Vai chover, o tempo vai virar, o clima está mudando? Aparentemente banais, essas perguntas hoje resumem uma das mais graves aflições do planeta. E a nossa mídia não percebeu o seu papel conscientizador neste processo. Uma nuvem negra no horizonte pode representar algo mais tenebroso do que algumas gotas de chuva aqui embaixo.
O dilúvio que desabou há duas semanas sobre o Nordeste poderia ter sido menos desastroso se os alarmes fossem acionados com antecedência. Pouco adianta identificar a formação de um ‘evento meteorológico máximo’ se não existe uma rede de comunicação confiável, capaz de levar esses avisos aos governantes e governados.
Os ingleses sabem quando pendurar o guarda-chuva no braço porque os seus jornais, rádios, televisões – e agora sua internet – jamais esquecem de avisá-los de que vai chover, ventar ou nevar. Ainda que levemente.
A mídia brasileira nunca prestou muita atenção à previsão do tempo, os editores a tratam como obrigação, chatice que só interessa aos idosos, imaginam que ninguém as lê, por isso não vale a pena caprichar, nem investir.
Nos telejornais em horário nobre, as lindas ‘moças do tempo’ não conseguem explicar que a [temperatura] mínima em Curitiba nada tem a ver com a [temperatura] máxima em Tocantins. A culpa não é delas, é do jornalismo mundano e superficial que se adota no Brasil.
A obsessão pelos números – no caso a temperatura máxima e mínima – eliminou os dados analíticos e contextuais. O barômetro e o anemômetro são tão uteis ao leitor quanto a coluna de mercúrio do termômetro. Satélites e computadores oferecem elementos conjunturais que devem ser convertidos em informação sobre sensação térmica, duração, intensidade e periculosidade dos fenômenos.
Nada casual
Este Observatório já tratou deste serviço público repetidas vezes. Agora é obrigatório trazê-lo de volta diante da repetição e intensidade das tormentas – e porque as recentes plásticas operadas no Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo foram cosméticas e implacáveis com a meteorologia. Ambos encolheram ainda mais os quadrinhos do tempo da primeira página, esquecidos de que são o elo entre as mudanças climáticas e o cotidiano dos leitores.
No Estadão o quadro do tempo para o estado de São Paulo ou para o Brasil (na edição dita nacional) perdeu a sua porção essencial: desapareceu ou tornou-se irrelevante o pequeno texto que indicava a movimentação das massas de ar frio ou quente e demais elementos para uma razoável antecipação. A Folha (que vai muito na onda do Estadão) manteve a sua seção de meteorologia com dois mapas (estadual e nacional), desacompanhado de avaliações complementares.
O Globo oferece o mais completo conjunto de informações meteorológicas (dividas pelas zonas do Rio e regiões do estado, capitais do país e do mundo), mas é produzido por um empresa especializada.
Este é o problema: quantos jornais, rádios e emissoras de TV regionais dispõem de recursos e disposição para investir num serviço que os jornalões paulistas esnobam de forma tão flagrante?
O site do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) fornece continuamente, online, um excelente acervo de informações meteorológicas, mas esta massa de informações precisa ser sintetizada e traduzida em linguagem corrente. Há redatores de meteorologia em nossas redações? Quantas escolas de jornalismo oferecem cursos de jornalismo científico?
‘Vai chover?’ deixou de ser umas pergunta casual. Pode ser a última antes que o seu carro ou sua casa sejam arrastados por uma inesperada enchente.