O concorrente mais duro de um repórter brioso pode não ser um colega de outra publicação, mas o redator de um press release. Leu todos os jornais e continuou em dúvida? Tente encontrar a nota da fonte original. Pode ser mera propaganda, mas também pode ser o material mais claro e mais organizado. Na semana passada, a maior parte dos jornais publicou reportagens satisfatórias sobre o novo pacote agrícola. O assunto ganhou espaço nas primeiras páginas, competindo com a turbulência nos mercados financeiros e com outros assuntos quentes, como os problemas de segurança. Mas, apesar da cobertura ampla e editada com destaque, o texto mais organizado e mais claro foi o release do Ministério da Agricultura.
Vários jornais noticiaram um pacote de R$ 75 bilhões. Nenhum explicou direito como chegar a esse número. Era fácil, na leitura do material, somar os R$ 60 bilhões do plano de safra 2006-2007 com os cerca de R$ 10 bilhões da estimativa de renegociação das dívidas de agricultores. Mais uns R$ 2 bilhões poderiam aparecer na expansão das aplicações do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). A partir daí a conta empacava, porque não ficava claro o que era de fato recurso adicional. O número deve ter aparecido na entrevista de apresentação do pacote. Virou lead e até título, mas a soma não foi esclarecida.
A nota do Ministério da Agricultura também não ajudou a descobrir os R$ 75 bilhões. Mas pelo menos agrupou com maior clareza os três tipos de medidas constantes do pacote – o novo plano de safra, as ações de apoio imediato aos agricultores em crise e as novidades de maior alcance, classificadas como estruturais.
A função da assessoria
Um bom assessor de imprensa tem uma vantagem sobre um bom repórter, quando tem de trabalhar sobre um material técnico. Idealmente, o assessor deverá redigir um material atraente, com um lead forte, um texto fluente e uma organização calculada para prender a atenção do leitor. Mas, se o assunto for complicado, a saída mais segura será apresentar os dados com a ordenação mais técnica. Se o fizer, terá cumprido sua função de maneira satisfatória.
O repórter não tem essa liberdade. Mesmo escrevendo para uma publicação especializada, terá de atender a uma clientela mais ampla que a do autor do release. Se for brioso, não se limitará a reproduzir a nota oficial, por melhor que seja. Seu problema será apresentar um material pelo menos tão claro e tão preciso quanto a nota, porém mais atraente e ao mesmo tempo enriquecido com a crítica e com o contexto político. Se for esperto, saberá aproveitar a boa matéria-prima oferecida pela fonte.
O aperto que não existiu
Essa matéria-prima é muitas vezes sub-utilizada. O desperdício pode ocorrer na reportagem ou na edição. Ocorreu mais uma vez, de forma evidente, na apresentação das notícias sobre os dados fiscais de abril. Como de costume, o Tesouro divulgou num dia o relatório sobre as contas do governo central e no dia seguinte o Banco Central publicou as contas consolidadas do setor público. Na sexta-feira, os jornais noticiaram um recorde no superávit primário, calculado sem o pagamento de juros. Alguns jornais mencionaram um aperto fiscal recorde. O resultado pode ter sido impressionante, mas não houve aperto.
O crescimento dos gastos públicos não foi interrompido em abril. O que ocorreu foi um efeito sazonal, especialmente forte neste ano, de concentração de receitas do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Além disso, estatais contribuíram com um superávit bem maior que o de abril do ano passado. Mesmo os jornais que explicaram esses detalhes não os destacaram nas chamadas, títulos e subtítulos. No entanto, não são detalhes irrelevantes. Ao contrário: mostram que a política fiscal não mudou, que a administração direta continua a gastar alegremente e que a qualidade do ajuste das contas públicas é muito baixa, porque continua a depender de maior tributação e, nesse caso, também do resultado das estatais.
O mais engraçado, nessa história, é que as ressalvas foram fornecidas pelo próprio material do governo e pelo diretor do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes, em sua entrevista rotineira.