Os jornais estão deixando de ser um produto para serem marcas. Muito em breve não teremos mais um jornal chamado O Globo. Para acessarmos notícias, reportagens, crônicas, blogs, infográficos e peças multimídia talvez tenhamos que procurar a marca O Globo num conjunto disperso de publicações. Não é mais a plataforma que importa, mas a qualidade da informação publicada nas mais diferentes plataformas.
Para os donos de negócios jornalísticos a notícia não é nada animadora porque significa o fim de uma era e o esgotamento de uma máquina de fazer dinheiro que gerou muitas famílias multimilionárias. Mas para os jornalistas pode ser uma grande novidade porque o exercício da profissão deixará de ser primariamente condicionado pelo fator comercial, para voltar aos primórdios da atividade quando o que valia era o tipo de material publicado, bem como a honestidade e credibilidade do autor.
As publicações impressas estão deixando de ser um produto físico comercializável porque perderam espaço para as novas tecnologias de informação e comunicação, especialmente para plataformas digitais como Facebook, Twitter, Youtube, Google e centenas de outras. A evolução tecnológica está enterrando um negócio que chegou a ser obscenamente lucrativo no final do século XX, mas que entrou em crise da mesma forma que sucumbiram os copistas medievais, as indústrias produtoras de máquinas de escrever, do telex e do fax, para citar apenas os exemplos mais conhecidos.
Os grandes conglomerados jornalísticos, cujo poderio se materializava em seus ativos físicos e financeiros, tem agora a sua sobrevivência condicionada à credibilidade de uma marca. Esta reconversão de modelos de negócios é viável, mas ela tem um preço: a perda da arrogância corporativa e política que sempre caracterizou os chamados “barões da imprensa”. A credibilidade da marca vai exigir investimentos na produção qualificada de noticias, na contratação de profissionais também qualificados e no desenvolvimento de softwares especializados em curadoria de informações, processamento e analise de dados. É o mínimo para garantir a sobrevivência de marcas como Folha de São Paulo, The Washington Post ou Times.
A indústria dos jornais está morrendo como negócio altamente lucrativo, mas o jornalismo, seguramente, não terá o mesmo destino. Está em curso um divórcio cujas consequências nós ainda mal vislumbramos. A crise na indústria de publicações jornalísticas é concreta e ela vai nos fornecer alguns indícios importantes sobre a verdadeira relação dos empresários da imprensa e o jornalismo. Se eles reorientarem os seus negócios para outras atividades econômicas, ficará claro que o discurso adotado até agora sobre temas como o papel da informação e da liberdade de expressão era meramente circunstancial e oportunista.
Mas alguns empresários, como parece ser o caso dos controladores do The New York Times, demonstram interesse em continuar apostando no jornalismo, mesmo que sem a esperança de grandes lucros. É uma possibilidade que permitirá a sobrevivência de alguns títulos muito conhecidos, mas ainda é uma alternativa sujeita a idas e vindas, como por exemplo, no caso do NYT, a sucessão dentro da dinastia Ochs-Sulzberger que controla o jornal desde 1896.
O jornalismo como marca com confiabilidade certificada pela audiência também depende de sustentabilidade econômica. Mas a forma pela qual o exercício da atividade se relaciona com a sua sobrevivência financeira tende a ser bem diferente da que existia até agora entre as famílias ou acionistas controladores de um jornal e os seus empregados na redação.
Em primeiro lugar, a desorganização do mercado corporativo no segmento das indústrias de comunicação jornalística gerou uma grande dispersão dos jornalistas, ao mesmo tempo em que as novas tecnologias reduziram enormemente a diferença entre profissionais e praticantes de atos jornalísticos (amadores ou jornalistas cidadãos). Isto produziu uma situação em que temos simultaneamente uma alta concentração de plataformas digitais e uma inédita segmentação de empreendedores individuais explorando nichos informativos diferenciados.
A extraordinária concentração de plataformas de disseminação de informações como Facebook, Twitter, YouTube, Apple e Google, por exemplo, é avassaladora. A indústria dos jornais, revistas e audiovisuais está sucumbindo rapidamente à expansão viral de sistemas muito mais ágeis, econômicos e globalizados, mas a concentração tem um ponto fraco, nada desprezível: ela depende da fidelidade de seus usuários, um fator que na era digital passou a ser extremamente fluido. Esta liquidez é uma das características centrais da nova economia digital.
Já para o segmento dos profissionais e não profissionais autônomos a fluidez conjuntural está sendo incorporada à rotina de trabalho. A nova geração de jornalistas não cria empresas, mas marcas e sua relação com elas é essencialmente fluida. Tanto podem vendê-la para um investidor quando atingem um determinado patamar de confiabilidade e lucratividade potencial , como podem tranquilamente começar tudo de novo em caso de insucesso. O acompanhamento do fenômeno das start-ups (empresas iniciantes, individuais ou em pequenos grupos) mostra um enorme cemitério de marcas, cujos criadores já estão noutra atividade ou projeto.
A estabilidade das empresas jornalísticas cede cada vez mais espaço para a mutabilidade das marcas jornalísticas.