Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Milhões, miuçalhas e mau humor jornalístico

Do diário Valor Econômico, tão competente na cobertura da realidade empresarial e econômica brasileira, e que em nada fica a dever ao padrão Wall Street Journal, poder-se-ia esperar critérios mais consistentes na análise das contas públicas. Ótimo que a imprensa revele-nos os milhões do valerioduto, mas mesmo quando trata das pequenas cifras de paradigmas facilmente comprováveis é preciso isenção. Quer-se senso de proporção no lugar de embarque no coro do denuncismo nacional.

O comentário aplica-se à matéria ‘Cartões da Presidência pagaram hotéis e restaurantes de alto padrão’, pág. A8, 29 de agosto de 2005. Nela o repórter Daniel Rittner, tratando de viagens feitas por gente da Casa Civil, invoca como abusivas diárias de hotel na cidade de São Paulo custando entre R$ 224 e R$ 285. O parágrafo seguinte traz em forma de adjetivo as cinco estrelas do Crown Plaza.

O jornalista, ainda para temperar suas colocações sobre o luxo do restaurante, reproduz frase encontrada no site do hotel: ‘Um dos mais chiques restaurantes mediterrâneos da cidade’. É o jornalismo a transformar propaganda comercial em testemunho acusatório.

Há pelo Brasil afora leitor pouco familiarizado com a realidade de custos de hospedagem na capital da economia nacional. Sobretudo os quadros sedentários das empresas e das repartições tendem a comparar despesas de viagem com custos de aluguel em seu orçamento doméstico. É grosseiramente defeituoso o critério, mas muito comum. Haverá também público modesto cuja referência é o salário mínimo.

Em seus próprios lençóis

Que um pasquim distribuído gratuitamente em portas de fábrica para distrair operários use os paradigmas do aluguel residencial e do SMR não seria fora de propósito. Mas quando o Wall Street Journal tupiniquim permite-se misturar ambientes e fazer jogos de palavras para sustentar um argumento torna-se lamentável.

Qualquer homem de negócios de boa vontade habituado a freqüentar São Paulo reconhecerá no Crown Plaza apenas um hotel confortável, mas sem maior ostentação nem luxo. No limite poder-se-ia talvez apontar a fartura exagerada de sua mesa de café da manhã, mas este é um traço comum da hotelaria brasileira.

Mais adiante a matéria volta-se para os gastos de hospedagem de Luiz Gushiken no Cad’Oro. Ali constam despesas de um pouco menos do que R$ 700 entre refeições e despesas de bar nos três dias em que o então ministro de Estado esteve em São Paulo a trabalho. Ainda não foi possível estabelecer o número de pessoas que Gushiken ciceroneou, mas seria este relatório glosado pela auditoria de qualquer empresa de porte cujo executivo principal estivesse em missão?

Lá em casa esses conflitos são antigos, a família de 15 filhos dividia-se em dois grupos básicos: homens de negócio e médicos. Os negociantes, sempre de mala nas costas, eram alvo da inveja dos médicos. Os doutores olhavam para os roteiros dos irmãos e, projetando seu mês de férias por 12, consideravam os outros grupo privilegiado. Já para os homens de negócio a cobiçada pin-up de sua mente era a vidinha tranqüila de quem só viaja até o consultório e dorme em seus próprios lençóis.

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Dirigente de ONG, Salvador