Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Mídia Geni faz mea-culpa onde não deve

Pesquisa ainda embrionária sobre o perfil do leitor que comenta neste Observatório indica que aqui nem sempre se concebe a palavra ‘crítica’ em sentido pleno, de ‘análise criteriosa’, o que pressupõe equilíbrio e também elogios, quando o objeto assim os autoriza. A fúria da malhação generalizada, desencadeada pelo suposto complô (que poderia ser mera afinidade ideológica) da mídia contra Lula nas eleições, encontrou no jornalista Alberto Dines seu réu preferencial quando este alertou para a demonização dos meios de comunicação privados. Na realidade, os internautas viveram a euforia de supor que influíram nos resultados da eleição, ao reverberarem entre si a notícia do tal complô.


Curiosa foi a ausência, no episódio, da menção a Noham Chomsky, célebre ativista pela liberdade de informação, e igualmente célebre por ter abandonado uma carreira respeitável como autor de uma complexa teoria lingüística (a ‘gramática gerativa’) e um emprego rentável no Massachusetts Institute of Technology (MIT), para dedicar-se à causa da democratização dos meios de comunicação. Deixou de lado a ‘objetividade científica’ pela postura assumidamente politizada. Em seus livros, editados no Brasil pela UnB, denuncia que é boicotado pela imprensa internacional e suas cartas censuradas na ‘seção dos leitores’.


Chomsky nos é útil para entender o quanto a atitude dos leitores deste OI, quando não partidarizada, era obviamente tão engajada (o que não a desqualifica, no entanto) quanto os meios de comunicação que atacaram em massa. Mas tampouco é científica. A mídia tornou-se a Geni dos internautas que, tal como na definição médica para paranóia, ‘passam a integrar tudo e todos que se lhes opõem a sua lógica’.


Mas o objeto deste artigo é outro. Não é a pesquisa sobre o perfil dos internautas do OI, que, como disse, está em fase germinal, de hipóteses como as de ter atraído um público muito diversificado, fora e além do circuito de estudantes de Jornalismo e jornalistas, principalmente advogados, escritores e professores. O objeto é a mídia virando alvo novamente de condenação, com a morte de modelos por anorexia. Convidada pelo OI na TV, faz um imediato mea-culpa. Mesmo na imprensa escrita, aqui, acolá, fez-se uma autocrítica: ‘Sim, que hipocrisia, nós lastimamos a morte da menina, demos capa, demos manchete, mas ajudamos a propagar os padrões de magreza’.


Lugar errado


Pois se há um lugar onde o padrão de beleza é democrático, este lugar é a mídia brasileira. Considere-se que em números absolutos a obesidade é um problema de saúde bem mais grave que a anorexia; considere-se que os anúncios de comida gordurosa são um contrapeso aos programas de variedades que recomendam dietas saudáveis; considere-se que as musas nacionais festejadas pelos meios de comunicação sempre foram curvilíneas e voluptuosas (desde Sônia Braga e Vera Fischer às atuais Danielas Cicarelli e Sarayba), a ponto de obrigar atrizes e modelos a recorrer ao silicone – e teremos de constatar que as magrelas estão confinadas aos desfiles de grifes.


Duvido que a Playboy convide alguma delas para posar. As beldades dos anúncios de cerveja são Karina Bacchi e Juliana Paes. Gisele Bündchen confessa que na adolescência era ridicularizada por ser longilínea, apelidada de ‘varapau’ e ‘espanador da lua’: é bom que usufrua da fama porque, na vida real, seria trocada facilmente por uma Preta Gil.


O universo da moda é apenas um microcosmo da mídia. Na TV, ele é hipertrofiado (ver ‘Vôo na rota Projac-Miami). O ‘mundinho fashion’ influencia uma camada insignificante, uma elite que lê Vogue e Elle.


Não que a morte da menina não mereça importância ou alarde. Quem não merece malhação é a mídia. O mea-culpa está no lugar errado. Está no lugar do ‘erramos’ no noticiário político das eleições. Este não veio. E parece que não virá.

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Jornalista, pesquisadora do CNPq, professora da Ufes e integrante da Rede Nacional de Observatórios da Imprensa (Renoi)