opus Dei na página 2 do Estado de S.Paulo tentou estender os seus domínios ao Globo?
Poucos sabem: a coluna então semanal da Opus Dei no jornalão paulista já estava sendo exportada para o jornalão carioca até que a redação estrilou. E a direção teve que contentar-se com a republicação periódica das platitudes produzidas pelo ‘numerário’ da Opus Dei (igualmente não identificado como tal).
Projeto de poder
Em princípio nada há de errado na pretensão de uma ordem religiosa em manifestar suas idéias. Os jesuítas fizeram isso ao longo de alguns séculos até que o Marquês de Pombal deu um basta. Nossa Constituição estabelece o primado da liberdade para crer, descrer e manifestar-se. Graças a Deus, nossa República parece comprometida com o secularismo. Mas esta é uma das balelas fundamentais da nossa Carta Magna.
Numa República efetivamente secularista este assalto à mídia já teria sido questionado publicamente desde meados dos anos 1990. Naquele momento nossa mídia começou a adotar estranhas convergências e aproximações. Numa indústria caracterizada pela disputa e pela diversificação, o complexo Opus Dei-Navarra-Master conseguiu produzir um insólito pool entre os competidores.
‘Todo mundo sabe’ que esta unanimidade pode mascarar um perigoso projeto de poder?
Graças à Época alguma coisa já se sabe. Falta o resto.