A Folha de S.Paulo publicou no domingo (9/11) uma curiosa análise sobre o papel da mídia tradicional nas redes sociais (ver aqui).O levantamento foi feito entre os dias 19 e 28 de outubro, quando a disputa eleitoral era levada ao fundo do poço, em grande parte por conta de ações da própria imprensa, e consistiu em rastrear postagens feitas no Facebook e no Twitter com expressões relacionadas ao segundo turno da eleição presidencial e ao resultado das urnas.
A intenção da reportagem é demonstrar como a imprensa institucional ainda é relevante na organização das informações que circulam no ambiente hipermediado da tecnologia digital. Paralelamente, o material tenta convencer o leitor da importância da própria Folha de S.Paulo como protagonista desse ecossistema informacional, e demonstrar que o jornal não apenas está integrado às redes sociais, como assume função de avalista do que é verdade e do que não é, no meio dos boatos que circulam durante períodos de comunicação intensa como as disputas eleitorais.
Segundo o levantamento, durante os dez dias de cobertura, 61% dos compartilhamentos de links por usuários das redes sociais vieram de conteúdos publicados por jornais, portais da internet, emissoras de rádio e TV, sistemas informativos locais ou da imprensa internacional. Nos dois dias posteriores à eleição, ou seja, dias 27 e 28 de outubro, essa média subiu para 70%.
A principal conclusão da Folha é de que o “jornalismo profissional domina as redes sociais”. Este é o primeiro grande equívoco da análise. Mas esse não é o único erro: todo o levantamento tem indicações de que se trata de um apanhado de elementos muito específicos, num contexto de alta complexidade, com o objetivo de demonstrar uma tese a priori: a de que a mídia tradicional determina a maior parte das interações nas duas principais redes sociais digitais.
A seleção de conversas com links num universo composto por uma enorme quantidade de variáveis já constitui, por si, um critério definidor do resultado. O estudo tem características de uma grosseira falácia.
Jornalismo profissional?
Como toda análise de conteúdos midiáticos, comecemos por observar a síntese do trabalho, apresentada no título. Diz a manchete da Folha: “Jornalismo profissional alimenta redes sociais”. Na linha fina, logo abaixo, afirma-se que “na reta final da eleição, 6 de cada 10 links compartilhados eram notícias”.
E o que a Folha chama de “jornalismo profissional”? – apenas o conteúdo publicado por empresas de comunicação. Mais correto seria definir esse conteúdo como “jornalismo corporativo”, ou “jornalismo institucionalizado”, ou mesmo “material da mídia tradicional”, porque “jornalismo profissional” é todo produto do trabalho de jornalistas profissionais, ou seja, de pessoas que têm o jornalismo como atividade produtiva, e não apenas daqueles que trabalham numa empresa de mídia. Aliás, depois que o Supremo Tribunal Federal, aliciado pelas empresas de comunicação – com grande protagonismo da Folha de S. Paulo – eliminou as bases definidoras do jornalismo profissional no Brasil, essa expressão fica quase sem sentido.
Outro erro, que compromete o ensaio de objetividade do jornal paulista, é considerar que uma troca de informações ou opiniões entre integrantes de uma rede social tem mais valor quando inclui um link, ou uma referência direta a conteúdo processado por uma corporação jornalística. A anexação de um link não altera a validade da informação, pois se sabe que, progressivamente, os usuários das redes tendem a confiar mais em indicações de amigos do que em conteúdos da mídia tradicional ou de publicidade.
Observe-se, por exemplo, que a capa da revista Veja com o factoide sobre o escândalo da Petrobras, que constituiu o principal evento midiático no dia da eleição, foi multiplicada por dezenas de imagens falsas, com anedotas, criadas por eleitores de Dilma Rousseff. Como o estudo da Folha classificaria esses compartilhamentos?
A verdade é que as redes sociais digitais tornam menos relevante o papel tradicional da mídia: as interações diretas entre os indivíduos desconstroem a própria mediação como função central nas relações comunicacionais. Quando muito, um jornal ou um portal noticioso funcionam no ambiente das redes como uma espécie de ancoragem da informação – mas mesmo essa função depende da credibilidade de cada veículo.
E a credibilidade da imprensa brasileira…