A grande imprensa do eixo Rio-São Paulo não está prestando muita atenção à greve de fome do bispo baiano Luiz Flávio Cappio, da diocese de Barra (BA), que entra no seu décimo dia. A omissão inclui tanto o segundo protesto do religioso contra a transposição do rio São Francisco como as manifestações de apoio que vem recebendo das populações ribeirinhas.
A greve do bispo não agrada à hierarquia católica e, obviamente, não ao governo federal. É um ato eminentemente político, mas não repercute, não sensibiliza nem consegue motivar os chamados porteiros das redações mais inclinados aos escândalos e declarações bombásticas.
Este comportamento do bispo, baseado no sacrifício e na autoflagelação, parece não ajustar-se aos paradigmas vigentes na sociedade brasileira – e o descaso da mídia é simbólico.
Com os seus jejuns nos anos 30 e 40 do século passado, o Mahatma Gandhi conseguiu mobilizar os seus conterrâneos para a independência da Índia e comoveu o mundo. Em janeiro de 2008 serão lembrados os 60 anos do assassinato de Gandhi nas mãos de um fanático – e nem com esta referência histórica consegue-se encontrar na mídia um toque de compreensão e solidariedade.
A alma brasileira endureceu ou é a mídia que está perdendo a sua alma?
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Dom Cappio mantém jejum contra a transposição
Reproduzido do Informe nº 795 do Conselho Indigenista Missionário (
Cimi), 6/12/2007Desde 27 de novembro, Dom Luiz Cappio, bispo da diocese de Barra (Bahia) está em jejum para protestar contra o projeto de transposição do rio São Francisco. Nestes 10 dias, diversas organizações e pessoas de todo o Brasil e do exterior têm manifestado seu apoio à luta do bispo por meio de cartas, passeatas e até jejuns solidários.
No dia 4 de dezembro, um ato público em Sobradinho (Bahia), onde o bispo está vivendo desde que iniciou o jejum, reuniu mais de 4 mil pessoas. No dia 5, mais de mil pessoas fecharam uma ponte sobre o rio, na BR 242.
Na quinta-feira (6/12), o Grito dos Excluídos organizou um ato na Praça da Sé, em São Paulo, em apoio a Dom Cappio, onde diversas pessoas passarão o dia em jejum. Em Belo Horizonte, estudantes e religiosos iniciaram jejum por tempo indeterminado contra a transposição. Ao lado de Dom Cappio, religiosos se revezam em jejuns de um ou dois dias.
Diversas entidades manifestaram seu apoio, entre eles a Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme). Vinte povos da região serão afetados direta e indiretamente pela transposição. A nota lembra que o governo ‘deveria promover uma consulta prévia junto aos povos indígenas que serão impactados’. O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, em sua nota, afirma que ‘o ato extremo de Dom Frei Luiz supera o campo puramente político e se situa na dimensão simbólica e religiosa’.
Os apoios fortalecem Dom Cappio, que está passando bem. Desde quarta-feira (5/12), ele está tomando algumas doses de soro caseiro (água, sal e açúcar). No domingo (9/12), os movimentos, as organizações e as pastorais sociais realizarão uma grande romaria em Sobradinho (Bahia). No dia 10, haverá atos contra a transposição em todo o país.
Números
A comparação entre os projetos para a região mostra que as alternativas à transposição atendem mais pessoas a um menor custo.
Segundo o Ministério da Integração, a transposição beneficiará 12 milhões de pessoas, em 397 municípios, em 4 estados, a um custo de 6,6 bilhões de reais. A água será assim distribuída: 70% para irrigação, 26% para abastecimento urbano-industrial e 4% para população rural difusa.
As obras propostas pelo Atlas do Nordeste (divulgado pela Agência Nacional de Águas), associadas ao projeto de captação de água da chuva, podem beneficiar 44 milhões de pessoas, em 1356 municípios, em 10 estados, a um custo de 3,6 bilhões de reais (obras do Atlas). Tem finalidade primordialmente de abastecimento humano urbano e rural.