O redesenho do Globo, apresentado com a merecida pompa no domingo (29/7), é menos importante do que o conceito sobre o qual foi concebido e proclamado ostensivamente dias antes, no evento-vitrine denominado “O papel do jornal”.
Jornais brasileiros adoram mudar o visual, usam a mudança como ação de marketing e o marketing é, por definição, imediatista e transitório. No texto em que relata a história dessa mudança, o jornalista Orivaldo Perin afirma que a última plástica ocorreu em 1995, há 17 anos (Caderno Especial, pág. 5). Nos registros deste Observatório da Imprensa (fundado em 1996), neste mesmo período há pelo menos uma mudança drástica, quando foi adotado, entre outras inovações, o cabeçalho com a faixa tricolor. [Em tempo (acrescentado às 15h11 de 31/7): A faixa tricolor foi, aparentemente, adotada na reforma de 1995, mencionada por Orivaldo Perin. A edição televisiva do Observatório da Imprensa de 25/5/2010 tratou da renovação visual dos três grandes jornalões que estava em curso. As alterações em O Globo estavam sendo adotadas gradualmente, ao contrário da Folha de S.Paulo e Estado de S.Paulo. Ver “Os jornalões se renovam”; o vídeo do programa está aqui.]
Embora a definição de objetivos empresariais seja geralmente mais duradoura e menos sujeita às trepidações cíclicas, também neste aspecto o Globo deu uma substancial guinada apenas quatro anos depois de outra. Em 21 de setembro de 2008, com o apoio de uma formidável campanha publicitária, as Organizações Globo relançaram a subsidiária Infoglobo destinada a produzir e distribuir conteúdo jornalístico ao jornal, site, sistema de rádio, GloboNews e plataformas digitais.
O bordão “Muito além do papel do jornal” assumia integralmente o caráter planetário, multimeios, da nova empresa na qual os jornais seriam apenas uma das opções e não mais o vetor central (ver “O Globo vai além do papel. E o papel do jornal?”).
Opção errada, fruto do frenesi suicida que tomou conta da indústria jornalística em todo o mundo. No intervalo, a internet não conseguiu fixar um padrão de confiabilidade, além da sua extraordinária capacidade mobilizadora. Tornou-se visível a olho nu, a despeito da paranoia apocalíptica disseminada pelas empresas de consultoria, que a blogosfera era uma gigantesca egotrip narcisista, incapaz de flagrar, explicar e antecipar os movimentos do mundo globalizado.
Ganho efetivo
Em uma inspirada compressão no slogan de 2008 – “Muito além do papel de um jornal” –, eis que as Organizações Globo, com o conciso “O papel do jornal”, liquidam a barafunda estratégica anterior e produzem uma audaciosa reviravolta conceitual montada de forma cristalina e indubitável na centralidade do jornalismo impresso.
O texto de Merval Pereira (Globo, 23/7), o evento do dia seguinte reunindo os diretores de redação dos três jornalões mais importantes do país (Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo e Valor – assista aqui à íntegra do debate) e diversas matérias do Caderno Especial de domingo (29) – sobretudo o testemunho do encontro do vice-presidente João Roberto Marinho com o diretor de Redação Ascânio Saleme e o editor executivo, Luiz Antonio Novais –, redefinem o panorama jornalístico brasileiro.
Acrescente-se um dado suplementar ainda mais auspicioso: foi uma decisão de quem faz jornal e pensa o jornalismo. Sem ideólogos, consultores, marqueteiros e burocratas corporativos. Dificilmente deixará de ser compartilhada pelas demais empresas e nelas poderá ter efeitos ainda mais profundos e consistentes.
O redesenho do jornal é, para este observador, suplementar. Gosto não se discute, a acuidade visual é obrigatoriamente pessoal e diversificada. Muitos apreciaram o arejamento, outros consideraram ilegíveis as novas fontes em textos maiores. O uso de cores em todas as páginas só se converterá em ganho efetivo quando a doida cadernização for substituída por edições mais compactas, arrumadas com coerência e mais fáceis de folhear. Quando o Departamento Comercial reaprender a vender o espaço do jornal – em vez de idolatrar apenas as capas de cadernos – o redesenho poderá ser plenamente percebido.
Compromisso inegociável
A mudança no Globo poderá incorporar-se às duas outras que marcaram definitivamente o jornalismo brasileiro contemporâneo – as reformas do Jornal do Brasil e da Folha de S.Paulo – se for assumida conceitualmente e entranhada. Este 87º aniversário poderá ser uma antecipação do centenário.
O pretendido Jornalismo de Qualidade pressupõe uma dinâmica e um largo espectro de atributos que inclui diversidade e pluralismo. Para começar, basta mantê-lo como compromisso em cada matéria, artigo, título, legenda, foto, página, coluna, caderno, edição.
O resto é o resto, vem sozinho.
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Há muitas décadas, o espírito competitivo do Globo criou um slogan que funcionava como antetítulo das campanhas, cruzadas e promoções. Bolado por Walter Poyares, então diretor do Departamento de Relações Públicas, funcionava como selo: “Mais uma vitória de O Globo”. Esta mudança conceitual não poderá ostentar o galardão, mas pode merecê-lo.