Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Mídia apressada come cru

O primeiro desafio da imprensa nesta crise ainda sem nome surge no exato momento em que completa quatro meses: como acompanhar com a mesma intensidade o confronto oposição vs. Severino, a prisão de Paulo Maluf depois de 30 anos de expectativa e os desdobramentos da crise propriamente dita nas três CPIs, plenário da Câmara, PT, Santo André, Ribeirão Preto etc., etc.


Se a denúncia do mensalinho de Severino Cavalcanti fosse melhor apurada pelos semanários que a divulgaram (Veja e Época), o presidente da Câmara já estaria fora de combate e o processo de cassação da primeira leva de deputados envolvidos com o mensalão, em velocidade de cruzeiro.


Severino venceu o primeiro embate, teve tempo para encher-se de prepotência e agora tudo vai ficar mais complicado. Sobretudo porque ao governo interessa esticar ao máximo o ‘caso Severino’ para com ele desviar as atenções da opinião publica.


A mídia foi surpreendida pelo rápido desfecho do pedido de prisão de Paulo Maluf e seu filho. Correu atrás da foto de ambos algemados e, esbaforida, esqueceu de chamar a atenção do distinto público para um dado importante: Maluf já poderia estar preso desde o ano passado. Foi agora para o xilindró simplesmente porque o governo precisava urgentemente de outros corruptos e outros ladrões para retirar os seus do foco dos holofotes.


O governo contava com a fascinação da mídia pela figura de Paulo Maluf. Acertou em cheio. Se hoje a maioria dos veículos jornalísticos exulta com a prisão deste que se tornou símbolo da impunidade e da arrogância, convém não esquecer que esta alegria carece de fundamentos históricos.


Achacador de segunda


Maluf sempre se deu muito bem com a imprensa, tanto no plano pessoal como empresarial. Em alguns veículos mandava, em outros desmandava-se. Sempre dava um jeito de vencer resistências. Manteve linha direta com jornalistas de direita, do centro e até da esquerda. De todos os escalões. Sugeria contratações e forçava demissões. Encarcerado, na iminência de perder a fortuna que remeteu para o exterior, imagina-se que ficará calado. Não por muito tempo.


Sua prisão foi comemorada por aquela mídia que tem idade para recordar seu papel (junto com Delfim Netto, seu padrinho) na ditadura militar. Maluf preso, remete para o general Costa e Silva e sua corte, para o Ato Institucional nº 5, general Emílio Médici, os generais da linha-dura, a repressão às greves no ABC paulista. O governo sabe disso, por isso apressou a sua prisão. Pensou na figura do boi-de-piranha.


Para acompanhar tanta bandidagem simultânea, a imprensa será obrigada a uma autêntica refundação. De forma e conteúdo, objetivos e métodos. As redações estão esvaziadas, de língua de fora, mal conseguem cobrir uma coletiva em Brasília num domingo.


As grandes vedetes não têm tempo para uma reflexão antes de começar a batucar no teclado uma das quatro ou cinco matérias que produzem por dia. Entregam-se à primeira indignação, ao primeiro jogo de palavras, à primeira elucubração.


O governo perdeu quase todas as paradas nos últimos 120 dias, mas parece que vai virar o jogo. Reencontrou uma estratégia e a imprensa sequer teve tempo para reparar nisso. No fim de 2003 era parceira do então ministro José Dirceu num plano de salvação do setor com créditos do BNDES. Dois anos depois, quer sacrificar o ex-parceiro a todo custo. Há duas semanas queria espernear, incomodada com os ataques do presidente. Agora contenta-se com uma audiência apressada e formal.


No início da crise parecia cheia gás até para pedir um impeachment. Sossegou. Agora mal consegue reunir provas para comprometer um achacador da segunda divisão.


Se a imprensa não tiver a competência para ajudar o Congresso a livrar-se rapidamente de Severino Cavalcanti, todo a barulheira dos últimos meses terá sido em vão. Volta tudo à estaca zero.