Para o príncipe Hamlet, o dilema fundamental expressou-se através do ‘ser ou não ser’. Para o presidente da República, Lula da Silva, a dúvida era outra, mais simples, quase insignificante na vida de governantes de paises democráticos. A longa e inexplicável indecisão converteu uma rotina em questão transcendental e atroz: conceder ou não conceder uma entrevista coletiva aos jornalistas credenciados no Palácio do Planalto.
Depois de 28 meses e de, pelo menos, dois desastrosos paliativos, acabou a dilacerante angústia: às 10h40 da sexta-feira (29/4), o presidente Lula finalmente encarou os profissionais de imprensa ao longo de hora e meia e respondeu às 14 perguntas que lhe foram apresentadas.
E o mundo não acabou. A bolsa não desabou, o risco-país não disparou, nossas relações internacionais não foram abaladas, nem a conjuntura política ameaçada. O presidente disse as coisas que costuma dizer, da forma que o faz quase diariamente; os deslizes mantiveram-se dentro do nível habitual e mesmo trocando o nome do ex-premier português Durão Barroso (chamando-o de Barroso Durão), saiu-se airosamente ao mostrar-se capaz de reprimir os impulsos populistas que às vezes o colocam no limite da grosseria.
Vasos comunicantes
Ficou evidente que o presidente preparou-se, recebeu um briefing, mas qualquer empresário, autoridade, político ou chefe de Estado deve ser ‘brifado’ antes de qualquer manifestação pública. Se não o faz está descumprindo o seu compromisso com aqueles aos quais deve explicações. Nem Winston Churchill, o mais inspirado orador do século 20, confiava na sua retórica: os seus históricos ‘improvisos’ eram memorizados e não apenas para serem incluídos nas futuras antologias de oratória, mas para influenciar imediatamente o curso da História.
Os jornalistas, pelo que se viu e ouviu, é que não souberam preparar-se convenientemente. Certas perguntas pareceram requentadas, e raras as que deram seqüência às respostas anteriores do entrevistado. Como se não tivessem ouvido ou não soubessem reagir ao interlocutor, como se o vício da pauta tivesse engessado a sua curiosidade e o instinto questionador.
Ao cobrar do presidente o excesso de críticas à imprensa, pelo menos por solidariedade deveria ter sido lembrada a notícia da primeira página de alguns jornais da manhã sobre a surpreendente sentença que determinou a prisão do jornalista Jorge Kajuru. Embora o Executivo nada tenha a ver com o Judiciário, fica evidente que não foi revogado o princípio dos vasos comunicantes. Esta, reflexão, entre virgulas, não poderia deixar de ser registrada.
Mas ao desrespeitar a combinação de apenas uma pergunta por sorteado e embutir três questões completamente diferentes, alguns passaram a impressão de que a imprensa não sabe acatar regulamentos que ela mesma assumiu.
O presidente não revelou qualquer novidade, as manchetes que produziu eram as esperadas e tiveram a mesma intensidade das intervenções nas enfadonhas cerimônias palacianas. Mas a civilizada exposição à mídia nacional e internacional ofereceu um clima de transparência e diálogo capaz de colocar Lula da Silva num patamar diametralmente oposto ao que se encontra Hugo Chávez. Com a vantagem de ajudar a reverter a queda nos índices de popularidade do seu governo.
Esta normalidade e naturalidade produzida pela primeira entrevista coletiva formal do presidente Lula desde a sua posse é que nos remete à questão crucial: qual a razão da demora? Qual o problema pessoal, operacional, político, legal ou institucional que impediu o governo de cumprir com a comezinha obrigação de submeter-se ao escrutínio da imprensa e, através dela, da sociedade?
Este é um segredo que só será revelado na próxima entrevista. Falta marcá-la.