Na sexta-feira (26/8), em Quixadá (CE), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiu no palanque para inaugurar algo que já funcionava havia um ano e aproveitou para fazer o seu número completo: deixou de lado o discurso preparado para não ser lido e atacou com um improviso de meia hora, certo de que colheria algumas manchetes no dia seguinte.
Conseguiu, graças a uma provocação logo no primeiro minuto, ao conclamar os presentes a serem os mensageiros das boas notícias para ‘aquelas aves de mau agouro que não querem enxergar um dedo na frente do nariz. (…) Essas pessoas que estão aqui precisam saber, e eu faço questão de dizer em todo lugar, muitas vezes a imprensa não escreve mais de tanto que eu já falei, mas eu vou continuar falando, porque vocês não lêem a maioria dos jornais publicados neste país’.
A frase está longe de ser um modelo de clareza; a bisonha sucessão de orações intercaladas talvez pretendesse um efeito sutil, irônico, mas a distância entre a expressão ‘aves de mau agouro’ e o substantivo ‘imprensa’ foi grande demais para ser entendida como alusão direta.
E, no entanto, na mesma sexta-feira, alguns sites de notícias já proclamavam em manchete que o presidente Lula chamara a imprensa de ‘ave de mau agouro’. No dia seguinte (sábado, 27/8), o Estado de S.Paulo sapecou na primeira página: ‘Lula diz que está sofrendo muito e acusa a imprensa’. A Folha de S.Paulo foi mais cautelosa: ‘Lula insinua que mídia e políticos são aves de mau agouro’. O Globo escapou da armadilha e preferiu destacar a fala do ministro Ciro Gomes, encarregado de expressar algo parecido com um mea-culpa oficial.
Procedimentos desairosos
A manifestação presidencial foi pífia tanto pelo dito como pelo que pretendeu dizer. Não justificou a repercussão, sobretudo porque naquela mesma sexta-feira o mercado financeiro aguardava nervoso as trepidações sabáticas dos semanários.
As expectativas não se confirmaram: Veja, enfiou o rabo entre as pernas e, pela primeira vez em muitas semanas, preferiu uma capa em tom menor, menos sensacionalista. Os demais semanários contentaram-se com escândalos de segunda linha.
A mídia diária tentou vestir a carapuça de ave de mau agouro para assegurar uma retaliação capaz de manter a temperatura até a terça-feira seguinte, quando recomeçariam os depoimentos nas CPI’s. Ficou evidente que a mídia agarra-se mais às chances de fazer barulho do que ao empenho em avançar nas investigações.
Isso é péssimo: quando o público perceber que a mídia tenta esquentar o noticiário começará um processo de saturação que pode ser o precursor de um desfecho-pizza.
A verdade é que a imprensa não se preparou para os inevitáveis intermezzos mesmo num ciclo de escândalos com essas colossais dimensões. Arvorou-se dona de um arsenal inesgotável capaz de mantê-la acelerada até o fim do ano. Subiu o tom e aumentou a pressão imaginando que só isso bastaria para movimentar a bola-de-neve iniciada em maio. Jogou todas as fichas no ‘efeito Buratti’ e o resultado foi desastroso.
Veja teve que engolir as respostas do ministro Palocci e, na edição corrente (nº 1920, de 31/8) sequer replicou, obrigada a um recuo nada honroso. Não teve a compostura da Folha de S.Paulo, que em duas edições sucessivas (sexta e sábado, 26 e 27/8) ofereceu minuciosas explicações aos leitores sobre os métodos empregados por um repórter para forçar a ex-mulher de Rogério Buratti a revelar informações sobre os seus negócios e/ou relações com Palocci [veja aqui as explicações da Folha].
A transparência do jornalão em admitir procedimentos desairosos (que não chegaram a produzir matérias) deveria ser adotada como paradigma. Pena que não mereceu comentários na coluna dominical do ouvidor Marcelo Beraba (edição de 28/8).
Profissionalismo e persistência
Tudo indica que encerra-se a fase 1 do furacão que devastou o quadro político brasileiro. A plácida edição do Jornal Nacional de segunda-feira (29/8) – a despeito das imagens dramáticas do outro furacão, o Katrina –, mostra que estamos às vésperas da fase 2. Obrigatoriamente mais contundente, responsável, com padrões de exigência mais rigorosos do que os vigentes até agora.
Os 525 tipos de irregularidades encontradas nos Correios e reveladas pelo Globo (domingo, 28/8) indicam que, doravante, a apelação precisará ser trocada pela diligência. Indignação cansa e só produz indignação na direção contrária.
O parajornalismo identificado por Luís Nassif precisará ser substituído por um metajornalismo – mais profissional, persistente, incapaz de assustar-se com almas do outro mundo. Ou aves agourentas.