Recebo do Brasil um e-mail com uma reportagem publicada no Estado de S.Paulo sobre ‘utilização de recursos oficiais do governo suíço’ para financiar atividades do MST através de ONGs [‘Suíça financia trabalho de ONGs com o MST’, Estadão, 25/1/2007].
Escrevo este artigo não para desmentir, porque a informação é exata – qualquer pessoa pode obtê-la indo ao site da ONG, não é nenhum segredo. Mas para mostrar como se pode desvirtuar uma informação verdadeira e transformar em algo duvidoso, e quase delituoso, uma ajuda a certos segmentos de nossa população, em termos de alimentação, maternidade e agricultura, por se inscreverem no contexto do Movimento dos Sem-Terra, o diabolizado MST.
Senão, vejamos. Já na primeira frase, o objetivo é claro: ‘Recursos oficiais do governo suíço estão servindo para financiar atividades e programas do Movimento dos Sem-Terra’. E um intertítulo insiste: ‘Entidade até treina sem-terra em informática. Tentou-se mesmo envolver o embaixador brasileiro em Berna, que teria ficado surpreso’.
Qual o objetivo da matéria do Estadão sobre subvenções da Suíça ao MST, mesmo se são legais e se enquadram no programa de desenvolvimento e cooperação com países estrangeiros?
O destaque dado a essa matéria, que provavelmente visava a abafar o prestígio de Lula e do Brasil em Davos, só pode ter sido o de gerar um mal-estar e provocar um corte na subvenção dada pelo governo suíço à respeitada e conceituada ONG E-Changer aos projetos do MST.
Na época do deputado Julião, que militava pela reforma agrária dentro do programa das reformas de base do governo Goulart, a solução foi o golpe. Entretanto, agora não há clima para golpe, num governo com folgada maioria absoluta, num pleito correto e sem fraudes.
A Suíça e as FARC
A solução, então, é diabolizar o MST ao máximo e tentar forçar os outros países a cortarem verbas às ONGs implantadas no Brasil com o objetivo de ajudar numa melhor distribuição das riquezas.
Alô, governo suíço, alô, deputados e senadores suíços, tem dinheiro suíço sendo desviado para financiar a revolução agrária no Brasil. Cortem a subvenção! – é mais ou menos isso que o artigo publicado no Estadão quer provocar na Suíça.
Não faz muito tempo, o vice-presidente colombiano, provavelmente alertado também pela imprensa de direita de seu país, denunciou a Suíça como cúmplice por deixar funcionar um site das FARC dentro da Suíça, ou pelo menos com o final CH, de Confederação Helvética. E acusou duas associações ou ONGs, a Ação de Quaresma, católica, e o Pão para o Próximo, protestante, de utilizarem subvenções suíças em apoio às FARC. Foi preciso mesmo intervenção da ministra das Relações Exteriores para cortar a onda.
Vai dar em nada
Provavelmente foi esse caso suíço-colombiano a inspiração para se criar um caso suíço-brasileiro, desta vez envolvendo o MST. Só que o MST não é um movimento guerrilheiro, nem é o Sendero Luminoso e é reconhecido internacionalmente como um movimento que luta pela reforma agrária.
A Suíça é um país de direita, de banqueiros, de neoliberais, mas isso não impede que seja um país respeitador da democracia e dos direitos humanos. Mesmo os suíços de direita não aprovam os latifundiários e, como têm um profundo respeito por seus agricultores regiamente subvencionados, reconhecem a necessidade de uma melhor divisão de terra no Brasil.
Conheço a Suíça, tenho criticado duramente a cúpula de banqueiros e empresas que governam o país, mas tenho certeza que dedurar para o governo suíço que ‘dinheiro do apoio ao desenvolvimento está sendo desviado para o MST brasileiro’ vai dar em nada.
Esperando dinheiro de Maluf
Ao contrário, visto a má-fé da matéria, vai pegar mal para o jornal e para sua credibilidade junto às autoridades suíças no Brasil, conhecedoras da seriedade da E-Changer.
Nesta altura, a Suíça espera que dêem certo os planos sociais do governo Lula, pois um país com melhor distribuição de rendas e riquezas e reforma agrária se torna um melhor parceiro comercial, além de ajudar na estabilidade mundial. A ministra democrata-cristã Doris Leuthard vai mesmo se encontrar em Brasília, nos próximos dias, com Lula, o qual provavelmente agradecerá à Suíça seus diferentes tipos de ajuda, inclusive essa ao MST (a ONG E-Changer é cristã). E se esse apoio parece tão horrível, talvez valha a pena contar que, há ano e meio, no Club de la Presse de Genebra, subvencionado pela cidade de Genebra, levei pessoalmente uma representante do MST a uma entrevista coletiva.
Paulo Maluf tinha prometido doar todo seu dinheiro depositado nos bancos suíços a quem provasse que tinha dinheiro na Suíça. Como eu e o colega jornalista Jean-Noel Cuenod, da Tribune de Genève, o fizemos, em artigos publicados na imprensa suíça e transmitidos, na época, pela CBN (essa é outra história) – e também no meu livro –, pedimos esse dinheiro e – caso Maluf cumpra o prometido (estamos esperando) – prometemos doar tudo ao MST. E mantemos a oferta, se vier um dia o dinheiro do Maluf, para reforçar a ninharia que o E-Changer está dando ao Movimento dos Sem-Terra.
Clique aqui para ir ao site onde estão os nomes e atividades no MST financiadas com dinheiro suíço.
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Jornalista