Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Mastigando os números da ONU

A Folha e O Globo ficaram muitas posições acima da concorrência no ranking da melhor cobertura da versão 2002 do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), das Nações Unidas, divulgada na semana passada.

Em vez de gastar mais espaço do que o necessário com o rebaixamento do Brasil do 65º para o 72º lugar em matéria de qualidade de vida entre os 177 países avaliados [porque a ONU usou os dados do Censo de 2000 sobre o analfabetismo adulto no país, em vez de usar os da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), mais atuais, como fizera para o IDH de 2001], os dois jornais trataram de abrir o foco – e a cabeça do leitor.

Enquanto o Estado anunciava – em caixa alta – ‘Dados defasados fazem Brasil cair sete posições’, a Folha ressaltava o ‘Avanço tímido na era FHC’, e O Globo, que ‘País do futuro parou no início do milênio’.

Na Folha, Clóvis Rossi, na abordagem mais analítica da imprensa, procurou comparar o Brasil do primeiro ano do governo FHC com o último. Mas advertiu que isso exige ‘muito cuidado’ por causa das mudanças de metodologia e a inclusão de outros países no ranking do IDH.

E esclareceu que só ‘uma avaliação de má-fé diria que o desenvolvimento humano retrocedeu no Brasil no período ‘tucano’, na medida em que, em 1995, o Brasil era o 68º classificado no IDH e caiu para o 72º em 2002’.

O forte dos textos de Luciana Rodrigues e Cássia Almeida, no Globo, foi chamar a atenção para o fato, destacado na chamada da primeira página, de que o Brasil parou de avançar – ‘reflexo da lentidão do país em mudar os indicadores medidos pelo IDH’. Único a fazê-lo, o jornal comparou a expectativa de vida do brasileiro com a dos palestinos nos territórios ocupados: o Brasil perde.

Benjamin Disraeli

Sobre o rolo da mudança da fonte dos índices de alfabetização – que enfureceu o ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza –, o repórter Antônio Gois, da Folha, levou a palma ao apurar junto ao economista Marcelo Paixão, da UFRJ, que, com outros números disponíveis sobre analfabetismo e também sobre expectativa de vida, o Brasil poderia comemorar a sua promoção para o 55º lugar. Com isso, entraria – na rabeira, é bem verdade – no rol dos países onde o desenvolvimento humano é considerado ‘alto’.

Ou seja, não era o caso de se fazer um cavalo-de-batalha com o sobe-desce do país na classificação do IDH. O que só deve ter ficado claro de verdade para os leitores da Folha da sexta-feira e da coluna Ancelmo Gois, do Globo, no sábado.

A coluna ainda esfregou sal no problema, ao lembrar, o que ninguém tinha feito, que, para calcular a aposentadoria dos brasileiros usando o ‘fator previdenciário’, o governo recorre ao dado do IBGE que diz que a expectativa de vida é de 71 anos. Mas, para efeito do IDH, trabalhou-se com um dado mais negativo – os 68 anos do Censo de 2000.

Era o caso de alguma publicação ter citado o estadista inglês do século 19, Benjamin Disraeli. ‘Há três tipos de mentiras’, disse ele numa frase que ficou célebre. ‘A mentira, a mentira deslavada e a estatística.’