‘O colunista tem recebido, de amigos e desconhecidos, todos empanzinados das melhores intenções, mensagem com anexo em pps, pleno de ‘efeitos especiais’, no qual tenta-se ideologizar o tal referendo do dia 23. A esta altura das provocações, quando o saco de todos anda a vazar besteirol pelo ladrão, é desmedido exagero exumar-se o debate entre ‘esquerda’ e ‘direita’.
Inexistem posições políticas nessa campanha entre o ‘sim’ e o ‘não’. Tanto que, se Janistraquis e eu tivéssemos passado longas férias em Bagdá, por exemplo, e, na volta, alguém nos perguntasse quem está contra o desarmamento, responderíamos assim: a esquerda, é claro, pois todo mundo sabe que somente com a revolução, ou seja, à bala, é possível impor-se a ditadura do proletariado. Só mesmo a inocência para acreditar no poder de fogo da ‘insurreição pelo voto’, segundo a História nos ensina pela lembrança de Salvador Allende e o fracasso de Lula e seu partido.
Aliás, a favor do ‘sim’ está a Rede Globo, de passado altamente democrático e confiável, como sabemos; e a igreja católica e demais religiões, que representam a quinta-essência do obscurantismo. As mesmas amigas que enviam a hollywoodiana mensagem ao colunista (a maioria é, pasmem, de mulheres), parecem ter esquecido a luta pelo divórcio, vencida depois de décadas de boicote cristão. E o direito ao aborto? Bom, este assunto fica para outra ‘consulta popular’…
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Prêmio Nobel
O considerado Camilo Viana, diretor de nossa sucursal em Belo Horizonte, vizinha do Palácio da Liberdade, onde o governador Aécio Neves sonha acordado com a Presidência da República, pois Camilo folheava o veterano jornal Estado de Minas, quando tropeçou…não, é melhor deixá-lo contar:
Logo às primeiras horas da manhã deste glorioso domingo, 2/10, estava eu a ler o Estado e, à página 18 do primeiro caderno, com o título SUÉCIA COMEÇA A DIVULGAR PRÊMIOS, debaixo da foto de Alfred Nobel, o jornal atrasa em cem aninhos o nascimento do inventor da dinamite, colocando a seguinte carga como legenda da fotografia:
Industrial Alfred Nobel ( 1.933-1986 ) – inventor da dinamite e criador do prêmio.
Janistraquis acha que o redator também merece um prêmio, ó Camilo!
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Botafoguenses…
O considerado César Oliveira, botafoguense que bate com as duas e brinca nas onze, enviou o seguinte texto sobre o best-seller da estrela solitária:
No próximo dia 15 de outubro, sábado, a partir das 14h00, o jornalista e historiador Roberto Porto estará no Botequim Honesto, em Icaraí (Niterói), num bate-papo sobre o Botafogo e o futebol brasileiro, para o qual foram convidados:
– Gérson, o Canhotinha de Ouro;
– Roberto Miranda, centro-avante do Botafogo no bicampeonato de 67-68 e campeão do mundo no México, em 1970;
– Ricardo Baresi, jornalista e editor do site ‘Vestiário Alvinegro’;
– Ique, o cartunista botafoguense do Jornal do Brasil;
– Afonsinho, o craque que se rebelou contra a Lei do Passe e foi à luta por seus direitos;
– Teixeira Heizer, jornalista esportivo e escritor;
– Cesar ‘Sacudindo’ Rizzo, locutor e radialista.
Depois da mesa-redonda, haverá uma tarde de autógrafos do livro ‘Botafogo: 101 Anos de Histórias, Mitos e Superstições’, de autoria de Roberto Porto, editado pela Revan.
O Bar Honesto fica na Rua Ministro Otávio Kelly, 483 – Jardim Icaraí – Niterói. Telefone: 2711-2896
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Sérgio Augusto
E já que estamos a falar da estrela solitária, o grande craque botafoguense Sérgio Augusto, verdadeiro Didi nas folhas-secas da linguagem e das idéias, assesta suas baterias sobre a corrupção no futebol brasileiro:
Alguns comentaristas esportivos se surpreenderam e sentiram-se enganados, lesados, esbulhados pelas coisas que o árbitro Edílson Pereira de Carvalho aprontou em 11 jogos do Campeonato Brasileiro. Por que a surpresa? Por que o espanto? Futebol e corrupção não viraram sócios ou sinônimos na semana passada, nem no mês passado, nem na década passada.
(Continue no Blogstraquis a leitura do texto originalmente publicado no Estadão.)
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Convés
Antes de embarcar para longa viagem mundo afora, no gozo de merecidas férias, nosso considerado Roldão Simas Filho, diretor da sucursal desta coluna em Brasília, separou algumas notas que aqui serão publicadas nas próximas semanas, e anexou este ligeiro comentário:
Costumo dizer que estamos perdendo nosso idioma e apresento mais dois exemplos:
não usamos mais o termo molhe para indicar o local de atracação de embarcações. Só se diz píer, assim, com acento gráfico e tudo. Outro caso é deque, aportuguesamento do inglês, em vez do nosso esquecido vocábulo convés.
Vejam esta notícia da Tribuna da Imprensa:
‘MOSCOU – Marinheiros em uniforme de gala perfilaram-se no deque de uma embarcação russa ontem enquanto coroas de flores eram jogadas ao mar acinzentado do norte da Rússia para homenagear os 118 camaradas mortos cinco anos atrás na tragédia com o submarino nuclear Kursk.’
É mesmo, Roldão, andam a empurrar nosso idioma escotilha abaixo… E olhe que convés é muito mais bonito, soa bem melhor que deque. É impossível amar-se bela mulher, velas ao vento, num canto do deque; e todas ficam lindas e esvoaçantes num canto do convés, como uma Grace Kelly nos braços de Cary Grant…
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Indispensável
A coluna cumprimenta a revista Veja pela honesta e corajosa matéria sobre o tal ‘referendo’, algo raro neste país de m… onde a covardia costuma se deitar com a falcatrua e a imprensa insiste em embarcar em canoas furadas ou atirar no próprio pé, para utilizarmos duas criativas expressões bem ao gosto do ‘jornalismo moderno’.
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Burrice
Janistraquis anda aborrecidíssimo com o noticiário acerca das roubalheiras do juiz Edílson Pereira de Carvalho:
‘Considerado, o elemento foi apanhado por meio de gravação telefônica autorizada pela Justiça, confessou o crime e mesmo assim continuam a chamá-lo de ‘acusado’. Tá certo que, até a condenação final, a leis considera todos os bandidos como acusados, porém em certos casos esse tratamento é um bocado burro, né não?’
Concordo plenamente e informo aos leitores que Janistraquis falou do modo como está registrado: ‘a leis considera’, pois este é o linguajar do sertão.
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O Sombra
O considerado Giulio Sanmartini, o mais brasileiro dos italianos, nosso correspondente na Europa, é, como todos sabem, fã de carteirinha, ou melhor, macaca de auditório de Marcia Peltier. Quando nos envia algum tropeço da sempre bela, não é perseguição, mas admiração, como ele faz questão de esclarecer. Vejam o que nos enviou agora esse descendente direto da nobreza de Belluno:
Diz a coluna do Jornal do Brasil:
Nitroglicerina — Em uma das fitas, uma figura conhecidíssima apareceria negociando um contrato – de 20 anos – do lixo de São Paulo. Na outra, um funcionário do governo aconselharia RONAN MARIA PINTO, O SOMBRA, de que ele deveria fazer cara de triste no enterro do prefeito Celso Daniel. O futuro dirá.
Acontece que o Sombra é Sérgio Gomes da Silva; Ronan Maria Pinto é empresário, dono da empresa de coleta de lixo Rotedale e acusado de alterar a tonelagem da imundície recolhida.
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Nota dez
Num texto exemplar, o considerado Augusto Nunes esmiuça a figura espetacularmente carismática de Aldo Rebelo, o ‘novo Severino’ desse presidente que não desiste nunca:
Temperamento conciliador e avesso a batalhas campais. Foi esse o defeito invocado por Lula para demitir Aldo Rebelo do Ministério da Articulação Política. Temperamento conciliador e avesso a batalhas campais. Foi essa a virtude invocada por Lula para transformar Aldo Rebelo no candidato do Planalto à presidência da Câmara.
Leia no Blogstraquis a íntegra do artigo publicado originalmente no Jornal do Brasil.
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Errei, sim!
RUI APUNHALADO – Lição de respeito ao idioma, dada pelo Diário de Pernambuco: Pensamento norte-americano inspira testo constitucional. Assim mesmo: testo. A matéria, assinada pelo Departamento de Pesquisa do vibrante matutino, tratava da Constituição brasileira de 1891, cuja redação e revisão couberam a Rui Barbosa, aquele que trocou o cabeçalho do Jornal do Brazil para Jornal do Brasil e é autor de um famoso desabafo: ‘De tanto triunfar as nulidades…’ (julho de 1991)’
LÍNGUA PORTUGUESA
‘Em boa hora, embora’, copyright Jornal do Brasil, 10/10/05
‘Vestir-se de modo a revelar o que sente, negar de pés juntos, dar três pancadinhas na madeira e cair sentado para trás: restos de superstições, de crendices, de usos e de costumes em templos, em igrejas, em quartéis e na lavoura estão presentes na língua portuguesa, mas seu rastreamento demanda pesquisa.
O advérbio ‘embora’ é resquício da convicção dos antigos romanos de que havia uma boa e uma má hora para o começo das tarefas. Iniciadas em boa hora, seu êxito estava garantido.
Na Idade Média, por força da decadência do Império Romano, os oráculos e os agouros eram idéias fora do lugar, pois reinava triunfante o cristianismo, principalmente em Portugal, com os reis católicos. Mas permaneceu a expressão ‘em boa hora’, cujas três partículas foram juntadas para fazer o advérbio ‘embora’.
Seu antônimo, a hora má, pronunciada ‘aramá’, será encontrado apenas em textos arcaicos, pois a expressão foi abandonada. Já ‘desastre’, vindo do provençal, permaneceu e ainda hoje designa o acidente de trânsito, depois de fazer escalas no italiano ‘disastro’ e no francês ‘désastre’.
Em ‘oxalá’, da expressão muçulmana ‘in xallá’, traduzida como ‘Alá queira’, sendo Alá substituído por Deus, surgiu a similar ‘se Deus quiser’, complemento indispensável nos projetos anunciados de uma visita a um trabalho. ‘Irei, sim, se Deus quiser.’ ‘Vou fazer, sim, se Deus quiser.’
Porém, o excesso de inclinações do corpo acompanhando os dizeres, repetidos duas vezes, ‘salam ‘alaik’, levou os impacientes brasileiros, usualmente gentis e cordiais, a designar salamaleque o exagero de cortesias no cotidiano.
Excetuado o uniforme, principalmente de estudantes, soldados e religiosos – do latim ‘uniformis’, forma única -, cada um se veste como quer ou pode, revelando o perfil social e psicológico de quem está dentro da roupa.
Embora o lobo possa estar disfarçado em pele de cordeiro, prevalece a convicção de que, se o homem é o que come, é também o que veste e o que fala. O luto, marcado pela roupa inteiramente preta, logo após a morte do ente querido, também dito luto fechado, ou a fita preta sobre a veste branca ou de outra cor nos dias, semanas e meses seguintes, é indicador de tristeza pela perda irremediável.
Negar de pés juntos remete à linguagem corporal dos quartéis, quando o subordinado nega a acusação ou acata as ordens, batendo os calcanhares. Tirar o chapéu e fazer continência evidencia a humildade da cabeça descoberta. A saudação militar indica estar o subalterno atento, contido, e não indisciplinado, o que seria indecoroso.
Já ‘cair sentado para trás’, depois de ‘perder as estribeiras’ e as ‘rédeas do animal’, pode ser resquício dos tempos em que a pecuária era hegemônica e determinava comportamentos. ‘Meter os pés pelas mãos’ resultava em sérios atrapalhos: mãos nos estribos e pés nas rédeas. Não poderia dar certo.
Por fim, as três pancadinhas na madeira remontam igualmente à antiga Roma. Afagos e beijos nas mesas foram transformados em batidinhas delicadas para espantar maus presságios.
Os sacerdotes, porém, continuaram a beijar a mesa da celebração, o altar.’
CENSURA / NA TOCA DOS LEÕES
‘Além da publicidade’, copyright Cadernos APIMEC, número 5 – outubro de 2005
‘De vez em quando a censura volta a mostrar para os brasileiros a sua cara feia e perigosa. A última vitima dessa criatura maligna é o livro ‘Na Toca dos Leões – A História da W/Brasil, uma das Agências de Propaganda mais premiadas do Mundo’, de Fernando de Morais, autor também dos clássicos ‘Chatô’, ‘Olga’ e ‘Corações Sujos’. A obra foi proibida por um juiz de Goiás.
‘Na Toca dos Leões’, mais do que uma trajetória do publicitário-empreendedor Washington Olivetto e de seus sócios na W/Brasil, Gabriel Zellmeister e Javier Llussá Ciuret, é uma história do fino da publicidade e da sociedade brasileira dos últimos 40 anos. Foi na Toca dos três publicitários que nasceram bordões como ‘O primeiro sutiã a gente nunca esquece’ e anúncios que tiveram políticos como Paulo Maluf e Leonel Brizola calçando sapatos Vulcabrás; Antonio Ermírio de Moraes, com os seus 1,90 m, entrando em um carro Fiat, e o empresário Abraham Kasinski, de 82 anos, pilotando a motocicleta de 350 cilindradas, que leva o seu nome. Essa lista é engrossada por outros comerciais memoráveis encabeçados por gente como o cirurgião Ivo Pitanguy, o pugilista Maguila e o presidente mundial da Sony, Akio Morita. Quem não se lembra do criador da Microsoft, Bill Gates, em maio de 2000, falando em horário nobre o torpedo criado pela W/Brasil: ‘O Unibanco e a Microsoft estão juntos num sistema home-banking que é simplesmente demais. Você deveria ter um. É como ter um banco inteiro em cima da sua mesa. Por que meu banco não pensou nisso antes?’. A turbina criadora da W/Brasil ainda lançou atrizes como Ana Paulo Arósio, que fez, com treze anos, a sua estréia na telinha em um comercial para O Boticário e, do reino animal, o cachorro dachshund que se transformou em celebridade por sua atuação nos comerciais da fábrica de amortecedores Cofap. Como uma verdadeira escola, a W/Brasil lapidou também a carreira de diretores de comerciais e de cinema como Andrucha Waddington (‘Eu, Tu e Eles’ e ‘Casa de Areia’), João Moreira Salles, Walter Salles Jr (‘Diários de Motocicleta’ e ‘Central do Brasil’) e Fernando Meirelles (‘Cidade de Deus’).
O resultado de tudo isso passa por clientes satisfeitos e cerca de mil prêmios que a W/Brasil conquistou ao longo de sua história. Tudo isso posiciona a agência de Olivetto como um fenômeno muito além do mercado da publicidade, que estende a sua influência para o campo cultural, comportamental e político dos brasileiros, e faz o empreendimento publicitário galgar o status de instituição. De tal forma que não é um exagero afirmar que a W/Brasil é percebida pelos brasileiros como algo que transcende a sua missão empresarial. Percepção gloriosa que vem da história, das conquistas e também das adversidades enfrentadas pela W e seus leões-criadores. Quanto às adversidades, Fernando Morais dedicou a parte final de seu livro ao longo seqüestro sofrido por Olivetto, na virada de 2001 para 2002. Mestre da reportagem, Morais mostra a brutalidade e os sofrimentos que humanizam, para nós leitores, aquele que já é uma lenda, Washington Olivetto.
É professor da ECA-USP e diretor-presidente da ABERJE (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial).’
IMPRENSA BRASILEIRA
‘A história da imprensa lembra casos e nomes’, copyright O Estado de S. Paulo, 10/10/05
‘O primeiro volume de uma coleção que pretende lembrar episódios e nomes marcantes do jornalismo. Em Imprensa Brasileira – Personagens que fizeram história (221 págs., R$ 62), que acaba de ser lançado pela Imprensa Oficial, em parceria com a Universidade Metodista de São Paulo, estão as biografias e idéias de dezoito escritores e jornalistas de sucesso, entre os quais Assis Chateaubriand, Carlos Drummond de Andrade, Hipólito José da Costa, Rui Barbosa, Cásper Líbero, Cipriano Barata, Roquette Pinto e Gilberto Freyre. A organização coube a José Marques de Melo, professor emérito da USP.’
COMUNICAÇÃO & RELIGIÃO
‘O diálogo do profeta McLuhan com Teilhard de Chardin’, copyright O Estado de S. Paulo, 9/10/05
‘No prefácio do livro McLuhan por McLuhan (Ediouro, 368 págs., R$ 59,90), reunião de conferências e entrevistas inéditas do ‘profeta da globalização’ Marshall McLuhan (1911-1980), o jornalista e romancista Tom Wolfe observa que o pensamento do professor canadense deve muito – quem diria – a um jesuíta, morto há meio século e injustamente esquecido. Wolfe, um dos arautos do ‘new journalism’, diz que McLuhan, autor de A Galáxia de Gutenberg (1962) e Os Meios São as Massagens (1967), inspirou-se nas idéias filosóficas do geólogo e paleontólogo francês Teilhard de Chardin (1881-1955).
Desta vez, Tom Wolfe, conhecido por suas críticas demolidoras à geração dos yuppies, não pretendeu arruinar nenhuma reputação. Ao contrário. Ao unir a obra de McLuhan e a filosofia de Chardin, Wolfe diz que ambos foram profetas. Mais exatamente, previram o futuro da internet antes mesmo que o primeiro computador pessoal chegasse aos lares do mundo.
O que aproxima McLuhan de Chardin não é apenas o parentesco filosófico, mas religioso, segundo Wolfe. Criado numa família de protestantes irlandeses, McLuhan converteu-se à Igreja Unitária quando ainda estudava na Universidade de Cambridge, nos anos da Grande Depressão. Interessado (como James Joyce) na cultura popular, McLuhan fez a ponte entre cultura de massa e fé, ao analisar manifestações desprezadas pela elite dos anos 1960, como os quadrinhos, a televisão e a arte pop. O resultado foi o ‘mcluhanismo’ e a consagração do slogan ‘o meio é a mensagem’.
Mc Luhan foi um dos primeiros comunicólogos quando essa profissão nem havia sido inventada. Pioneiro no estudo dos efeitos da televisão sobre os jovens e da assintonia entre a geração que lê e a geração que vê, o canadense, segundo Wolfe, nunca mencionou, de maneira explícita, o nome do teólogo jesuíta Teilhard de Chardin.
A lembrança do jornalista americano faz justiça a um dos grandes pensadores cristãos, renegado pela própria Igreja, que tratou de silenciar sua voz quando Chardin – um sacerdote jesuíta, não se deve esquecer – defendeu que a teoria darwinista da evolução nada tinha de agnóstica. Para ele, ser parente de macacos não faz do homem nem mais nem menos divino que um lagarto australiano ou uma pomba belga. Era apenas o primeiro estágio do projeto de Deus para a evolução humana. Deus, lembra Wolfe, estaria dirigindo a evolução do homem para uma ‘noosfera’.
O conceito é um pouco complexo, mas, fundamentalmente, seria a comunhão de todas as mentes humanas por meio de uma comunicação espiritual e uma pequena ajuda da tecnologia avançada. Em outras palavras, pela internet. Chardin pregava um retorno ao conceito primal de que tudo, absolutamente tudo, é sagrado. O mundo material seria, assim, apenas uma plataforma para a contemplação mística de Deus, o que se comprova vendo uma pintura de Giotto, um filme de Bergman ou uma foto de Cartier-Bresson transmitida por computador.
Bem, a essa altura alguém poderá lembrar que a internet não tem nada de celestial. Virou um oceano pronto a tragar navegadores desavisados com hackers e vírus ameaçadores, pornografia infantil e outras diabólicas armadilhas. Poderia, então, a ciência casar novamente com a religião após tantos anos de divórcio? Sim, diria Chardin. E McLuhan concordaria, não fosse sua época avessa a trabalhos acadêmicos com tintas religiosas, lembra Wolfe. Assim, o canadense teria preferido assumir a persona de laico analista dos meios de comunicação de massa, como a televisão – que detestava, mas reconhecia como um veículo capaz de mudar a mente e a história do homem.
McLuhan foi o homem que cunhou a expressão ‘aldeia global’. Ela aparece numa conferência de 1960, em que ele conta como a paixão de Joyce pela música popular e a mídia impressa foi importante para promover a cultura de massa, transformando a galáxia tipográfica na galáxia eletrônica do século 21. Nessa conferência, sua vocação de profeta, mais uma vez, se manifesta: a mídia eletrônica nos conduz à retribalização.
Não é demais lembrar que essa profecia foi feita há 45 anos e que, ao contrário do que diz Wolfe, McLuhan reconhecia, sim, que o ‘testemunho lírico’ de Chardin o ajudou a formular o conceito de ‘aldeia global’, ou seja, do planeta integrado pela comunicação eletrônica. O poder de predição de Chardin, salienta o jornalista, era tão extraordinário que, ao morrer, em 1955 (mesmo ano da morte de outro gênio, Einstein), o teólogo menciona os computadores ‘com pormenores consideráveis’, isso numa época em que o microchip era um distante sonho da ficção científica. Chardin falava de uma consciência ‘eterizada’ e de uma ‘revolução’ nas pesquisas tecnológicas que ajudariam a criar uma ‘civilização unificada’.
McLuhan apenas seguiu a trilha de Chardin. Teria adorado a ‘web’, se não tivesse morrido antes de seu nascimento, imagina Wolfe. Com certeza. Por outro lado, seria um dos principais críticos dos que enxergam na rede apenas um veículo para grandes negócios. Quando McLuhan fala da ‘retribalização’ por meio da mídia eletrônica, ele não esquece da espontaneidade e da arte dos homens ‘primitivos’, de uma sociedade pré-verbal não contaminada pela dicotomia sagrado/profano. McLuhan insiste que o homem moderno não se livra do passado. A modernidade carrega consigo traços ancestrais, ‘irracionais’, que terão de conviver com a lógica do computador.
O livro, aliás, termina com uma análise de Mc Luhan do clássico de E.M. Forster, Passagem para a Índia, em que uma caucasiana bem ‘civilizada’, Adela Quested, entra numa caverna de Marabar e sai de lá em pânico, por ouvir ecos desse mundo ancestral. No coração do quarto mundo, o eletrônico, ainda ouvimos os mesmos terríveis ecos desse passado, que resiste à idéia de modernidade inventada sabe-se lá por quê.’