Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Mídia não é sucedâneo de oposição

É compreensível a tentação da grande imprensa de se ver como única ou principal oposição efetiva ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Se estamos numa democracia, e estamos, apesar dos conhecidos problemas do sistema político brasileiro, reza o figurino que deve haver oposição. Logo, é necessário que alguém faça esse papel. Se não o fazem de forma efetiva os partidos ditos oposicionistas, a mídia se vê empurrada a desempenhá-lo, tanto mais porque – fator que seria preciso analisar do ponto de vista psicológico – jornalistas sempre sabem mais do que podem publicar.

Na época do mensalão, a própria maneira como o escândalo se tornou público reforçou essa tendência, como já havia acontecido na época do impeachment de Fernando Collor. Deputados oposicionistas tinham conhecimento, desde 2004, do esquema inédito de pagamento mensal a colegas situacionistas para garantir apoio ao governo. Nenhum deles subiu à tribuna para condenar a prática.

Quem o fez, em setembro daquele ano, foi um situacionista, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ). Ele encaminhou ao Ministério Público Federal denúncia relativa ao pagamento de mesada a colegas seus. Depois que isso valeu uma manchete do Jornal do Brasil, o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), prometeu mandar investigar a denúncia, mas ficou tudo como dantes no quartel de Abrantes.

Coube à Veja, em maio de 2005, trazer à tona acertos interpartidários no âmbito governista, em reportagem sobre acusações de corrupção nos Correios, empresa da ‘área de influência’ do PTB. A reportagem exibia fotogramas de um vídeo – disponível na internet e reproduzido pelos telejornais – em que um funcionário dos Correios embolsava R$ 3 mil, que seriam parte de uma propina mais polpuda.

A entrevista-bomba

Havia na reportagem acusações contra o presidente do partido, deputado Roberto Jefferson. A oposição propôs uma CPI, o governo tentou evitá-la. Em junho, a Folha de S.Paulo deu em manchete que a operação para abafar a CPI teria envolvido a liberação de R$ 400 milhões destinados a emendas de parlamentares. Parte da base governista passou a apoiar a instauração da CPI. Roberto Jefferson se viu acuado e deu entrevista-bomba à Folha. Falou em mensalão, termo alusivo ao valor da suposta mesada, R$ 30 mil.

Instaurou-se a CPI e subiram à ribalta personagens como o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e o empresário Marcos Valério de Souza, acusado de ser o responsável por abastecer de dinheiro o esquema do mensalão. O PSDB, principal partido oposicionista, que tinha utilizado os serviços de Marcos Valério na eleição de 1998 para governador de Minas Gerais, pôs o pé no freio.

Quem sustentou a artilharia foi a mídia: jornais, revistas, telejornais. Repetidas denúncias contidas em reportagens ficaram sem contrapartida de ação política, no Congresso Nacional ou fora dele. Mas os fatos eram tão graves que motivaram um inquérito ainda em curso no Supremo Tribunal Federal.

Caíram Roberto Jefferson e José Dirceu. Ironia da História, para o lugar de Dirceu na chefia da Casa Civil foi Dilma Rousseff, com o que o mensalão acabou por se ligar à sucessão do presidente Lula.

Estadão denunciou irregularidades no Senado

Registre-se que o Estado de S.Paulo foi o portador de denúncias de irregularidades no Senado que quase provocaram, em 2009, a queda de seu presidente, José Sarney.

A delação do mensalão do DEM de Brasília foi gravada em vídeo pelo ex-integrante do governo do Distrito Federal Durval Barbosa tendo em vista sua repercussão na mídia, nesse caso muito particularmente a televisão. Notar que esse escândalo atingiu e enfraqueceu um setor da oposição.

No único escândalo surgido até agora na atual campanha eleitoral, a violação do sigilo fiscal de pessoas ligadas ao candidato José Serra ou ao PSDB, novamente foi na imprensa, e novamente na Folha e na Veja, que os fatos foram apresentados à opinião pública.

Tudo isso reforça na mídia o sentimento de que lhe cabe exercer virtualmente um papel oposicionista. Esse caminho funciona? Não. A mídia depende de credibilidade, e tomar partido reduz ou elimina a credibilidade. O que a mídia precisa fazer com aplicação cada vez maior é cobrir ‒ sempre com o máximo de lucidez possível ‒ o país real, os governos, os poderes. Esse é o esforço necessário para que ela cumpra seu papel na democracia.

Ficam os editoriais, os artigos assinados, as charges, as colunas, os programas de debates e humorísticos liberados para o exercício da opinião. É legítimo tomar partido na mídia, sim, ou não haveria liberdade de expressão. Mas não no noticiário. A não ser, claro, que a reportagem reproduza opiniões.

O xis da questão, insista-se, é fazer um bom trabalho jornalístico, com visão crítica de 360 graus, e uma boa dose de autocrítica. Esse desempenho é menos frequente do que seria desejável. Até porque não é fácil. Quando acontece, merece registro.

JN no Ar’ mostra um país real

A Rede Globo, disparado a mídia mais importante do país, tem procurado se mostrar mais isenta a cada eleição, escaldada pela péssima repercussão da edição do debate Collor vs. Lula de 1989, que, como se sabe, forçou a mão em favor de Collor.

O dia a dia das campanhas é apresentado em doses cirurgicamente equivalentes. E isso não diz respeito apenas ao tempo destinado a cada uma, mas também à maneira de apresentar os candidatos e suas falas. As entrevistas com os presidenciáveis na bancada do Jornal Nacional foram incisivas, sem deslealdade. Os presidenciáveis foram tratados de forma equânime.

Se a campanha é um teatro regido pelo marketing político, é preciso fazer algo que fuja dessa lógica. E tanto mais quanto mais fica patente a vantagem nas pesquisas da candidata de Lula. Para que o período de campanha não seja dado como encerrado. Porque o favoritismo de Dilma e sua eventual vitória no primeiro turno não tornarão menos necessária a discussão sobre os muitos e sérios problemas do país.

O ‘JN no Ar’, desdobramento da ‘Caravana JN‘ de 2006, revelou-se, na primeira semana de exibição, iniciada em 23 de agosto, uma contribuição positiva. O repórter Ernesto Paglia visitou as cidades de Igarassu (PE), Almirante Tamandaré (PR), Jacundá (PA) e Ponta Porã (MS) e relatou, de forma compacta e direta, os problemas mais sérios que encontrou nelas (os vídeos estão disponíveis no site do Jornal Nacional).

A série funciona, talvez involuntariamente, como um antídoto contra o Brasil de mentirinha mostrado logo depois do Jornal Nacional, no horário eleitoral, por quase todos os partidos.

O caminho da mídia é o da informação qualificada ‒ que necessita de um corpo articulado de profissionais, com os quais dialoguem cidadãos-colaboradores. Análise, que se torna artigo cada vez mais frequente, é bem-vinda. Mas se a mídia se engajasse com a ideia de substituir os partidos políticos, o Brasil teria problemas graves para desenvolver sua democracia. O que tornaria ainda mais difícil adotar, estender ou aprofundar políticas públicas capazes de enfrentar a característica mais negativa do país – a desigualdade social.

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Jornalista