Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Memória e atualização de sentidos em três atos do discurso jornalístico

‘Chega mais perto e contempla as palavras

Cada uma

tem mil faces secretas sob a face neutra

e te pergunta, sem interesse pela resposta,

pobre ou terrível, que lhe deres:

Trouxeste a chave?’

(Carlos Drummond de Andrade)

‘Eu tinha vontade de fazer como os dois homens que vi sentados na terra escovando ossos. No começo, achei que aqueles homens não batiam bem. Porque ficavam sentados na terra o dia inteiro escovando osso. Depois aprendi que aqueles homens eram arqueólogos. E que eles faziam o serviço de escovar osso por amor. E que eles queriam encontrar nos ossos vestígios de antigas civilizações que estariam enterrados por séculos naquele chão. Logo pensei de escovar palavras. Porque eu havia lido em algum lugar que as palavras eram conchas de clamores antigos. Eu queria ir atrás dos clamores antigos que estariam guardados dentro das palavras.’

Na fala de Barros (2003), a tarefa de escovar ossos é sinônimo de escutar os queixumes antigos de seres que não estão mais vivos, de remontar o sonho do corpo com aquilo que deles ficou, de significar as partes perdidas e de recolher o que está subterraneamente escondido. O poeta, vendo esse trabalho de escavação arqueológica, quer para si a tarefa de escovar palavras, de recuperar sentidos já falados, de desencravar a memória dormente, de elaborar experimentos de decifração da linguagem.

Como ele, tenho investigado o papel da memória discursiva e da historicidade em relação ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (Romão, 2002), na tentativa de compreender como os sentidos sobre esse tema se inscrevem socialmente, são determinados por relações de confronto na esfera social e política e como se materializam no discurso jornalístico. Apoiada no conceito de interdiscurso (Pêcheux, 1983), quero agora escavar o movimento de repetição e atualização da memória a partir dos sentidos apresentados em três reportagens jornalísticas, que dialogam intimamente e, com isso, refletir um pouco sobre os gestos de leitura possíveis ou não ao leitor de revistas e jornais da grande mídia.

Geralmente, quando o leitor se ocupa de um jornal e/ou revista, presta atenção na página de uma reportagem, na manchete de outra, na capa chamativa, em entrevistas espalhadas ao longo da publicação, sempre de modo estanque, separado, como se não existisse diálogo nem continuidade entre as partes. Costuma orientar o seu olhar para uma observação fragmentada dos cadernos e sessões, sem ler os pespontos intertextuais, as costuras da memória e sem interpretar a tessitura textual constituída e significada ao longo do todo.

Nesse movimento de ‘desatenção’ do leitor residem muitos sentidos, que são construídos, falados e silenciados discursivamente, em jogos de linguagem que estabelecem retornos, recortes, remontagens, atualizações e deslocamentos, e que, por fim, transpiram e materializam-se em imagens e textos, aparentemente neutros, fechados em si mesmos. Faz-se importante ler como e onde as informações são disponibilizadas, em qual seqüência elas se estruturam e apresentam, o que as aproxima, quais sentidos de uma retornam na outra e quais as áreas do dizer apagadas e não-ditas, que também estão lá. Só assim, é possível compreender o discurso jornalístico e instalar gestos de leitura e interpretação que transponham a fronteira do senso comum, do sentido literal e da ingenuidade.

Com base nas considerações da Análise do Discurso, de matriz francesa, pretendo interpretar três narrativas jornalísticas, publicadas na edição 1.870 da revista Veja, de 8 de setembro de 2004, aparentemente desarticuladas e desconexas, que formam uma malha de efeitos de sentido e uma rede de silêncios, que muitas vezes não é significada pela leitura ingênua ou literal. A primeira delas é dada pela matéria de capa, ‘O massacre dos inocentes’, cuja imagem chama a atenção pelo desconsolo com que uma Pietá do século 21 faz gritar todos os negrumes de sua dor de mãe órfã, acariciando a fronte inerte do filho, ao mesmo tempo em que toca suavemente o seu próprio pescoço. O impacto do rosto desfigurado combina com a imagem do velório solitário dessa mulher diante do seu anjo de branco, em sintonia com o fundo escuro da moldura da revista.

A parte (e um fato) pelo todo

Tal montagem funciona não apenas como metáfora da tragédia russa e da desertificação de vida, vividas na escola de Beslan, mas também como ícone memorial, que condensa sentidos e faz latejar faíscas de condenação de mulçumanos, tidos como terroristas, árabes apresentados como fanáticos e sanguinários seguidores do Islã. Duas temporalidades de dor se cruzam, isto é, o sofrimento presente na expressão da mãe se une às marcas de tortura, estampadas no corpo infante, preparando o leitor para os sentidos que serão expostos ao longo da reportagem. No conjunto da revista, desfilam: a receita do assombro como medida para avaliar problemas da realidade brasileira e internacional, o apelo para vender, as imagens que sensibilizam e estampas comercialmente viáveis, e a ausência de reflexão sobre temas geopolíticos envolvidos na questões tratadas.

Chama a atenção, sim, o sintoma marcado pela repetição de certas denominações, que associam o terror a uma determinada religião e povo, isto é, na reportagem, há um retorno constante a expressões como ‘terroristas islâmicos, terroristas árabes, central do terror islâmico, fundamentalismo islâmico, terrorismo religioso, terroristas islâmicos chechenos e árabes, fanáticos islâmicos, ofensiva islâmica’ . Mais ainda, naturaliza-se a sinalização de que o terror é indiciado como prática exclusiva de árabes, mulçumanos e seguidores do islamismo, como se, fora desse perfil, não existissem atos de massacre em alvos civis. Apenas um povo e uma religião representam rótulos que, por si só, fazem valer a barbárie, aprisionam a razão e deflagram situações de atrocidades no mundo. O lugar de fanático, terrorista e seqüestrador passa a ser bordado, pelo discurso da revista, engendrando efeitos de ódio, indignação, pânico, medo e intolerância. Esse discurso promove a circulação de um biótipo imaginário para o terrorismo internacional, naturalizando apenas um sentido e apagando outros gestos de leitura para o mesmo fato. Desse modo, o leitor se empanturra com a saturada exposição do significante ‘árabe’, lendo-o e significando-o apenas do lugar de onde a revista fala, autoriza e permite enunciar.

Assim, materializa-se a configuração do terrorismo perigoso associado à religião islâmica em geral, posto que ‘impressiona que a mesma mentalidade que valoriza o culto do martírio, típico do terrorismo fundamentalista islâmico, tenha sido incorporada por mulheres, visto que, na religião mulçumana, elas não têm direito ao paraíso, seja lá o que façam para merecê-lo’. Apagando os preceitos religiosos originais do Islã, silenciando a história árabe e, num movimento metonímico, tomando uma parte (e um fato) pelo todo, a revista descola os sentidos de desenvolvimento, racionalidade e mundo civilizado, não do fato, mas de toda a cultura islâmica, que passa a ser narrada como ‘sombria ameaça ao mundo civilizado’, como ‘ofensiva islâmica’ em ‘sua pauta de destruição da civilização ocidental’. Melhor dizendo, fica impossível sobreviver ‘aos fanáticos islâmicos, pois muitas vezes eles estão ansiosos pelo martírio’, e mais, há que se tomar muito cuidado com a ‘crescente perversidade dos terroristas’, que instalam bombas em escolas, atiram pelas costas, obrigam a degustação de urina no desjejum matinal, matam-se com cinturões de explosivos, autorizam a execução de inocentes e são responsáveis pelo ‘pesadelo que estamos’.

Repetição e realce

Afora preconceitos infundados, generalizações perigosas e o tom popularesco-sensacionalista da reportagem, existe aqui uma rememoração do 11 de Setembro, já que ‘o ataque às crianças foi de tal ordem que significou, em muitos sentidos, o 11 de Setembro da Rússia’. Aqui é preciso destacar que há um interdiscurso que sustenta toda a significação, emprestando sentidos de uma memória caudatária e fazendo falar, de novo, as cenas tão esgotadamente exibidas em cadeias internacionais de notícias. Essa referência traz, para a cena enunciativa do presente, a superfície do passado em uma justaposição de quadros, como se eles fossem iguais e não estivessem inscritos em realidades e conjunturas sócio-históricas particulares. Por fim, a re-inscrição dos sentidos já ditos sobre o atentado aos trens de Madri e a aproximação à questão Palestina abrem os porões da memória, fazendo circular, também aqui, os efeitos já apresentados acima:

‘Uma variação na teoria que justifica esses ataques aleatórios- amplamente utilizada pelo terror palestino contra os israelenses – é a de que todos os membros de um determinada população (mulheres, crianças, velhos) partilham dos pecados do regime que combatem e devem pagar por isso. É dessa vertente que se alimentam os fanáticos do fundamentalismo islâmico, que derrubaram as torres gêmeas, em Nova York, em 11 de setembro de 2001, explodiram os trens de Madri no início deste ano e, agora, trucidaram criancinhas na Rússia.’

Não há como negar que o assassínio de seres humanos merece repúdio, mas vale perguntar o motivo pelo qual, nesse caso e nos dois próximos exemplos que comentarei a seguir, o discurso da revista se materializa com tanta ira e, em outras situações parecidas, as coberturas e reportagens da Veja minimizaram explosões tão adjetivadas em condenação e primaram pela neutralidade, com tom bem menos carregado em condenação.

Esse questionamento abre a ferida do discurso jornalístico, manifesta nas publicações das grandes corporações midiáticas, cujo núcleo é a não-ancoragem do dizer nas condições materiais que gestam fatos e conflitos e, por conseguinte, informações e relatos, desenraizando-os de toda e qualquer conjuntura sócio-histórica e deixando-os como fragmentos soltos no espaço, a serem lidos episodicamente como incidentes desconetados de lugares confrontantes de poder e de dizer e como espetáculo (Arbex, 2001). Noutras palavras, essa ferida faz explodir a relação entre o social e o discursivo, como se os sentidos, os dizeres e as notícias fossem naturais.

A segunda narrativa, que se pretende jornalística, apresenta bin Laden em posição de guru solitário com uma das mãos estendidas, denominado ‘O mentor’. ‘À sombra da Al Qaeda – o massacre das crianças russas também leva a marca da rede terrorista de Osama bin Laden’ marca e figurativiza a fonte do mal, aqui com identidade definida e origem certa, pois ‘há cerca de dez pessoas de origem árabe entre os terroristas mortos’, ‘árabes, inclusive, convertidos ao terror à la bin Laden’. O que chama a atenção é que, mais uma vez, a revista reafirma as informações já apresentadas na reportagem 1, marcando a repetição, o realce, o destaque e o sintoma de que é preciso dizer de novo para fazer crer que seja verdade.

Deformação e satanização

Os sentidos de árvore e rede estão metaforizados aqui, de modo a registrar conexões subterrâneas entre o centro do terrorismo (Afeganistão) e seus galhos florescentes (Nova York, Madri e Chechênia). Para além do núcleo centralizador de Laden, as raízes fanáticas dos seguidores do Islã podem irromper em qualquer lugar do planeta: esse movimento de sentidos dialoga com o ideário belicoso do imperialismo norte-americano, que rastreia as pegadas do mal pelo mundo afora e sentencia o perigo do Islã. O discurso da revista se ancora nessa região para enunciar, afetado pela ideologia que faz falar a ocidentalização do bem contra o obscurecimento do mundo árabe. Em um movimento parafrástico, tal discurso continua a dialogar com a matéria de capa, costurando uma tessitura textual orquestrada, cuja malha promove apenas uma interpretação e a circulação de um sentido dominante (Orlandi, 1996), apagando e silenciando tantos outros.

Aparentemente o diálogo termina nessas duas cenas, mas eis que irrompe, na mesma edição da revista, uma terceira reportagem que prolonga os sentidos até aqui expostos de terrorismo e medo, relacionando-os com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Curioso perceber que Beslan, Laden e o MST aparecem como ícones interligados pelo ódio que lhes corre nas veias emendadas. Do preto do luto para o vermelho do marxismo, que, segundo a reportagem, é ‘um modelo, acrescente-se, falido do ponto de vista histórico e equivocado do ponto de vista filosófico. (…) Falido porque levou a instauração de regimes totalitários que implodiram social, política e economicamente. Equivocado porque, embora se apresente como ciência e ponto final da filosofia, nada mais é do que messianismo. De fato, o marxismo não passa de uma religião que, como todas as outras, manipula os dados da realidade a partir de pressupostos não verificáveis empiricamente. E, assim como todas as religiões, rejeita violentamente a diferença.’ Ao marcar a falência, o equívoco e o totalitarismo, essa reportagem inscreve socialmente sentidos já-ditos anteriormente, empresta o aspecto sangrento do atentado e faz retornar a brutalidade do seqüestro.

Nas duas primeiras reportagens interpretadas, a referência à religião mulçumana foi tratada como causa de terror e apreciada como semente da intolerância, aqui irrompe um outro significante para recuperar os sentidos já dados, para colocá-los em outro lugar, fazendo-os deslizar de uma conjuntura internacional para terras tupiniquins. Como já estava manifesto em páginas anteriores, a deformação da cultura árabe e a satanização dos ‘fanáticos terroristas’ são discursivamente deslocadas, atribuídas e ressignificadas em relação à cultura camponesa e ao MST.

A cadeia de imagens e textos

As cenas de corpos infantis mutilados e queimados, rotos em sua inocência com olhares cavados pela desidratação e desespero, muitos dos quais nus em profundo desamparo, somadas as imagens dos onze homens executados pelas milícias seguidoras de Laden com tiros pelo corpo todo, indefesos, de costas estirados no chão, servem de estufa imagética para preparar o terceiro ato da Veja, cujo título é ‘Madraçais do MST – Assim como os internos muçulmanos, as escolas dos sem-terra ensinam o ódio e instigam a revolução. Os infiéis, no caso, somos todos nós’.

À brasileira, o perigo mora ao lado e aparece expresso em imagens, que nada têm de horror. Destacam-se crianças com feições tranqüilas, sentadas em carteiras dentro da sala de aula com as paredes recobertas por produções textuais e artísticas; alunos sorridentes e abraçados em frente à escola pintada de branco, limpa e sem sinais de depredação e, por fim, uma fotografia da apresentação teatral de adultos e crianças em torno da bandeira do movimento. Ainda assim e curiosamente por isso mesmo, o texto da reportagem materializa: ‘O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) criou sua própria versão das madraçais – os internatos religiosos muçulmanos em que crianças aprendem a recitar o Corão e dar a vida em nome do Islã.’ As referências ao Corão e ao Islã, mesmo dissonantes em relação às fotos, reatualizam os efeitos já discursivizados anteriormente, a saber, perigo, barbárie, fanatismo, medo e terror. Tentam instalar aqui o pânico vivido lá em Beslan, por exemplo.

O cenário escolar dos dois acampamentos visitados é falado, pela retórica da revista, de modo a promover semelhanças, continuidade, aproximação e sintonia entre duas realidades tão díspares. Uma leitura literal e estancada (cada notícia e/ou informação separadamente) não dá conta de compreender os sentidos em jogo, o movimento do sujeito por certas regiões da memória, as metáforas e metonímias que se deslocam ao sabor da ideologia e os deslizamentos de efeitos que migram de uma escola para outra (em espacialidades tão diferentes). O leitor precisa observar a cadeia de imagens e textos, enovelados na/pela trança desses três atos, para compreender a discursividade e a inscrição social dos sujeitos e sentidos e para mover-se em um gesto de interpretação.

Para terminar, o veredicto

Como vimos na primeira reportagem, Beslan é narrativizada, como cenário de extermínio, onde durante quase sessenta horas, um grande volume de vítimas infantes foi usado como alvo humano, ameaçado por terroristas islâmicos e executados friamente. Agora, o discurso ao qual a Veja se filia faz falar o imaginário de uma cena brasileira, em que durante infinitas horas escolares, um número representativo de crianças também é mantido como reféns dos próprios pais e de professores, perigosos e fanáticos seguidores do marxismo, que religiosamente ameaçam o país. As duas escolas são emparelhadas como se fossem simetricamente equiparadas, posto que, em ambas, o discurso da revista marca que violências são cometidas e distorções fanáticas são processadas nesse lugar. Também, nos dois casos, crianças são apresentadas como alvos inocentes e indefesos.

Os símbolos do movimento, tais como a bandeira e as canções, ‘o calendário alternativo que inclui a celebração da revolução chinesa, a morte de Che Guevara e o nascimento de Karl Marx’, o ‘sistema de ensino paralelo’ e os professores do movimento que, em grande parte ‘não têm o curso de magistério completo’, vão compondo um mosaico condenatório de acusações e distorções, em que são silenciadas as concepções da pedagogia da terra e da escola do campo, presentes no projeto de educação do MST e defendidas por pesquisadores universitários, intelectuais e movimentos populares. A posição-sujeito, materializada pelas marcas acima, sinaliza um lugar de distanciamento do campo, cala qualquer possibilidade de instalar novos sentidos e refuta tudo aquilo que possa soar diferente ou sinônimo de ‘desobediência às normas de ensino’.

Aprisionamento de crianças, inferno para quem está dentro e fora, violência e fanatismo religioso colocam discursivamente os três atos como se fossem siameses, idênticos, clones de uma mesma matriz gênica. Para terminar, o discurso jornalístico, nessa reportagem, apresenta um veredicto: ‘Os internos das madraçais, as crianças do MST são treinadas para aprender aquilo que os adultos que as cercam praticam: a intolerância’.

Resta decifrar

O fecho da matéria marca treinamento e intolerância, de modo a fazer circular um imaginário de táticas de guerra e centros de preparo para novos ataques terroristas, na escola em que supostamente se estuda, se aprender a matar. No Brasil rural, as escolas do MST formam, treinam e preparam terroristas e geram o anúncio de novas Beslans de amanhã, no que, de novo, são instalados os efeitos de pavor, medo, pânico e ameaça. Sobre isso, Foucault (2000, p.28) nos ensina que:

‘Tudo o que o discurso formulado já se encontra articulado nesse meio-silêncio que lhe é prévio, que continua a correr obstinadamente sob ele (…) É preciso estar pronto para acolher cada momento do discurso em sua irrupção de acontecimentos, nessa pontualidade em que aparece e nessa dispersão temporal que lhe permite ser repetido, sabido, esquecido, transformado, apagado até nos menores traços (…)’.

Assim, é preciso saber ler os vestígios de rememoração, retorno e recuperação dos sentidos já-ditos e falados para compreender as formulações apresentadas ao longo de uma mesma publicação, mecanismos de atualização e as marcas do que se mantém e do que desliza, e isso é tarefa de interpretação, apenas possível àqueles que têm acesso à memória do dizer e que se instalam em uma posição de desautorizar os sentidos dominantes e legitimados.

Uma coisa é certa: os três atos, aqui interpretados, são apenas uma amostragem do discurso jornalístico, tão presente na sociedade infotelecomunicacional (Moraes, 1998), no qual há imbricação de sujeitos, ideologia e historicidade, que fazem circular ditos, silêncios, redes de memória, deslocamentos e muitos dos sentidos dominantes, que passam a reverberar como única maneira de dizer e traduzir os fatos.

Ao leitor, resta somente o movimento da interpretação e, quiçá, o gesto de ler e decifrar ossos e palavras do discurso das publicações jornalísticas, para que elas não falem em lugar dele.

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Professora-doutora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo