Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Muito além de uma desavença

Afinal, Lina Vieira foi demitida por ter contestado a Petrobras, por ter apertado a fiscalização de banqueiros e de outros grandes contribuintes, porque o presidente Lula a culpou pela perda de arrecadação ou por todos esses motivos? O caso Lina Vieira não acabou e não se esgota na polêmica da ex-secretária da Receita Federal com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rouseff, acusada de tê-la pressionado para ‘agilizar’ a investigação sobre um filho do presidente do Senado, José Sarney. Saber quem mente nessa história pode ser importante. Mas pelo menos tão importante quanto isso é esclarecer quem teve influência no afastamento da secretária e quais as consequências de sua substituição. Dois jornais se ocuparam da nova Receita, em matérias publicadas no sábado (22/8). Seguiram caminhos próprios e ofereceram ao leitor perspectivas bem diferentes a respeito dos fatos.


O Estado de S.Paulo publicou uma entrevista pingue-pongue com o novo secretário da Receita Federal, Octacílio Cartaxo. Segundo ele, ‘toda a Casa’ terá autonomia para ‘tocar o projeto de mudança iniciado por Lina’, já aprovado ‘pelo ministro’ da Fazenda. Não respondeu de forma clara e direta se pretende substituir os superintendentes. ‘Mudanças eventuais estão dentro da normalidade’, como ‘rotina da administração’. O foco nos grandes contribuintes continuará sendo prioritário, acrescentou. 


Sobre o caso da Petrobras, o novo secretário limitou-se a explicar a diferença entre o regime de competência e o regime de caixa para o cálculo e o pagamento de impostos. Cartaxo havia sido nomeado substituto interino de Lina Vieira e foi confirmado no posto depois de ter defendido, no Congresso, o procedimento da Petrobras contestado por sua antecessora. A coincidência não foi mencionada na apresentação da entrevista.


Difíceis de provar


A Folha de S.Paulo publicou informações não oficiais e ofereceu outra visão dos fatos. A história foi publicada na seção de política, ao lado do material sobre a polêmica Lina Vieira-Dilma Rousseff, e não no caderno de economia. Segundo a reportagem, o novo secretário da Receita disse ao subsecretário de Fiscalização, Henrique Jorge Freitas, não ter meios para mantê-lo no cargo por causa de pressões do ministro da Fazenda, Guido Mantega. O aviso foi dado, de acordo com a história, numa ‘reunião tensa com a cúpula do órgão’, na casa de Cartaxo, em Brasília, e não na sede da Receita.


A reunião foi convocada, contaram os autores da matéria, para a comunicação do afastamento dos servidores mais próximos de Lina. Outros dois ocupantes de cargos de confiança – Alberto Amadei, assessor especial de Lina, e Marcelo Lettieri, coordenador-geral de estudos – participaram do encontro e foram avisados de sua exoneração. Henrique Jorge Freitas, segundo a reportagem, foi peça importante do esquema de ação definido pela ex-secretária, focado mais nos grandes contribuintes, como os bancos, do que nas pessoas físicas e nas pequenas empresas. Diante da reação dos participantes, Cartaxo teria prometido conversar de novo com Mantega sobre as mudanças.


O caso é um bom exemplo de como dois estilos de reportagem podem proporcionar informações muito diferentes. A fórmula seguida pelo Estado de S.Paulo, para tratar das mudanças na Receita, proporciona dados dificilmente contestáveis pelos envolvidos (embora o entrevistado sempre possa negar alguma declaração ou classificar alguma frase como publicada ‘fora de contexto’). O caminho seguido pela Folha produz notícias mais difíceis de provar, mas frequentemente muito esclarecedoras, por não serem oficiais e independerem do interesse da principal figura envolvida. 


Tentativas de intervenção


No mesmo estilo de reportagem, a Folha havia publicado no domingo anterior (16/8) uma história de como o presidente Lula teria ameaçado intervir na administração da Companhia Vale do Rio Doce para forçar a realização de investimentos de interesse do governo. A pressão envolveu, segundo a reportagem, a ameaça de demissão do presidente da Vale, Roger Agnelli. ‘Reservadamente’, de acordo com a Folha, ‘circulou no governo a ideia de indicar alguém com o perfil do presidente da Previ, Sérgio Rosa, para o posto de Agnelli. Mas, por ora, isso perdeu força’. Lula teria mandado um recado ao Bradesco. O banco havia indicado o atual presidente da companhia, a partir de acordo de acionistas com participação do grupo japonês Mitsui, de fundos de pensão e do BNDES.


Com essa longa reportagem, a Folha ampliou as informações sobre os desentendimentos entre o governo e a direção da Vale, por causa da redução, a partir da crise, do programa de investimentos da empresa. Pessoas próximas do presidente Lula são indicadas, sem citação de nomes, como fornecedoras dos detalhes mais quentes. A matéria não é apenas um saboroso relato de intrigas.


Seja qual for a opinião de cada leitor a respeito da privatização da Vale e de sua operação como empresa privada, as tentativas de intervenção pessoal do presidente da República na gestão de uma das duas maiores empresas brasileiras – e uma das maiores do mundo, no setor de mineração – tem enorme importância política e econômica. Sem entrar nesses detalhes, é claro, o presidente Lula voltou, em sua última coluna divulgada por alguns meios, a mencionar o tema dos investimentos da Vale.


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Da estação 


Agosto é tempo de tomar providências, no Centro-Sul, para o plantio da próxima safra de verão. É hora de escolher, por exemplo, entre soja e milho e de resolver de uma vez quanto será plantado. Alguns ainda terão de colher o trigo – ou outras lavouras de inverno – antes de cuidar da nova semeadura. As condições de preços para as colheitas de verão já se desenham nas principais bolsas de mercadorias, porque já se dispõe de uma boa estimativa da produção americana de verão. Até a terceira semana do mês, no entanto, foram escassas, nos grandes jornais do Rio e de São Paulo, boas matérias sobre as perspectivas da próxima safra. O Estado de S.Paulo foi uma exceção, com uma bela reportagem publicada no domingo (16/8). Foi uma página toda, aberta com o texto intitulado ‘Soja rouba área do milho em 2010’.


Não é preciso ter espírito bucólico nem gostar de dupla sertaneja para dar atenção a esse tema. No meio da crise internacional, a balança comercial brasileira foi sustentada principalmente pelo agronegócio. O único jornal dos grandes a cuidar do agronegócio no dia a dia tem sido o Valor. É um diário especializado, dirão alguns, e por isso pode reservar um razoável espaço diário para o assunto. Não é uma boa explicação. A importância estratégica do agronegócio tem sido esquecida pela maior parte dos meios de comunicação. Arroz, feijão, milho, trigo e carnes não nascem nas bolsas de valores, é sempre bom lembrar. 


Agosto é tempo, também, de dar os últimos toques na proposta orçamentária da União para envio, até dia 31, ao Congresso. O Valor foi o primeiro a soltar uma boa matéria sobre a preparação do projeto. A receita prevista, segundo a reportagem, é praticamente a mesma estimada para este ano. Em termos de evolução da receita, a crise custou um ano de atraso, disse uma fonte citada pelo jornal. A matéria saiu na quarta-feira (19/8).

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Jornalista