Ainda não foi escolhido o cognome com que o último fim de semana (13-14/9) entrará para a história econômica. É uma questão de dias – ou horas – até que se encontre o nome-fantasia apropriado para uma catástrofe que se anunciava claramente há mais de um ano e que os experts (inclusive na imprensa) teimavam em ignorar.
A ruína do banco Lehman Brothers, fundado em 1844, não é simbólica, não se trata apenas do fim do capítulo sobre os gigantescos bancos criados por imigrantes alemães no interior americano. Trombetear o fim do capitalismo é bobagem, instituições ou sistemas só podem ser consideradas tecnicamente encerradas quando há substitutos aptos. O suplente do capitalismo ainda não foi inventado e dificilmente o será algum dia.
No fim de semana arrancaram-se as derradeiras lantejoulas de um sistema financeiro que para se proteger, estufou, estufou até que arrebentou. A crise hipotecária americana não foi avaliada com a devida seriedade – pelas consultorias, agências de risco e a imprensa especializada – porque o sistema financeiro compreende vários níveis de negócio.
Mesmo em dias de quebradeira de bancos hipotecários há gente apostando no futuro, ganhando rios de dinheiro na própria débâcle do mercado.
Perigo das bolhas
O sistema se realimenta continuamente, o negócio de negociar com dinheiro – o próprio ou de outros – não admite lutos ou folias. Bolsas disparam e despencam, mal-humoradas ou bem-humoradas, independentemente da real situação dos mercados. Dentro de dias um especulador pode mudar drasticamente os tétricos índices da segunda-feira (15/9) sem tocar no mercado hipotecário americano ou no sistema mundial de refinanciamentos.
A imprensa não consegue mostrar esta complexidade. Nem jamais teve esta pretensão porque, para isso, deveria adotar uma postura rigorosamente crítica. Não necessariamente marxista, mas cética, militantemente cética. Não apenas no que respeita às crises em si, mas, sobretudo, no tocante ao mecanismo de criação de modismos, tendências e seu produto final, obra-prima do efêmero contemporâneo – as bolhas.
Alertar para o perigo das bolhas equivaleria desestimular o consumismo, o turismo e a falsa noção de que a felicidade só é possível num apartamento duplex com piscina olímpica. Quem agüenta viver sem a esperança de hospedar-se no Crillon de Paris, quem abdica do direito de sonhar com um Land Rover ou mini Sony Vaio?
Nem a mídia nem os mediadores – sobretudo estes – têm suficiente estofo (ou rabugice, dá no mesmo) para dizer aos concidadãos que estão sendo enganados quando governantes, experts e outros jornalistas garantem que uma catástrofe como a do último fim de semana será rapidamente contornada.
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Os portais de notícias brasileiros no domingo (14/9) à noite eram um show-room do tal jornalismo do futuro. Com exceção de um par de especialistas de plantão, os veículos digitais – estes que estão sendo solenemente apresentados como substitutos dos jornalões e revistões – cuidavam do futebol, da Fórmula-1, da fofoca, dos cataclismos climáticos e da Bolívia; afinal, não se deve desperdiçar fotos de confrontos armados, lembram filmes de ação. Nenhum sinal do que acontecia nos EUA e dentro de horas seria manchete da imprensa mundial. Fácil entender: a bolha hipotecária e a bolha digital foram fabricadas pela mesma febre. Não se sabe exatamente o que vai mudar. Talvez a velocidade.