A natural e salutar propensão dos jornalistas ao ceticismo funciona no Brasil ao revés: aqui é imperioso alegrar-se, desbundar, deslumbrar-se. A tristeza é considerada subversiva, antipatriótica. Também a melancolia e a reflexão.
Pela mesma cartilha, o otimismo estimula (inclusive o consumo), dissolve conflitos, facilita negociações e promove a incessante fabricação de bolhas, sem as quais não há avanços.
O bom jornalismo implica rigor, exigências, intransigência, severidade – justamente os atributos menos favoráveis aos surtos de euforia. Especialmente nas férias de verão, quando assumem os “subs” dos “subs” para enfiar nas páginas qualquer bobagem que for engendrada nas sonolentas reuniões de pauta.
Neste exato momento, no Brasil, a esquerda e a direita articulam uma estranha e inédita convergência para acabar com o pessimismo. Seus expoentes certamente nunca ouviram falar em Paulo Prado e no seu clássico Retrato do Brasil, ensaio sobre a tristeza brasileira (de 1928), no entanto ambas as facções empenham-se gloriosamente em criar um clima festeiro capaz de resistir ao realismo, racionalismo e qualquer outro ismo romântico, nostálgico e decadente. Os conservadores querem animação para esquentar a economia, a esquerda está de olho nas presidenciais de 2014. Enfim, a sonhada união nacional.
Parque jurássico
A revista Veja realizou na sua última edição (nº 2305, de 23/1) uma surpreendente reviravolta filosófica ao exibir as 23 razões para sermos racionalmente otimistas. E esquecida de suas divergências com o governo federal promete que “até a economia vai trazer boas surpresas!”
O ponto de exclamação, antigamente era proibido nos manuais de redação do semanário, agora foi resgatado em homenagem à parceria público-privada.
Alguns motivos de Veja para pularmos de alegria:
>> Vai ficar mais fácil deixar de ser careca, embora nos velhos tempos se dizia que é dos carecas que elas gostam mais.
>> O ar das nossas metrópoles ficará mais respirável porque a partir de 2014 a Petrobras prometeu livrar o óleo diesel do superpoluente S-1800. E até lá como se arranjarão os asmáticos, enfisemáticos e alérgicos em geral que enchem os hospitais e postos de saúde?
>> Menos medo com o aquecimento global porque a produção de energia renovável aumenta exponencialmente no mundo. O redator nunca ouviu falar nos parques de energia eólica do Nordeste parados porque não há linhas de transmissão para distribuir a eletricidade.
>> O país dará um salto de desenvolvimento porque nunca houve tantos brasileiros em idade produtiva. O pibinho de 2012 e as modestas projeções para 2013 aparentemente não foram consideradas.
>> A classe média se tornará um pilar da economia. Esqueceram de dizer que o pilar da economia serão os baratíssimos produtos made in China.
>> Os novos estádios não darão vexame. Se tudo correr bem na Copa das Confederações, em junho de 2013, será possível evitar surpresas em 2014. E se não correr bem, adia-se o Mundial?
>> O projeto do “Bonde 2.0” sairá do papel. Está sendo implantado no Nordeste. Mas no Rio, o governador Sérgio Cabral cedeu às empresas rodoviárias e implantou o velho “Ônibus 1.0”: o BRT da Transoeste já apresenta problemas menos de um semestre depois de inaugurado.
>> Os bandidos condenados terão dificuldades em encurtar as penas graças ao novo Código Penal. E os malfeitores que pululam no Congresso?
>> A economia americana se recuperará.Ué, em novembro Barack Obama não era uma decepção?
>> As informações do mundo serão ordenadas. Como na Rússia, na China? O conceito de Big Data pressupõe a existência de empresas eficientes, governos capazes, mão de obra treinada, marcos regulatórios e agências reguladoras respeitadas, competição e aquela coisinha incômoda chamada liberdade.
>> Os óculos funcionarão como smartphones. E quando teremos celulares funcionando sem interrupções, banda larga autêntica, fiscalização das operadoras, defesa do consumidor?
>> A ressurreição dos bichos. Pelo menos três animais extintos serão “redescobertos”, um deles é o morcego-cara-de-macaco-de-fiji.
Não se mencionou o saudoso tiranossauro nem a possibilidade de o mundo transformar-se num imenso parque jurássico com entrada grátis para os descendentes de todos os que leram a arrebatadora utopia do nosso mais importante semanário.