Por que o governo precisa de um novo imposto, se há dinheiro de sobra, segundo o ministro da Fazenda, até para se criar um fundo soberano? Por que o BNDES, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social, financia ONGs? Perguntinhas simples como estas poderiam ter reforçado não só o tempero, mas o próprio cardápio, da cobertura econômica e política nas últimas semanas. Os jornais têm oferecido um rico material tanto sobre escândalos quanto sobre a política financeira, mas não o suficiente para satisfazer o leitor um pouco mais informado e, por isso mesmo, mais interessado em detalhes.
A idéia de recriação da CPMF, a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira, foi destacada em primeira página pela Folha de S.Paulo e pelo Globo no sábado (17/5). O tributo seria necessário, segundo os defensores da proposta, para financiar a despesa obrigatória com saúde. No dia seguinte, a reação contrária à idéia apareceu na primeira do Estado de S.Paulo, abaixo da manchete ‘Caixa do governo terá R$ 15 bi a mais’, baseada numa reestimativa da arrecadação federal deste ano.
Foi uma boa idéia aproximar as duas notícias, mas ficou para o leitor o trabalho inicial de juntar os pedaços do noticiário, porque só na segunda-feira (19), na coluna de Ribamar Oliveira, o assunto seria enfrentado de forma ampla. Ainda no domingo, na página 4 do caderno de Economia, o ministro de Relações Institucionais, José Múcio, apareceu defendendo a proposta. Segundo ele, o projeto de regulamentação da emenda constitucional 29 (sobre vinculação de verba para a saúde) só será viável se for indicada uma fonte de recursos. Os senadores aprovaram o projeto e os deputados devem votá-lo no dia 27 ou 28 de maio.
Investimentos sociais
Qual o argumento de José Múcio? A exploração desse detalhe seria instrutiva. Também para a educação se prevê a destinação obrigatória de uma parcela do Orçamento, mas sem vinculação direta com um tributo. A história toda fica mais enrolada quando a receita reestimada é bem maior que a anteriormente prevista – e o governo alardeia um ‘excedente do superávit primário’ e promete aplicá-lo num fundo soberano até hoje mal explicado.
A própria noção de ‘excedente’, nesse caso, deve ser uma licença poética: só haveria sobra de excedente primário, de fato, se o dinheiro fosse mais que suficiente para cobrir as despesas financeiras do ano. Nesse caso, o resultado nominal seria superavitário, como foi no primeiro trimestre, mas não nos últimos 12 meses,
Os jornais têm conseguido, em alguns assuntos, ir além das declarações oficiais e oferecer ao público um bom contraponto informativo. Qualquer leitor razoavelmente atento deve ter notado, nos últimos dias, o noticiário sobre a difusão dos aumentos de preços. Um bom exemplo foi a matéria do Estadão de domingo (18/5), com o título ‘Inflação se espalha e atinge 61% dos itens do IPC-Fipe’. Nem a velhinha de Taubaté, nesta altura, leva a sério a tese da inflação do feijãozinho, defendida há algumas semanas pelo ministro da Fazenda.
Mas a imprensa continuou devendo, até o último fim de semana, uma boa matéria sobre os programas sociais do BNDES, as ações correspondentes à última letra da sigla. Para atender ao desenvolvimento social, o banco deve ter – supõe-se – linhas de crédito para investimentos em escolas, transporte de estudantes, centros de saúde e infra-estutura de saneamento. Governos estaduais e prefeituras podem fazer muita coisa útil com esse dinheiro. Talvez façam. Mas o BNDES entrega recursos a organizações não-governamentais, como indicaram as investigações sobre o possível envolvimento do deputado Paulo Pereira da Silva, líder da Força Sindical, em desvio de recursos do banco. Para quê?
A Força e o FAT
Investigações e provas são necessárias para se decidir se o deputado cometeu alguma falta. Autoridades terão de cuidar do assunto. Mas a imprensa, além de acompanhar o caso, poderia ir mais fundo no exame das políticas sociais do BNDES, um tema quase inteiramente desconhecido.
Seria preciso mostrar as formas de acesso ao dinheiro, os critérios de concessão, as condições de financiamento (há, por exemplo, operações a fundo perdido?) e os agentes qualificados para pleitear a ajuda. Quais dessas condições foram preenchidas pela organização dirigida pela mulher de Paulo Pereira da Silva?
O BNDES é um banco estatal e opera com recursos públicos. O Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) é parte desse dinheiro. A revista Veja trouxe dados interessantes sobre a influência da Força Sindical na gestão do FAT, mas há muito mais para ser contado. A mera explicação de como funcionam as operações do BNDES com prefeituras e, de modo especial, com ONGs já seria uma excelente contribuição e renderia uma história provavelmente muito divertida.
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Jornalista