Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Nada a declarar: tudo a esconder

Em meio à lama de tantos escândalos ficam evidentes as estratégias equivocadas das fontes de notícias – não só dos envolvidos, mas também de seus porta-vozes e assessores. O público já sabe que não atender os jornalistas, responder por meio de notas vazias, dizer que foi “orientado pelo advogado a não falar” ou “nada a declarar” significa “tudo a esconder”.

A isso acrescente-se a manipulação de estatísticas, o engendramento de informações, a fabricação de mensagens subliminares, a distribuição de releases enganosos e a cooptação de jornalistas com o propósito de tornar uma verdade relativa, na versão que lhe convém. Isso tem nome, uma palavra tão estranha quanto essa manobra: tergiversação, ou seja, desculpa, evasiva, rodeio de quem adultera os fatos para maximizar os aspectos positivos e minimizar os negativos, que se universalizou na expressão spin doctor.

Praticado às escancaras por políticos envolvidos em escândalos, empresas em crise e celebridades em apuros, torna-se um “prato cheio” para os jornalistas, pois o público, ávido por conflitos, desconfia da mensagem engendrada e forma-se uma opinião pública passageira e mutante.

Em geral, o jornalista não tem outro propósito senão da produtividade e do sucesso de audiência que os veículos lhe impõem para vender as notícias, uma vez que o negócio da mídia é a “defesa do interesse público”.

Toda fonte almeja relatar as informações positivas de suas ações ou impedir que se espalhe uma versão inconveniente. Para o jornalista isso pouco importa, nem mesmo uma autopromoção ou um factoide. Importa, sim, a noticiabilidade.

Notícias sem contextualização nem contraditório

Na contrafação dos acontecimentos reais, os “fatos” são deliberadamente planejados e roteirizados pelas fontes para serem noticiáveis. Trata-se de estratégias para induzir o público a acreditar que um evento artificial seja um fato.

Geralmente, nessa situação, as fontes tergiversam uma “realidade”, produzem uma versão da “verdade relativa” para persuadir o público. Para reverter os fatos negativos, essas fontes buscam controlar a situação “a ferro e fogo” com o propósito de neutralizar opiniões contrárias.

Usam as técnicas e o saber jornalístico para fazer publicidade, buscam no jornalismo, por ser polifônico e controverso, um espaço para legitimar seus discursos e falas relevantes que nutrem o noticiário, entregando aos jornalistas tudo “mastigadinho”, pronto para publicar.

Desse modo, ocorre a comodidade dos jornalistas, que publicam parcialmente ou na íntegra seus releases. Assim, a cobertura jornalística torna-se burocrática, menos investigativa (as notícias são de investigações dos outros) e os conteúdos muito semelhantes.

Esse fenômeno leva a mídia a ser pautada, em vez de pautar, já que prefere o regalo da informação pronta e ouvir as mesmas fontes. Isso resulta em notícias sem contextualizações nem o contraditório, princípios básicos do jornalismo. Enfim, os jornalistas se tornam estenógrafos, escribas.

Também há uma notável interferência das redes sociais digitais, que impõem uma “escravidão digital” viciante e uma “liberdade de expressão” fascista liberal na incondicional aprovação ou reprovação de qualquer ideológica.

Portanto, “nada a declarar” é bem mais que uma frase de efeito.

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Aldo Schmitz é jornalista, mestre em Jornalismo e doutor em Sociologia Política. É autor dos livros Fontes de notícias (2011) e Jornalista a serviço das fontes (2015)