Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Métodos e sutilezas da Obra no jornalismo

Reportagem publicada neste Observatório (‘Opus Dei investe na formação de jornalistas‘) a
partir de uma enquete com ex-alunos do Master em Jornalismo sobre a influência
do Opus Dei, prelazia ultraconservadora da Igreja Católica, no curso provocou
diversas manifestações de leitores – todas publicadas no Caderno do Leitor, como
de praxe (leia aqui e aqui }) . Duas mensagens, no entanto, merecem ser
destacadas, pois ajudam a compreender melhor tanto o funcionamento do Master
como a maneira da Obra – como é conhecida a prelazia – agir para influenciar os
meios de comunicação.


A mensagem mais esclarecedora veio do agente comunitário e técnico em
eletrônica Fagner Barros, de São Paulo, que enviou e-mail tecendo considerações
a respeito da reportagem. Segundo o leitor, a análise apresentada pelo OI
‘é ótima do ponto de vista estatístico-científico’. Para Fagner, que diz já
ter trabalhado no Master em Jornalismo, ‘é importante saber quais são os
jornalistas formados no curso, o que eles pensam sobre a relação Opus Dei e
Master em Jornalismo, onde eles estão alocados atualmente e em qual cargo’.


Segundo o leitor, no entanto, o projeto de influência da Obra na mídia,
conhecido internamente como ‘apostolado da opinião pública’, não são facilmente
perceptíveis para quem é de fora. ‘Em quase todas as turmas do Master’, explica
Fagner, ‘existe alguém com estreita relação com o Opus Dei por ser membro ou
freqüentador e que está inscrito no curso; esta pessoa terá como encargo
apostólico a tarefa de aproximar os outros jornalistas do Opus Dei. Quando não
há um aluno que possa desempenhar esta tarefa entra em cena algum professor mais
carismático para ser o ‘paizão’ da turma e aos poucos e com muita discrição,
aproximar os alunos do Opus Dei.’


‘Sujo e pagão’


A enquete revelou que todos os 21 ex-alunos que responderam às questões
formuladas pelo Observatório negaram ter percebido qualquer tipo de
tentativa de doutrinação durante o curso. A julgar pelo relato de Fagner, é
bastante possível que os respondentes da pesquisa estejam falando a verdade.
Segundo o leitor do OI, ‘é preciso ficar claro que o Opus Dei tem como
objetivo aproximar de 10% a 20% destes 20 alunos do Master a sua seara’.


Fagner se refere às turmas anuais do curso, que têm em média 20 alunos. Como
o Master existe desde 1997, em tese seriam quase 200 editores formados sob os
auspícios do Opus Dei. Deste total, portanto, entre 2 a 4 jornalistas são
‘cooptados’ anualmente pela prelazia. Supondo que na média a taxa média fique em
3, seriam quase 30 editores ou jornalistas em cargos chefia nas redações
trabalhando em sintonia fina com a Obra.


A mensagem de Fagner ajuda também a entender por que os 21 ex-alunos que
responderam à enquete do OI refutaram tão incisivamente a hipótese de o
Master ter caráter um caráter doutrinário. ‘Outra coisa’, escreve o leitor, ‘o
curso é bom’. ‘A consultora Bonnie Anderson, que deu uma entrevista ao Roda
Viva
semanas atrás é professora de um dos 5 módulos do Master. Assisti a
quase todo o módulo no qual a Bonnie era professora’, argumenta, referindo-se à
jornalista norte-americana e ex-vice-presidente da CNN Latin America.


O método da prelazia, portanto, é mais sutil do que se pode pensar à primeira
vista e o Master serve como chamariz para a cooptação não de todos os alunos,
mas apenas dos mais suscetíveis aos ‘encantos’ do Opus Dei. O objetivo de
influenciar a mídia, no entanto, é cristalino: ‘Existe dentro do Opus Dei –
posso falar dentro, pois fui membro da instituição por 4 anos – o congresso
ordinário, que ocorre de 8 em 8 anos. Neste congresso são decididas as metas e
projetos do Opus Dei em todo o mundo e no último congresso ordinário, em 2003,
foi decidido que uma das metas para os próximos oito anos era a da influência
profunda e sistemática do Opus Dei em todos os meios de informação’, escreve o
leitor.


A revelação mais surpreendente revela o grau de organização do Opus Dei.
Segundo Fagner, a prelazia não se limita às mídias tradicionais, como jornais,
revistas e emissoras de rádio e televisão. ‘Decorrente deste objetivo, o prelado
do Opus Dei ou chefão Javier Echevarría decidiu formar diretores e técnicos de
cinema em uma escola do Opus Dei na Espanha para que eles façam filmes que vão
ao encontro do que o Opus Dei prega ou pensa. (…) O Opus Dei considera o
cinema e todo tipo de arte algo muito sujo e pagão, que tem de ser santificado’,
explica o leitor.


Gaúchos e paranaenses


Outra carta que ajuda a esclarecer o alcance e a influência do Opus Dei no
Brasil é assinada pelo jornalista Fábio Carvalho, de Porto Alegre, que reparou,
ao ler a reportagem, que na tabela em que foram apresentados os veículos que
mais enviaram alunos para o Master em Jornalismo, os jornais do grupo RBS não
foram agrupados, o que gerou uma distorção. Assim, quando são somados os
jornalistas do Zero Hora (7) aos do Diário Catarinense (1), O
Pioneiro
(1), Diário de Santa Maria (1) e Diário Gaúcho (2) –
todos da RBS –, o total de masterianos é 12, o que coloca o grupo em segundo
lugar no ranking, à frente da Gazeta do Povo, da Editora Abril e dos
jornalistas free-lancer. O Grupo Estado, no qual do diretor do Master
Carlos Alberto Di Franco escreve regularmente em seu principal jornal, continua
liderando a lista com 13 alunos.


Carvalho também aponta em sua carta que Guilherme Döring Cunha Pereira,
diretor da Rede Paranaense de Comunicação, que publica a Gazeta do Povo,
‘é numerário da prelazia, professor do Master em Jornalismo, tratado como
colaborador íntimo de Carlos Alberto Di Franco pelo sítio dos dissidentes da
Obra, o Opus Livre’. Segundo o jornalista e leitor do OI, Pereira é
descrito no site ‘como ‘pessoa de alma nobre e sensível, inteligência brilhante,
fino senso estético, um verdadeiro aristocrata, introvertido’.


No site indicado pelo leitor, por sinal, é possível encontrar um texto
publicado por Di Franco em 2002 no jornal Estado de Minas, intitulado
‘Mestre da liberdade’, no qual o numerário e diretor do Master explicita não
apenas a condição de divulgador do Opus Dei como também comenta a questão da
importância que a Obra dá aos meios comunicação. Vale a pena ler o original de
Di Franco.




‘Recentemente, o papa João Paulo II aprovou o decreto da Congregação para a
Causa dos Santos sobre um milagre atribuído à intercessão do bem-aventurado,
passo prévio para sua canonização. A figura amável de monsenhor Escrivá e a
força de sua mensagem tiveram grande influência em minha vida pessoal e
profissional. Aproveitando a efeméride, quero compartilhar com você, caro
leitor, duas idéias recorrentes na vida e nos ensinamentos de monsenhor Escrivá:
seu amor à verdade e sua paixão pela liberdade. Trata-se de convicções que
constituem uma pauta permanente para todos os que estamos comprometidos com a
tarefa de apurar, editar, processar e transmitir informação.


‘Peço a vocês que difundam o amor ao bom jornalismo, que é aquele que não se
contenta com rumores infundados, com boatos inventados por imaginações febris.
Informem com fatos, com resultados, sem julgar as intenções, mantendo a legítima
diversidade de opiniões, num plano equânime, sem descer ao ataque pessoal. É
difícil que haja verdadeira convivência onde falta verdadeira informação; e a
informação verdadeira é aquela que não tem medo à verdade e que não se deixa
levar por desejos de subir, de falso prestígio ou de vantagens econômicas.’ A
citação, extraída de uma das entrevistas do fundador do Opus Dei à imprensa, é
um estímulo ao bom jornalismo.


Apoiado na força de sólidas convicções, o pensamento de monsenhor Escrivá
suscita, ao mesmo tempo, uma visão aberta, serena, pluralista. Sempre me
impressionou o tom afirmativo da pregação de monsenhor Escrivá. Sua defesa da fé
não é, de fato, antinada, mas a favor de uma concepção cristã da vida que não
pretende dominar à força da imposição, mas, ao contrário, quer se apresentar
como uma alternativa cuja validade depende da resposta livre do homem.


Sua doutrina se contrapõe a uma doença cultural do nosso tempo: o empenho em
confrontar verdade e liberdade. Freqüentemente, as convicções, mesmo quando
livremente assumidas, recebem o estigma de fundamentalismo. Impõe-se, em nome da
liberdade, o que poderíamos chamar de dogma do relativismo. Essa relativização
da verdade não se manifesta apenas no campo das idéias. De fato, tem inúmeras
conseqüências no conteúdo ético da informação. A tese, por exemplo, de que é
necessário ouvir os dois lados de uma mesma questão é irrepreensível; não há
como discuti-la sem destruir os próprios fundamentos do jornalismo. Só que
passou a ser usada para evitar a busca da verdade. A tendência a reduzir o
jornalismo a um trabalho de simples transmissão de diversas versões oculta a
falácia de que a captação da verdade dos fatos é uma quimera. Com efeito, se a
verdade fosse impossível de ser alcançada, a simples apresentação das versões
(ouvir o outro lado) representaria o único procedimento válido. Pretende-se, no
fundo, transmitir a idéia de uma radical objetividade que, na prática, não
existe. Josemaría Escrivá rejeita essa atitude míope e empobrecedora.
‘Informar’, diz ele, ‘não é ficar a meio caminho entre a verdade e a mentira.’ O
bom jornalista é aquele que aprofunda, vai atrás da verdade que, freqüentemente,
está escondida atrás da verdade aparente. É, sobretudo, aquele que não se
esconde por trás de uma neutralidade falsa e cômoda.


Ao mesmo tempo em que defende os direitos da verdade, monsenhor Escrivá não
deixa de enfatizar o valor insubstituível da liberdade humana – particularmente
da liberdade de expressão e de pensamento – contra todas as formas de
intolerância e sectarismo E, ao contemplar o dogmatismo que, tantas vezes,
preside as relações humanas, manifesta uma sentida queixa:


‘Que coisa triste é ter uma mentalidade cesarista e não compreender a
liberdade dos demais cidadãos, nas coisas que Deus deixou ao juízo dos homens.’
Para ele, o pluralismo nas questões humanas não é apenas algo que deve ser
tolerado, mas, sim, amado e procurado.


Na sua defesa da liberdade, no entanto, não ficava num conceito
descomprometido, mas mergulhava na raiz existencial da liberdade: o amor – amor
a Deus, amor aos homens, amor à verdade. O bom jornalismo, verdadeiro e livre,
está profundamente comprometido com a dignidade do homem e com uma perspectiva
de serviço à sociedade. São muitos os aspectos da mensagem de monsenhor Escrivá
que, devidamente meditados, servem de poderosa alavanca ao fascinante exercício
do jornalismo de qualidade.’


As palavras de Di Franco são suficientemente claras. Se o Opus Dei não busca
influenciar os meios de comunicação, como argumentam colunistas do porte de
Diogo Mainardi, o monsenhor Escrivá andou escrevendo errado por linhas certas e
não está sendo bem entendido.