A TV Brasil lavrou um tento jornalístico por ser o único veiculo eletrônico brasileiro a mandar um repórter que cobriu a entrada simbólica de Zelaya em território hondurenho depois de passar a fronteira com a Nicarágua, área onde, segundo informações da resistência ao golpe, foram colocados franco atiradores em posições estratégicas para matar o presidente deposto caso ele volte a atravessar a fronteira.
Em termos editoriais, no entanto, a mesma TV Brasil repete os argumentos sem sentido sobre o desejo de reeleição de Zelaya, igualando-se aos demais canais de televisão, entrando inclusive em choque com os pronunciamentos de Lula em defesa do mandato do presidente hondurenho e o retorno imediato ao país.
A questão da TV Pública, das comunitárias, universitárias e legislativas, é tema para a próxima Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), a ser realizada nos próximos dias 1, 2 e 3 de dezembro em Brasília, e as conferências estaduais, regionais e municipais, marcadas em várias regiões para este mês de agosto.
A realização da Confecom é de grande importância, sobretudo no momento em que no continente latino-americano o panorama midiático também está em fase de transformação.
Recentemente, em um seminário promovido pela Federação Nacional dos Jornalistas em São Paulo, com a presença de representantes de vários sindicatos, foram debatidas questões que estão na ordem do dia e que o setor patronal midiático tenta de todas as formas impedir. Os mais sectários barões da mídia já ameaçam, inclusive, boicotar a Confecom porque não querem a discussão pública de vários temas, entre os quais o da renovação das concessões dos canais de televisão e rádio.
Passar a limpo as concessões canais de TV
No seminário realizado em São Paulo foram apresentadas sugestões a serem encaminhadas à Confecom, destacando-se oito delas formuladas pelo Sindicato de Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro (SJPERJ).
Vale destacar algumas, como a que torna obrigatórias as operadoras e retransmissoras de TV no interior disponibilizarem para o público do interior o sinal do canal da TV Brasil. Muitas cidades brasileiras, no estado do Rio de Janeiro, como a cidade de Campos, por exemplo, recebem os sinais de TVs comerciais, mas o mesmo não acontece com a TV Brasil.
Outro ponto que vale destacar é o de passar a limpo as concessões, levantar quais estão na ilegalidade, recuperá-las para o Estado e que sejam concedidas novamente numa nova política para consórcios de entidades da sociedade civil. Nesse sentido, a ABI, OAB, SBPC, Fenaj e outras entidades sindicais, por exemplo, formariam um consórcio com direito a receber a concessão, numa política gradativa cuja meta é alcançar um total de 30% das concessões para entidades, fundações etc. não comerciais, num prazo de 15 anos, por exemplo, avançando a cada cinco anos em 10%. Isso pode ser a aprimorado. É como se o Estado recuperasse as concessões hoje ilegais para um estoque seu e redistribuísse a partir de uma nova política que vise ao cumprimento do artigo da Constituição que prevê a complementaridade entre o privado, público e estatal: 33% para cada setor.
O SJPERJ sugeriu também a criação de um imposto para o uso do bem público denominado espectro rádio-elétrico, pertencente à União, para formar um Fundo de Apoio à comunicação pública, comunitária, à formação de cursos para a Leitura Crítica da Comunicação, para a instalação de rádios comunitárias em todos os municípios brasileiros, compra de equipamentos, qualificação de recursos humanos etc. Ou seja, os canais de televisão comerciais, como Globo, Bandeirantes, Record etc., terão de pagar pedágio para usar o espaço radioelétrico.
Vale lembrar que as referidas emissoras são as primeiras a defender que os motoristas paguem pedágio para usar as rodovias. Então, por que as emissoras não pagarem o pedágio?
Voz do Brasil, um importante espaço informativo
Outro ponto apresentado pelo SJPERJ é o da defesa da manutenção e qualificação da Voz do Brasil. Este espaço radiofônico dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo é de fundamental importância para milhões de brasileiros que só têm como fonte de informação do Poder Público esse canal. É de fundamental importância que a Voz do Brasil seja mantida no mesmo horário, das 19 às 20 horas, horário em que os brasileiros dos mais diversos rincões sintonizam seus rádios para saber o que acontece no país.
Foi sugerido também que os brasileiros devem receber informações sobre as atividades dos movimentos sociais no espaço da Voz do Brasil, dentro da prédica segundo a qual é necessário que todos os setores sociais do país tenham espaço em pé de igualdade na mídia. Assim, o Estado brasileiro estará colaborando para o aprofundamento do processo democrático, que passa indubitavelmente pela democratização do espaço midiático. Não é à toa que os grandes proprietários de veículos de comunicação estão gastando aos tubos em campanhas publicitárias para acabar com a Voz do Brasil.
Para o SJPERJ é fundamental a criação de um programa de popularização da leitura e publicação de jornais, que seriam distribuídos gratuitamente, publicados por grupos e entidades previamente credenciadas mediante critérios públicos e republicanos, para receberem cota de gráfica e de papel para a produção regular de jornais.
Democratização das verbas públicas
Defende o SJPERJ a democratização das verbas públicas, uma necessidade nos dias atuais, como tem acontecido em países da América Latina. Ou seja, que o Estado brasileiro assegure a distribuição equânime de sua publicidade para os veículos de comunicação. Não tem sentido o critério atual em que só prevalece uma suposta lógica de mercado, ou seja, destinando essas verbas apenas para determinados veículos da chamada grande imprensa.
Para a efetivação imediata dessa proposta, deve ser criada uma Comissão especial para esse fim composta por representantes de entidades representativas da sociedade brasileira, entre as quais a ABI, OAB e Fenaj, que estabeleceriam normas de controle e distribuição das verbas em todas as mídias.
Como se pode observar, se for assegurado o espaço para a apresentação de propostas e concretização das mesmas, a Confecom poderá se tornar um marco histórico na mídia brasileira. Mas se prevalecer apenas o desejo dos barões midiáticos, os grandes proprietários de veículos de comunicação, nacionais e internacionais que querem abocanhar para si o mercado e que pressionam no sentido da Confecom se tornar apenas um evento do gênero convescote, tudo continuará como antes, isto é, os brasileiros perderão mais uma oportunidade de conseguir a democratização dos meios de comunicação.
Em suma: a mídia no Brasil é tema prioritário, pois sem uma mídia democratizada, o país continuará sem aprofundar a democracia na verdadeira acepção da palavra e não apenas a desejada pelos que até hoje controlam os meios de comunicação. E para que isso aconteça, o Estado brasileiro tem uma importância vital. E é por aí que se começa a separar o joio do trigo, pois de pouco adiantam belos discursos pregando a democratização da mídia sem se reconhecer o papel decisivo que joga o Estado, como tem acontecido em vários países da América Latina.
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Em tempo: A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) silenciou totalmente diante das sucessivas violações à liberdade de imprensa que estão sendo cometidas pelos golpistas em Honduras. A SIP ignora, por exemplo, o assassinato por forças militares do jornalista hondurenho Gabriel Fino Noriega, da rádio Estelar, da mesma forma que a militarização de meios eletrônicos como o Canal 36, a Radio TV Maya e a rádio Globo, para não falar dos tiros de metralhadora desfechados contra a cabine de transmissão da rádio Juticalpa, em Olancho, e as ameaças de morte contra jornalistas, entre os quais o diretor do jornal El Libertador, Johnny J. Lagos Enríquez, e o jornalista Luis Galdanes. Todos os fatos mencionados e muitos outros foram confirmados por uma missão da ONU que circulou em Honduras.
A SIP, que reúne os barões da mídia do continente americano, onde têm assento permanente os representantes das Organizações Globo, do Estado de S.Paulo, da Folha de S.Paulo e outros, prefere combater governos que não rezam pela cartilha do conservadorismo, como o da República Bolivariana da Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua etc.
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Jornalista, Rio de Janeiro, RJ