Wednesday, 04 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Mídia encara corrida de obstáculos

Foi tudo muito rápido. Dia 11 de fevereiro, quinta-feira à tarde, reúne-se o Órgão Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), composto pelos 15 ministros mais antigos, para examinar o mais grave caso criminal trazido à Corte: o pedido de prisão preventiva do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, e de outros membros da cúpula do seu governo.

Eis o enredo: às 13 horas, o ministro Fernando Gonçalves, que relatou o inquérito sobre o caso conhecido como ‘panetonegate’, recebeu a petição do Ministério Público do Distrito Federal. Às 14 horas já havia feito seu relatório e telefonou para o presidente do STJ, ministro Cesar Asfor Rocha, que convocou a sessão extraordinária da Corte Especial. Às 17h15m o Superior Tribunal de Justiça determinou a prisão preventiva do governador José Roberto Arruda e de mais cinco pessoas, envolvidas na tentativa de suborno do jornalista Edson Sombra, testemunha do esquema de corrupção que atinge o governo (GDF), empresários e deputados distritais. Minutos depois de decretada a prisão preventiva, o governador deixou a residência oficial de Águas Claras em um comboio composto por seis carros. Ele chegou à Superintendência da Polícia Federal por volta das 17h40.

Em exatas 4 horas e 40 minutos tantas coisas aconteceram: ministro de tribunal superior recebe petição, prepara relatório, telefona para presidente de tribunal superior que por sua vez convoca sessão extraordinária da Corte que desemboca na decretação de prisão de governador eleito – em exercício no cargo – e o único governador preso após o fim da ditadura militar que tomou o Brasil em 1º de abril de 1964. E toda a movimentação foi cronometrada pelo aparato de comunicação.

Emissoras de rádio saíram na frente. Emissoras de televisão fizeram o que sabem melhor fazer: transformaram a notícia em espetáculo ao vivo e em cores e na hora mesma em que os fatos transcorriam. Jack Bauer – o mocinho que salva o mundo anualmente e sempre em exatas 24 horas – não faria melhor. As melhores tomadas devem ter sido a entrada em triunfo do séquito governamental nas dependências da Polícia Federal. E foram as melhores porque eram as únicas disponíveis já que as demais pareciam ser do período paleolítico nesses tempos de ‘tudo pronto na hora’. Estes vídeos antigos mostravam um governador descontraído, acomodado no sofá, apalpando maços de dinheiro.

Renúncia que não houve

Este é o escândalo do vídeotape, como falávamos no século passado. Começou com enxurrada de vídeos mostrando autoridades do Executivo e do Legislativo do Distrito Federal recebendo propina, o roteiro incluiu a devoção religiosa dos meliantes de alto nível e as muitas manifestações de estudantes na Câmara Legislativa e no popular Conjunto Nacional, o mais antigo centro comercial de Brasília, não faltando ainda o recurso cenográfico da cavalaria da Polícia Militar do Distrito Federal em cenas explícitas de atos truculentos na repressão aos manifestantes.

E quem disse que a vida não imita a arte? Não faltaram arapongas, vindos de Goiás, que tentavam captar os movimentos da turma que clamava pela destituição do governador Arruda ou em lances mais ousados desejando inviabilizar o prosseguimento das investigações.

No período assistimos a um carnaval sui generis. Entre uma e outra chamada ao vivo para o Galo da Madrugada em Recife, ficávamos sabendo quem visitava o governador em sua ‘prisão’; entre uma e outra chamada para o desfile da Beija Flor de Nilópolis, no sambódromo carioca, que justo neste ano apresentava enredo homenageando os 50 anos da inauguração de Brasília, tínhamos informação em tempo real sobre a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, negando pedido de habeas corpus para colocar no meio fio o ilustre trancafiado.

E como temos expertise em transformar escândalo político em novela, a quinta-feira (18/2) apresentou capítulo especial com o faz-que-vai-mas-não-vai, faz-que-renuncia-mas-não-renuncia do governador interino Paulo Octavio Alves Pereira. Tudo com direito à solenidade que o ato recomendava: o interino discursando que desejava renunciar ao vistoso cargo público e que já tinha inclusive escrito a carta de renúncia, mas que iria aguardar mais alguns dias. O blefe escancarado de Paulo Octávio, o ato que não se punha de pé por si só, mobilizou todos os telejornais e foi capa dos portais noticiosos de maior audiência na internet. Ou seja, até a não-notícia passou a ter status de notícia.

Ritmo frenético

Misto de carnaval tradicional com carnaval da corrupção, o certo é que boa parte dos veículos de comunicação erraram na mão. Os resultados da pesquisa do Ibope/Associação Comercial de São Paulo sobre a corrida pelo Palácio do Planalto em 2010 não chegaram nem mesmo a ser noticiados nos telejornais de maior audiência no país, como o Jornal Nacional e o Jornal do SBT. Mas não faltou ampla cobertura à renúncia que não houve. Faltou informar a população do Distrito Federal – nem que fossem por breves contornos biográficos – sobre quem se apresenta para suceder o sucessor do governador Arruda – se será o Cabo Patrício ou o Batista das Cooperativas, ambos deputados da muito movimentada Câmara Legislativa do Distrito Federal.

Com o ‘panetonegate’ os jornais impressos amargam incômoda posição de lanterninha na luta pela notícia. Isto mostra que ainda falta muito para prescrever a máxima dando conta que uma imagem vale mais que mil palavras.

A principal conclusão a que chego é que, como já intuía há muito tempo, o Brasil que queremos passa necessariamente por uma maior celeridade do Poder Judiciário. Um pouco do ritmo frenético de Jack Bauer, tão bem cronometrado pelos meios de comunicação, mesmo que apenas uma vez na vida republicana, faz um bem danado à saúde do povo brasileiro.

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Mestre em Comunicação pela UnB e escritor; criou o blog Cidadão do Mundo; seu twitter