Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Mídia não ligou o alarme

Não são muitos os países que exibem em seus quadros de altos executivos um jornalista-banqueiro. O Brasil tem este privilégio – e Alcides Amaral, ex-presidente do Citibank, diplomado em jornalismo pela Cásper Líbero, mostrou na quinta-feira (18/9), na página A-12 do jornal Valor Econômico, os seus duplos atributos com uma análise contundente da crise financeira [ver abaixo].


Fala-se muito em crise sistêmica, mas o nosso jornalista-banqueiro aponta as falhas humanas como principal responsável pela catástrofe. Segundo Alcides Amaral, as falhas começaram com as agências de ratings – os radares do sistema que não conseguiram entender o que se passava antes e depois do estouro da bolha hipotecária em fevereiro de 2007.


A principal acusada por Alcides Amaral é ‘a filosofia do bônus que imperou de forma irresponsável por todo o sistema financeiro. Bônus de milhões de dólares para aqueles mágicos que estavam gerando expectativa de lucros fabulosos para as suas instituições’.


Função crítica


A irresponsável ‘filosofia do bônus’ subverteu as normas de trabalho: salários eram ínfimos se comparados com as bonificações, ninguém pensava no ano seguinte, apenas no balancete do fim do mês. O bônus criou uma euforia que se ajustava muito bem ao ciclo de prosperidade da economia mundial.


Nosso colega, porém, não discute o papel da mídia na crise. Pode-se dizer que a mídia falhou ao abandonar sua função crítica, preferiu pegar carona na bolha imobiliária. Para vender ou comprar imóveis é preciso anunciar imóveis, financiamentos e créditos generosos.


Qual o jornalista que teria a coragem de ligar o alarme no meio do fantástico faturamento do seu veículo com publicidade imobiliária? O resultado é esta reprise do crash de 1929.


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O fator humano na crise americana


Alcides Amaral # reproduzido do Valor Econômico, 18/9/2008; intertítulos do OI


O estouro da bolha imobiliária americana gerou prejuízos enormes para os bancos dos países ricos. Os americanos, especialmente Citigroup e Merrill Lynch, e o UBS (suíço), foram aqueles que até agora registraram as maiores perdas – todas superiores a US$ 35 bilhões – e, o pior, não vai parar por aí. Estimava-se pessimistamente que a provisão global dos bancos com o estouro da bolha, que ficou mais conhecida como a crise do subprime, seria de US$ 500 bilhões, e hoje já há quem multiplique por três ou por quatro esse valor face ao alastramento dos problemas, atingindo moradias de maior valor, cartões de crédito, empréstimos pessoais etc. Foi um gigantesco castelo de cartas que desmoronou, pegou a todos de surpresa pelas cifras envolvidas e não há dúvida de que o sistema financeiro do Primeiro Mundo será, doravante, bem diferente.


Pois bem, esse é o lado financeiro da crise que mais preocupa a mídia e os analistas. Pouco ou nada se falou, até agora, do ‘fator humano’ da crise, onde milhões perderam e alguns milhares ganharam.


Inicialmente, é bom que se diga que nunca na história do sistema financeiro internacional se viu tanta incompetência ao mesmo tempo. O Fed , que tem como uma das suas principais funções fiscalizar os bancos, não viu a bolha crescer e, depois que ela estourou, não teve alternativa que não despejar bilhões de dólares para dar liquidez ao sistema e segurar os grandes bancos comerciais e de investimento dos EUA. Como dizem os amigos do Tio Sam, esses bancos – Citi, Merrill Lynch etc – são ‘too big to fail’. Portanto, falha imperdoável de análise dos técnicos do Fed, que por certo ganharam atrativos bônus antes da bolha estourar.


As companhias de ratings também não foram capazes de enxergar um palmo à frente do nariz nas suas análises. Com ratings de investment grade, motivaram muitos a comprarem tais papéis lastreados em hipotecas de pessoas das classes C e D. Também ganharam seus polpudos bônus e agora assistem tranqüilos o castelo de cartas desmoronar.


Nos bancos, as coisas não foram diferentes. Cada um deles possui auditoria interna independente que verifica periodicamente a qualidade da carteira de crédito da sua instituição. Também foram envolvidos pela euforia global, receberam seus bônus e os seus bancos estão hoje tendo que amargar pesadas perdas por mais essa prova de incompetência.


Crença no milagre


Como podemos verificar , em termos de supervisão, houve uma falha coletiva que levou o americano a pensar que se tornara rico da noite para o dia. Conversando com um motorista de táxi em Nova York, no outono de 2006, perguntei a ele se não estava preocupado com a valorização – que a mim já parecia excessiva – dos imóveis nos Estados Unidos. Respondeu-me que sim, que comprou sua casa financiada por US$ 300 mil e que, naquele momento, valia US$ 700 mil. Acreditava que um ajuste iria ocorrer, e que o preço de sua moradia iria cair para uns US$ 500 mil. Hoje, infelizmente, deve ser um daqueles que está ‘sem teto’, devido à queda do valor dos imóveis e à completa falta de liquidez. Assim como esse motorista, milhões de americanos de baixo poder aquisitivo viram seu sonho de possuir sua casa própria (juro atraente e prazos de até 30 anos) transformar-se em pesadelo.


Não bastasse, a ânsia de ganhar dinheiro mais rápido fez com que milhões de americanos fossem aos seus bancos e tomassem a segunda e, depois, a terceira hipoteca sobre o mesmo imóvel, para comprar casa na praia, mobiliário novo, viajar etc. E, assim, os bancos aumentaram suas carteiras de crédito de forma agressiva, o que, na teoria, geraria muito mais lucro nos anos seguintes. Esses gerentes também ganharam seus polpudos bônus e, por tabela, toda sua linha de supervisão até chegar ao chairman da instituição financeira. Lucros gigantescos – até aquele momento –, bônus igualmente gigantescos.


O que a crise imobiliária evidenciou claramente é que a ‘filosofia do bônus’ imperou de forma irresponsável por todo o sistema financeiro. Bônus de milhões de dólares para aqueles ‘mágicos’ que estavam gerando a expectativa de lucros fabulosos para suas instituições. Esse foi o grande mal do sistema, pois o bônus passou a ser muito mais importante do que o salário. Estruturas criativas são elaboradas, bilhões de dólares são teoricamente gerados e, da noite para o dia, milhares de jovens executivos e seus ausentes superiores tornam-se milionários.


Enquanto isso, o ‘povão’ – que existe também por lá, não só por aqui – perdeu tudo o que tinha, pois acreditou no milagre da casa própria. Como o ex-famoso Greenspan baixou a taxa de juro para 1% ao ano, todos voltaram-se para o mercado imobiliário, pois os investimentos financeiros pouco rendiam.


Resultados efetivos


O que causa maior espanto é que os banqueiros, aqueles responsáveis pelas instituições que amargaram prejuízos de bilhões de dólares, mesmo demitidos (ou chamados a se demitirem), saíram dos bancos mais ricos do que entraram. Não foram capazes de avaliar que toda bolha um dia estoura e foram premiados pela aposentadoria precoce. Quem trabalha 35/40 anos em uma empresa, aposenta-se com algum benefício, mas longe de tornar-se rico. Lá na cúpula dos bancos o tratamento é diferente. Ao invés de saírem ‘algemados’, deixam os bancos com os bolsos carregados de dólares, além de benefícios adicionais. Diante dessa realidade, a pergunta que fica é: onde está a vantagem de trabalhar honesta e corretamente a vida inteira diante dessa extraordinária injustiça?


Enfim, esse é mais ou menos o quadro de como ficou o ‘fator humano’ diante dessa crise toda que ainda está por aí e não irá desaparecer tão cedo. O pobre, aquele cidadão que viu a possibilidade de ter sua casa própria, ficou pior do que estava. E aqueles que criaram o problema, ganharam bônus significativos e tocam suas vidas sem maiores preocupações.


Não temos nada contra premiar boa performance com bônus, muito pelo contrário. Mas devemos fazê-lo com moderação, baseados em contribuição e resultados efetivos, e não na expectativa de lucros fabulosos. [Alcides Amaral é jornalista, ex-presidente do Citibank S/A e autor do livro Os limões da minha limonada]


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Precisa de emprego? US$ 17 mil por hora


Nicholas Kristof # reproduzido de O Globo, 19/9/2008


Você é capaz de assumir uma empresa de 158 anos em perfeitas condições e torná-la pó? Você deveria fazer como Richard Fuld, o presidente do Lehman Brothers. Ele levou para casa quase meio bilhão de dólares em compensação entre 1993 e 2007.


Ano passado, ganhou cerca de US$ 45 milhões, de acordo com a Equilar, uma empresa que faz pesquisas sobre salários de executivos. Isso significa cerca de US$ 17 mil por hora. Se você é capaz de jogar uma empresa no chão por menos, então, ligue para o Lehman Brothers.


Fico feliz em anunciar que Fuld – que continua a dirigir o Lehman – é o ganhador do meu prêmio por baixa governança corporativa. Um dos grandes problemas nacionais é o aumento da desigualdade, exacerbada por executivos ajudando a si mesmo com o dinheiro de acionistas.


Há 30 anos, presidentes ganhavam geralmente de 30 a 40 vezes o salário de um funcionário médio. No último ano, o salário de presidentes de grandes companhias públicas foi 344 vezes maior que o de trabalhadores médios.


John McCain acredita que o problema dos executivos é ganância. É claro que são gananciosos.


Todos somos. O verdadeiro problema é de governança corporativa, que permite uma vigilância muito frágil sobre a ganância de executivos como Fuld.


Estes colossais pagamentos são em parte resultado de subsídios de contribuintes. Estudo divulgado há algumas semanas pelo Instituto para o Estudo de Políticas, em Washington, encontrou cinco elementos no código tributário que incentivam o pagamento excessivo a executivos, que custam US$ 20 bilhões por ano. O valor é suficiente para exterminar os vermes de todas as crianças do mundo e reduzir a mortalidade materna mundial em dois terços. Realmente acreditamos que executivos merecem mais os dólares de impostos que crianças doentes? Talvez seja compreensível que executivos sejam pagos por seu sucesso, mas por que pagar quantias extraordinárias quando fracassam?


Stanley O’Neal, ex-diretor executivo da Merrill Lynch, se aposentou ano passado, depois de levar a empresa para o penhasco, e saiu com US$ 161 milhões.


Existem amplas discussões técnicas para evitar o pagamento exagerado a executivos que devemos avançar. Podemos também aprender com Grã-Bretanha e Austrália, que oferecem mais direitos aos acionistas que os EUA.


Quanto ao senhor Fuld, infelizmente ele não quis comentar esta coluna. Recebendo US$ 17 mil por hora, talvez para ele não valesse perder tempo com isso. [Nicholas Kristof é colunista do New York Times]