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Fernando Rodrigues – Dines, o que acontece é o seguinte, há uma diferença – vou pegar até um gancho na sua apresentação do programa [ver remissão abaixo para o editorial e a resenha do programa] – entre os casos do ministro da Fazenda e o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. No caso do ex-ministro há os indícios, a mídia noticiou os indícios, e a oposição tinha o desejo de torpedear o ex-ministro José Dirceu. Agora a mídia publica indícios, tudo aquilo que coleta sobre o ministro da Fazenda, só que a oposição demonstra uma certa inépcia de fazer o papel de oposição – a gente não sabe se é isso ou se a mídia realmente não deseja que ele saia do lugar. Então não existe essa situação em que só a mídia é capaz de torpedear. Se a oposição não deseja alguma coisa, é muito difícil, por mais evidências ou indícios que existam. No caso do ministro Palocci, o que nós estamos assistindo, desde a semana passada, é um festival de perguntas mal formuladas, o ministro mal questionado quando vai ao Congresso. Enfim, a oposição, para usar da terminologia popular, vem dando bastante mole pra ele, quando ele se solta para contar aquilo que aconteceu no passado da vida política dele. Talvez, por isso, exista essa impressão – que eu acho que é só uma impressão – de que a mídia só apresentou fofocas, indícios a respeito do Palocci e que não está conseguindo provar alguma coisa. Na realidade, o papel da mídia foi mostrar ao governo que órgãos públicos de investigação de Ribeirão Preto noticiaram isso, e a oposição não quer investigar de fato isso ou questionar o ministro a respeito disso tudo.**
Alberto Dines – Gilberto, na sua longa experiência, muitos ministros da Fazenda passaram a seu lado. Como você faz uma comparação rápida, por exemplo, do grande czar da economia na ditadura, o Delfim, e alguns da fase democrática? Eu gostaria que você comparasse.**
Gilberto Menezes Côrtes – Na época da ditadura, nós, jornalistas de economia, tentávamos mostrar os pontos negativos ou os pontos frágeis da economia porque aquele modelo político tinha um calcanhar de Aquiles. Então havia essa preocupação muito grande dos jornalistas, e o Rio de Janeiro era um centro irradiador porque era um centro político, era um centro econômico ainda forte. E, como aqui havia o centro financeiro, uma tradição de 200 anos, havia a contradição. Era complicado. Hoje eu vejo que, naquela época, o Delfim era um ministro que tratava muito mal a imprensa. Quando ele não conseguia numa entrevista impedir você de perguntar, ele ligava para os chefes, para os donos dos jornais e tentava impedir. Se isso era mais democrático… ele tinha prazer de discutir, de convencer você, como jornalista, irradiador da opinião pública. E outros ministros foram muito mais didáticos. Eu vejo o ministro Palocci, que não é um economista, como o ‘ministro Lexotan’. Ele consegue acalmar o mercado.Agora, acho que ele vive um período… como o Rio de Janeiro deixou de ser o centro financeiro, esvaziou-se economicamente, e esvaziou-se também o jornalismo econômico… Eu me lembro que, na década de 80, o Rolf Kuntz deve se lembrar, a primeira página da Gazeta Mercantil quase que vinha toda do Rio. Vários jornais vinham do Rio, hoje isso não existe mais. Brasília era um mero repetidor. Como não havia mercado, não havia o outro lado para você fazer o contraditório. E São Paulo, que absorveu o centro financeiro nos últimos 10 anos, não absorveu essa tradição de polêmica que o Rio tem. Então, eu acho que hoje em dia é muito mais fácil para um governo ou para um ministro da Fazenda vender a sua verdade. Porque não é necessariamente uma questão de ver o que o ministro fez ou não fez no passado. Talvez seja preciso discutir a qualidade da política econômica, se a dose do remédio já não foi um pouco excessiva e se os efeitos colaterais, que parecem evidentes, já não estão prejudicando a economia. Acho que essa é a questão mais fundamental hoje.
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Alberto Dines – Rolf, como você vê o aspecto macroeconômico? Você escreveu um artigo no Observatório online [ver remissão abaixo] mostrando que atrás disso tem aquela velha pendência entre os gastadores e os austeros, será que é isso? Como você vê essa questão macro econômica projetada na mídia?’.**
Rolf Kuntz – As pressões contra o ministro Palocci não começaram agora, elas começaram há muito tempo. Desde o início do governo, ou pelo menos desde o segundo ano do governo, o vice-presidente da República e outros ministros e empresários exercem alguma pressão sobre o Ministério da Fazendo e sobre o Banco Central cobrando um certo relaxamento da política. A aproximação das eleições criou a ocasião para que essa pressões crescessem e a ministra Dilma Rousseff foi o instrumento para que houvesse essa intensificação das pressões. Ela foi obviamente estimulada a cumprir esse papel, cumpriu de uma maneira um tanto desastrada e abriu, como se disse antes, uma crise dentro da crise.A discussão toda, do ponto de vista da política econômica, está, a meu ver, mal colocada. Na verdade, a política fiscal não é tão apertada quanto se diz. Ela poderia ser oficialmente um pouco mais apertada. Eu imagino que seria possível produzir esse plano de ajuste de longo prazo que tem sido proposto. Mas, sobretudo, as dificuldades dessa área teriam sido pouco discutidas, por exemplo: há alguns anos é evidente que o orçamento brasileiro é inadministrável. O governo deveria ter tomado a iniciativa de propor uma discussão séria a respeito da reorganização da estrutura orçamentária, mas ele não tem coragem política de fazer isso.
Esse tema foi posto em discussão interna pelo Ministério da Fazenda. Um estudo da reorganização do orçamento constou como compromisso técnico nos acordos com o Fundo Monetário, mas essa discussão raramente aparece em público e raramente ganha o espaço necessário. E, sem que se enfrente esse problema, não vamos chegar a lugar algum num prazo muito curto. Eu penso que, como primeira aproximação, a questão seria essa. Mas o problema central está na área fiscal, não está na política monetária. A política monetária é meramente uma conseqüência de dificuldades que ocorrem na área fiscal. Claro, pode-se discutir se a taxa de juros é excessiva, mas não há como pensar numa política monetária se esse problema fiscal não for resolvido. O problema fiscal tem sido definir certos objetivos políticos que sejam concentrados, aquele mínimo que constitui uma base de acordo em qualquer país em posição de crescer sustentavelmente durante um período mais ou menos longo. Esse acordo foi encontrado em vários países, mas no Brasil ainda não.
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Alberto Dines – Rolf Kuntz, o Gilberto Menezes Côrtes falou antes uma coisa muito interessante, muito importante para nós que já vivemos aqui no Rio de Janeiro. É que antigamente havia uma bipolaridade da mídia. Você tinha uma mídia aqui no Rio, que era um centro financeiro, econômico e administrativo também, e você tinha São Paulo, mais voltada para os negócios. De repente, ficou tudo pendendo para São Paulo, apenas o Globo sozinho aqui. Você acha que a imprensa não está conseguindo apertar bem, ou ela está dependente de ‘Fiesps’ e desses grandes grupos de pressão que estão baseados em São Paulo?**
Rolf Kuntz – Não sei se eu diria que a imprensa está dependente desses grupos de pressão que estão em São Paulo. Obviamente esses grupos são importantes, eles têm um certo peso, eles representam uma coisa dentro da economia. Eu acho que a imprensa acompanha muito Brasília. Uma das acusações habituais à imprensa é que ela reproduz excessivamente aquilo que é visto em Brasília, talvez por dar menor atenção às fontes privadas. Não penso que o problema seja ter a imprensa situada em São Paulo ou no Rio, obviamente. Na medida em que nós temos um grande peso na formação econômica hoje em São Paulo, eles podem produzir alguma diferença em relação ao que ocorria, digamos, há 20, 25 anos, mas realmente não me parece que a questão geográfica seja mais relevante.O que eu penso é aquilo que você chama de equilíbrio, isto é, a possibilidade de uma cobertura ampla, que ofereça ao leitor todos os dados relevantes: é muito mais um problema dos meios de comunicação do que de situação geográfica. Eu daria uma resposta um pouco mais cínica a respeito deste problema. O que me deixa menos satisfeito, em toda a cobertura que está sendo feita ao longo dessa crise, não decorre de algum desequilíbrio intencional da imprensa, isto é, do fato de que a imprensa esteja pendendo para o lado do ministro, ou de que a imprensa esteja atuando contra o ministro. O que me deixa insatisfeito é a incompletude da cobertura, é o fato de que a imprensa não está contando toda a história.
Está havendo um esforço evidente mas a fatos que não estão bem ligados, não estão claros. Por exemplo, como o setor privado está se articulando, se é que está se articulando nas suas pressões pela mudança da política econômica e com os políticos que são candidatos a assumir o ministério. Não está claro, por exemplo, a coincidência temporal nas declarações do presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, e as declarações do presidente da Fiesp – são fatos apenas de coincidências. Se tudo isso é apenas coincidência eu tenho minhas dúvidas. Seria preciso olhar mais essas histórias, como seria preciso também olhar mais a própria articulação das pressões dentro do governo.
O Estadão divulgou há poucos dias uma nota que indicava que a ministra Dilma Rousseff vinha funcionado como um canal de voz para ministros descontentes com Palocci. Até o momento, não tinha havido uma matéria que tentasse mostrar com suficiente clareza esse tipo de atuação no governo. Então, eu não poria a questão do equilíbrio em termos de inclinação da imprensa, em termos de preferência ou em termos de intenções. Para mim, é questão de natureza técnica, de saber se a imprensa está fazendo tecnicamente o serviço que deveria fazer, se os repórteres estão levantando as histórias que deveriam levantar, se os pauteiros estão pensando suficientemente no assunto, e se os editores estão realmente atentos na hora de publicar o material.
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Alberto Dines – Fernando, eu queria que você respondesse a minha pergunta sobre a oposição meio incompetente, não alimentando a imprensa, e, se puder aproveitar, engrenar uma resposta também completando o raciocínio do Rolf Kuntz.**
Fernando Rodrigues – Eu concordo com o que o Rolf disse, eu acho que um dos problemas que a gente vive muito no jornalismo diário é a nossa incapacidade crônica de nos aprofundarmos em determinados temas. E, embora o jornal seja aquele local mais inflexível de todas as mídias, ainda assim a gente sofre um pouco com isso. Eu concordo com o Rolf quando ele disse que a gente tem esse problema de incompletude em nossa cobertura. Sobre o que você falou, Dines, eu acho o seguinte: a oposição é a oposição, a mídia é a mídia, são entidades separadas. Veja só, no início do programa até a Miriam Leitão falou corretamente: ‘O Globo outro dia listou todos os problemas nos quais estaria citado o ministro Palocci’. A Folha de S. Paulo, no dia seguinte ao depoimento do Palocci à Comissão de Assuntos Econômicos, fez uma reportagem muito minuciosa com seu correspondente de Ribeirão Preto dizendo que tal contrato tem preço muito maior do que depois ele passou a ter quando o Palocci saiu da prefeitura – mil detalhes quase que bizantinos dos problemas de eventuais malfeitos que o ministro possa ter cometido lá atrás.Hoje a gente viu o ministro o dia inteiro falando na Câmara e o que os deputados perguntam, a maioria deles? Uma baboseira tremenda. Qualquer telespectador que possa ter assistido viu isso, são perguntas às vezes que não têm a menor procedência. Existe deputado que pergunta assim: ‘Ministro, o senhor pretende ficar no cargo de ministro?’ Só falta o Palocci responder: ‘Não, Pedro Bó, eu vou embora agora que você está me sugerindo isso.’ É um absurdo, o nível dos deputados é rasteiro, as perguntas são péssimas. É a isso que eu estou me referindo. A imprensa tem que publicar o que está acontecendo, o que aconteceu. É claro que, quando vai se dar procedência a tudo isso que seria o Congresso, que é o local adequado para o ministro se explicar, os deputados não perguntam. Não tem nenhum deputado capaz de pegar um contrato e esmiuçar na frente do ministro da Fazenda e solicitar informações a ele. O ministro, que é esperto, não nasceu em Minas Gerais, mas parece um mineiro, é muito agradável, e de fato ele é uma pessoa educadíssima, acaba se saindo bem.
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Alberto Dines – Gilberto, nesse seu convívio com os ministros, deixando o Delfim, que era realmente um autoritário e acho que continua sendo, do período democrático, qual o ministro que chamou atenção pela postura, pela serenidade, pela capacidade de explicar inclusive esses assuntos?**
Gilberto Menezes Côrtes – Em matéria de explicar eu diria o Simonsen, agora, não era necessariamente um grande político. Ele não tinha gosto pela política. O Simonsen, quando assumiu o governo Figueiredo, na transição do governo Geisel, tinha feito um ajuste externo, e queria fazer um ajuste nas contas públicas, um pequeno desaquecimento de 3% a 5%. Os empresários paulistas reclamaram que isso era recessão – era 1979; o Delfim, que era ministro da Agricultura, que tinha ambições para o governo de São Paulo e depois eventualmente presidente da República, também começou a torpedear.Resultado: o Simonsen pediu o boné, mais ou menos como nessa briga do Palocci: gastar ou não gastar. O que aconteceu é que o país cresceu, em uma década, menos de 3% – 1% ou 2%. Não quero nem entrar em questões se o ministro é culpado. Acho que o debate econômico está muito ruim e acho que é pelas vias como nascem as notícias hoje no Brasil. Antigamente, o noticiário saía às 19h, 20h da noite, sem tempo de a redação trabalhar. Hoje, o Banco Central, o IBGE, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio soltam dados às 9, 10 da manhã. Infelizmente ou felizmente, nós temos a internet, e agências de notícias que querem colocar notícias no ar de imediato. E aí o governo vende as pílulas cor-de-rosa. Ele vende a notícias e as pessoas compram aquilo, o press release. Na época da ditadura havia o press release, mas nós reescrevíamos para recalcular – o Rolf deve se lembrar dessa época – e nem sempre a verdade era a do governo, sempre tinha o outro lado da moeda.
Por exemplo, outro dia o IBGE deu um dado impressionante, dizendo que, depois de três meses de estabilidade e emprego, a tendência era de queda do emprego, que tinha havido uma queda e estabilizou. E a imprensa toda reproduziu isso. Resultado: no mês seguinte, o mercado ativo já estava indicando que a taxa de juros estava alta demais, a economia desacelerou e o emprego subiu de novo. A economia está desacelerando e, no entanto, o presidente Lula continua dizendo que a economia está crescendo muito. No ano passado, crescemos 4,9%, o mundo cresceu mais de 5%; este ano o mundo está crescendo 4% ou 4,5%, e o Brasil vai crescer 3%. Nós estamos crescendo, mas muito menos e perdendo oportunidades.
Acho que esse é o debate em que a política econômica devia estar se aprofundando. O Rolf tem completa razão. Você trocar uma política fiscal mais ou menos consistente por uma redução de juros. Agora, manter os juros elevados… já está realimentando o déficit público. A questão é: vamos discutir se a questão da previdência, a questão da qualidade dos gastos, como fazer, aprofundar determinadas reformas. Isso é a discussão da economia. Como gerar empregos, como melhorar investimentos em tecnologia. O Brasil não pode ser um eterno exportador de menos-valia industrial, porque aí vamos ficar em reboque da distribuição de renda, de crescimento, de uma série de coisas da economia mundial.
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Alberto Dines – Você acha que a proximidade das eleições está atrapalhando? A imprensa já não está muito eleitoreira e não está conseguindo amarrar essa cobertura analítica reclamada pelo Rolf Kuntz?**
Gilberto Menezes Côrtes – Pode ser. Eu acho que é uma hipótese a ser considerada, mas eu não acredito que essa seja a razão pela qual nós não estejamos refletindo o tanto que talvez devêssemos a respeito disso que o Rolf falou agora há pouco. Porém, eu também acho que a mídia, no caso atual, tem um cardápio de escândalos tão grande à sua frente, tem tantas janelas que precisam ser observadas nessa crise… e ela tem que cuidar de investigar todos esses casos. Há uma certa sobrecarga, de fato, a respeito desse setor de investigação da mídia. Todos os esforços, ou quase todos, estão voltados para não tomar furo algum nessas investigações todas. As frentes são inúmeras, eram três CPIs até outro dia. Uma acabou, mas continuam duas e, em cada uma dessas, há dezenas de frentes a serem consideradas. Talvez isso esteja drenando toda a energia da mídia e impedindo um pouco de fazer uma reflexão mais profunda sobre esses outros temas.**
Rogério da Costa, do Rio de Janeiro – Professor Kuntz, o senhor acha que a imprensa tem tido o mesmo comportamento com o governo Lula que teve com o governo FHC?**
Rolf Kuntz – Eu não vejo nenhuma diferença substancial da cobertura. Acho que a imprensa tem procurado cobrir os fatos, apesar das críticas que eu fiz, a informação tem sido transmitida. Eu poderia dar o exemplo aqui do dia em que houve o interrogatório do Buratti em Ribeirão Preto e, naquela ocasião, um promotor que participava do interrogatório saía a todo instante e dava informações a respeito do andamento das perguntas e respostas. As agências transmitiram o julgamento praticamente on-line, dando força de cada frase, de cada informação que era dada. E o que se disse ali de escandaloso, de errado, foi uma coisa espantosa. Tanto que houve quem dissesse que aquele promotor havia extrapolado, havia ido além do que ele poderia fazer. Os jornais têm publicado os detalhes a respeito dos contratos, das dúvidas, quanto à legalidade das ações praticadas nas ações realizadas na prefeitura de Ribeirão Preto e assim por diante. Não me parece que a imprensa esteja sendo mais ou menos linear em relação a esse governo do que com relação a Fernando Henrique Cardoso.Não sei qual era a intenção da pergunta, mas a imprensa, eu acho que está procurando dar as informações como pode, como disse o Fernando. Obrigada a dar uma soma fantástica de dados imediatos. Por ser obrigada a trabalhar com uma soma enorme de dados imediatos, não pode dispor de tempo para ficar tentando juntar esses dados para fazer uma história. Mas está fazendo. Claro que a cobertura é insatisfatória, como eu disse, está trabalhando muito. Como trabalhou no período do governo FHC. A cobertura foi feita.
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José Ribamar, de São Luís – Gilberto Menezes Côrtes, como a situação econômica do país é boa, você não acha que a imprensa acaba ficando dividida em meio a tantas denúncias da oposição?**
Gilberto Menezes Côrtes – Não acho necessariamente que a situação econômica é boa; poderia ser bem melhor. O que eu vejo é que no governo FHC a oposição – que era o PT – batia raivosamente na política econômica. Por exemplo: o senador Aloizio Mercadante era um crítico contumaz da política de juros do Banco Central na época do Gustavo Franco, dizendo que ela estava valorizando o real. Estamos assistindo agora a uma política de juros altíssimos que está valorizando o real barbaramente. Este ano, para se ter uma idéia, o real valorizou-se 30% diante do dólar e 40% diante do euro. Não temos fatos econômicos extraordinários no Brasil para justificar isso, senão, a atração que a taxa de juros está fazendo para capitais especulativos reaplicarem no Brasil. O rendimento via taxa Selic acumulado dá cerca de 38%.Isso é um cassino internacional sem risco para grandes bancos que nem pagam imposto de renda. A política econômica não está essa maravilha. Talvez o que esteja faltando seja a oposição – porque ela não quer dar um tiro no que ela diz que é um trunfo, que é a chamada herança do governo FHC continuada e, talvez, até em escala um pouco maior, em devidas circunstâncias. É que a oposição não está instigando essa área. Isso explica um pouco por que a oposição talvez tenha sido um pouco leniente com o ministro Palocci no Congresso e tem sido ao longo da própria política econômica. E a imprensa acaba refletindo isso.
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Francisco Resende, de Divinópolis (MG) – Fernando Rodrigues, as revistas semanais não estão fazendo perguntas infundadas demais, que acabam não se confirmando? É a briga pelas vendas que acaba provocando erros de informação?**
Fernando Rodrigues – Acho que não. É muito difícil julgar no atacado, dizer que as revistas, os jornais ou a mídia esteja divulgando notícias sem fundamento ou apenas indícios como se fossem provas. Eu acho que há casos em que ocorrem erros. Houve agora, houve no passado e possivelmente continuará a haver sempre. O que a gente talvez devesse ver são casos específicos. Eu não sei a qual reportagem o Francisco se refere, eu acho que houve alguns equívocos cometidos pela mídia nesse período, porém eu tenho a impressão, como já foi dito no programa de hoje, que não foi de uma maneira deliberada, como se a mídia estivesse querendo destruir este ou outro governo. Ocorrem erros porque é quase inerente ao exercício da profissão.**
Alberto Dines – Rolf, uma preocupação que eu tenho como jornalista é que é muito mais fácil fazer um trabalho jornalístico em torno de uma denúncia do que discutir teoria econômica, obrigar o leitor a refletir sobre questões de longo prazo. Então, é por isso que a imprensa fica um pouco no varejo e defende essas coisas mais do atacado. Como é que você vê essa questão?**
Rolf Kuntz – Há muita coisa no varejo que poderia ser feito. Vou dar uns exemplos simples. Vários ministros reclamam de que o Ministério da Fazenda não solta o dinheiro necessário para seus gastos. Vários ministros dizem que não investem o necessário por falta de dinheiro. Eu acho que há fatos do varejo que seria preciso explicar. Por exemplo, no começo de novembro a Associação Brasileira da Indústria de Base e de Infra-Estrutura divulgou levantamento, segundo o qual, do dinheiro liberado pelo Ministério da Fazenda até aquele momento, os ministérios voltados para atividades-fim só haviam conseguido liquidar 27%, isto é, só haviam conseguido de fato captar 27%.Todos nós sabemos que o dinheiro liberado pelo Ministério da Fazenda para as funções de defesa sanitária do Ministério da Agricultura, esse dinheiro, foi muito menos do que o necessário, quanto a isso, não há dúvidas. No entanto, também sabemos que o ministro da Agricultura não gastou todo o dinheiro disponível, embora o dinheiro fosse pouco. Ora, há aqui nessa história toda uma visível demonstração de incompetência dos ministérios que cuidam de atividades-fim, e não é preciso fazer uma qualificação nos adjetivos como estou usando, basta o repórter chegar lá e perguntar o seguinte: ‘Bom, vocês estão dizendo que faltou dinheiro para investir, o que vocês iam fazer com esse dinheiro? O que foi que vocês fizeram com o que já foi liberado?’
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Alberto Dines – Fernando, você falou há pouco que os jornais são o veículo mais reflexivo. E, efetivamente, aos domingos há mais espaço. Agora, o que me preocupa é que os jornais estão muito colonizados. Um jornalista com experiência internacional e nacional fica confinado naquelas duas laudas diárias. Mas eu já vi você em reportagens podendo desenvolver muito mais essa sua experiência. Você não acha que estava na hora de repensar o formato dos nossos jornais e o aproveitamento de profissionais tão experientes? Eles ficam confinados a uma opinião, eles têm que ser contundentes e a sua capacidade de levantar fatos e fazer reportagens fica mais ou menos diminuída. O que você acha? A pergunta é sobre você mesmo.**
Fernando Rodrigues – Essa é uma discussão eterna, não é, Dines? A falta de espaço, a pressão diária, enfim, a limitação toda que a gente tem decorrente da profissão, do cotidiano do nosso trabalho, sobretudo no meu caso aqui em Brasília, que a gente tem que acompanhar vários assuntos. Agora, eu não tenho a resposta para isso. É claro que, evidentemente, se você perguntar a todo jornalista se existe falta de espaço ele vai dizer que sim. A propósito disso que você está falando, acho que há uma discussão na praça muito importante que é a consolidação do meio eletrônico, online, da internet. A gente teve aquele boom no início do século. Depois, a bomba estourou, e agora, aparentemente, há uma consolidação do meio eletrônico. Mais do que nunca as notícias dos jornais impressos no dia seguinte estão velhas. Então, todos os jornais do mundo discutem muito como se reinventarem para fazer com que o produto que chega no dia seguinte às mãos dos leitores tenha um valor agregado maior do que vem tendo agora. Estamos tendo essa discussão na Folha, como em vários outros jornais. Infelizmente, a gente não tem a resposta ainda.**
Cristian Richassi de Castro (PR) – Gilberto, no governo FHC o ministro da Saúde era economista. No governo Lula, o ministro da Fazenda é médico. Não tem algo de errado nisso?**
Gilberto Menezes Côrtes – Eu acho que é importante que as pessoas entendam que economia, assim como tudo na vida, tem sempre o outro lado da moeda. É importante nesse debate que se abra, e se abriu aqui, um espaço, porque as pessoas talvez não estejam acompanhando no dia-a-dia, seja nos jornais ou nas mídias eletrônicas, na televisão. O jornalismo econômico não pode ser um jornalismo declaratório. Isso é um defeito que nós temos no Brasil. Talvez seja preciso aprofundar o noticiário, o conhecimento da economia que está em Brasília, que está no Rio, que está em São Paulo, enfim. Porque o importante é oferecer ao leitor que está do outro lado o máximo de informações possíveis porque, aí sim, o jornalismo é importante para ajudar a decidir e compreender a realidade do país.**
Rolf Kuntz – Eu concordo inteiramente com o que disse o Gilberto. Nós temos que fazer um esforço maior para transmitir a informação para que o leitor possa vir a formar a sua opinião de maneira adequada. Eu gostaria de aproveitar uma bola levantada pelo Gilberto antes, para lembrar um pouquinho de história. Ele lembrou a crise de 1979. Eu estava em Brasília naquela manhã de agosto de 1979 quando um bando de empresários de São Paulo cruzou a praça [dos Três Poderes], e eu lembro que um deles gritou: ‘Desta vez, vamos!’ e ‘Desta vez, fomos!’ Os juros foram tabelados. No fim do ano, houve uma marcha de valorização; na virada do ano, a correção monetária e a correção cambial foram tabeladas como uma maneira de segurar também o efeito inflacionário das medidas do fim do ano. E os resultados que tivemos em seguida: a famosa ‘década perdida’. Acho que vale a pena lembrar essa história neste momento.**
Fernando Rodrigues – Bela história relembrada pelo Rolf. Concordo com ele e com o Gilberto também sobre a necessidade de tentarmos aprofundar mais a cobertura sobre determinados temas e, junto com isso, uma má notícia: muitas vezes é incompatível fazer isso com a pressão que temos diante de uma crise da proporção da atual. Acho que a boa notícia é que, em tese, se não aparecer nenhum grande tiro de chegada dessa história toda – o tiro de largada, lembrando, foi quando o Roberto Jefferson deu aquela entrevista à Renata LoPrete na Folha e tudo isso começou. Se não houver um grande tiro da mesma proporção de chegada e que acabe fazendo a bola de neve rolar muito mais, é possível que em fevereiro as CPIs já tenham terminado e concluído suas investigações e daí tudo volta a seu curso. Os jornais vão poder se dedicar um pouco mais ao jornalismo de reflexão sobre esses grandes temas e menos pressionados pela necessidade do furo diário e de perseguir todos esses escândalos.